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A S A GÊNCIAS DE N OTAÇÃO DE R ISCO NO ÂMBITO DO M ERCADO DE C APITAIS

2 A A TIVIDADE DE N OTAÇÃO DE R ISCO E A IMPORTÂNCIA DAS A GÊNCIAS DE R ATING NA

2.2 O RIGEM DA N OTAÇÃO DE R ISCO

A origem da atividade de notação de risco81 encontra a sua explicação na evolução dos mercados de capitais, em geral, e dos mercados de dívida pública e privada, em particular que, durante vários séculos, existiram sem o contributo desta atividade financeira.

A atividade de análise do risco de crédito começou, certamente, antes do primeiro empréstimo ter sido feito, nos tempos pré-históricos mas as origens das agências de notação de risco remontam apenas ao século XX, mais precisamente a 1909, quando, nos Estados Unidos da América, John Moody publicou um rating manual que continha a análise do risco de crédito de vários valores mobiliários representativos de dívida (obrigações) que haviam sido emitidos por empresas do setor ferroviários norte-

79 Cfr. HUGO MOREDO DOS SANTOS, A Notação de Risco e os Conflitos de Interesses, p. 495,

recordando que o Committee of European Securities Regulators, no Techcnical Advice to the European

Commission on Possible Measures concerning Credit Rating Agencies, p. 20 dispõe de critérios para a

distinção da notação de risco solicitada e não solicitada.

80 Cfr. HUGO MOREDO DOS SANTOS, A Notação de Risco e os Conflitos de Interesses, p. 496. 81 Cfr., para uma análise mais desenvolvida da história da atividade de notação de risco, RICHARD

SYLLA, An Historical Primer on the Business of Credit Rating, in RICHARD M. LEVICH / GIOVANNI MAJNONI / CARMEN M. REINHART, Ratings, Rating Agencies and the Global Financial System, Boston, Kluwer Academic Publishers, 2002, pp 19-40.

americano82 que, em face do seu exponencial crescimento, recorreram à emissão de dívida como alternativa ao crédito bancário para se financiarem.

John Moody haveria de vender o seu rating manual a uma série de investidores interessados na compra das obrigações emitidas e cujo risco de crédito se encontrava analisado, fundando-se, assim, a primeira agência de notação de risco – a Moody’s -, através de um modelo que, na linguagem hodierna, por prestar os serviços diretamente a investidores institucionais, numa base contratual, seria classificado como um modelo

investor-pays.

A criação da Moody’s, em 1909, haveria de impulsionar, decisivamente, o mercado de ratings, porquanto o impulso de John Moody haveria de ser seguido por outros: a Poor’s Publishing Company entraria no mercado da notação de risco em 1916 e a Standard Statistics Company começaria a emitir ratings em 1922 (a Standard Statistics Company e a Poor’s Publishing Company fundiram-se em 1941, formando a atual S&P). Finalmente, a Fitch Publishing Company começaria a sua atividade no âmbito da notação de risco em 1924, sendo que em todos estes casos, os relatórios de notação de risco eram diretamente vendidos, numa fase inicial, aos investidores (investor-pays model)83.

Ora, remontando a primeira agência de rating a inícios do século XX, nos Estados Unidos da América, perguntar-se-á o que terá levado ao surgimento da atividade de notação de risco, sobretudo se pensarmos que os alicerces do mercado de capitais moderno remontam ao século XVII quando, na Holanda, se fundou a Companhia das Índias Orientais (em 1602) e se criou o Banco de Amesterdão (em 1609)84?

82 À época, o mercado financeiro de dívida privada e pública era bastante mais desenvolvido nos Estados

Unidos da América do que nos restantes países – onde as necessidades de financiamento das empresas / Estados eram satisfeitas, tipicamente, por meio de empréstimos bancários – pelo que não é coincidência a origem da notação de risco ter raízes norte-americanas e, sobretudo, no setor ferroviário, cujas empresas se encontravam, à data, em grande expansão e desenvolvimento económico que, naturalmente, traduzia-se em maiores necessidades de financiamento.

83 Cfr. LAWRENCE J. WHITE, Credit Rating Agencies: An Overview, in Annual Review of Financial

Economics, vol. 5, pp. 93-122 (pp. 93 e ss), November 2013, disponível em https://doi.org/10.1146/annurev-financial-110112-120942.

84 Cfr. RICARDO FALCÃO, Da Responsabilidade das Agências de Notação de Risco perante os

Investidores, p. 3, destacando que o Banco de Amesterdão e a Companhia das Índias revolucionaram o

mercado financeiro nacional e internacional no século XVII, reunindo os pilares essenciais de um sistema financeiro moderno: i) um forte crédito público; ii) uma moeda estável; iii) um sistema bancário; iv) um banco central; e v) um mercado de capitais, revelando-se, assim, a Holanda como a maior economia da época. Cfr., para mais referências, STEPHEN QUINN e WILLIAM ROBERDS, The Big Problem of Large

Bills: The Bank of Amsterdam and the Origins of Central Banking, Federal Reserve Bank of Atlanta

Uma das explicações que tem sido apontada para o facto de os mercados terem perdurado tanto tempo sem o recurso à atividade de notação de risco prende-se com a circunstância de os mercados de dívida terem tido por base, nos períodos que antecedem o lançamento da atividade de notação de risco, essencialmente, dívida de origem pública ou soberana. Desta forma, os investidores confiavam na vontade séria e capacidade dos entes públicos e dos Estados para fazerem face aos seus compromissos85.

Contudo, nos Estados Unidos da América, o mercado de dívida soberano / federal era, durante o século XIX, diminuto, porquanto em 1836 a sua dívida soberana havia sido completamente liquidada. No entanto, a construção da rede ferroviária norte-americana exponenciou o crescimento desta indústria que, em face das progressivas necessidades de financiamento, foram forçadas a desenvolver um importante mercado de dívida privada, quer no plano nacional, quer no plano internacional. E, por isso, John Moody, em 1909, iniciou a atividade de notação de risco, respondendo, assim, à procura dos investidores por mais e melhor informação sobre a qualidade desses instrumentos financeiros representativos de dívida86.

Mas só na década de 30 do século XX é que a atividade de notação de risco ficou, definitivamente, consolidada, quando os ratings passaram a ser incorporados, pelas autoridades norte-americanas, na legislação enquanto instrumento de avaliação da qualidade de determinados investimentos87. E, mais tarde, na década de 70, por um lado, com a proliferação do issuer-pays model, passando as agências de notação de risco a cobrar diretamente aos emitentes os seus serviços, e não apenas aos investidores, como vinham fazendo até à data e, por outro lado, com o reconhecimento pelo regulador norte- americano da área dos instrumentos financeiros – a Securities and Exchange Comission

(SEC) – passou a reconhecer determinadas agencies como Nationally Recognized

85 Neste sentido, Cfr. RICARDO FALCÃO, Da Responsabilidade das Agências de Notação de Risco

perante os Investidores, p. 4.

86 Cfr. RICHARD SYLLA, An Historical Primer on the Business of Credit Rating, pp. 4-10, recordando

que, nos Estados Unidos da América, antes do surgimento das agências de notação de risco, os investidores obtinham informação sobre os emitentes e valores mobiliários através de outras realidades, através das

credit reporting agencies - que se dedicavam à venda de informação comercial sobre a credibilidade de

determinados clientes –, através da imprensa financeira especializada ou, ainda, através de bancos de investimento (os bancos de investimento funcionavam como intermediários financeiros que adquiriam e distribuíam os valores mobiliários das empresas ferroviárias, colocando a sua própria reputação em jogo a cada negócio).

87 Cfr. RICARDO FALCÃO, Da Responsabilidade das Agências de Notação de Risco perante os

Investidores, p. 5; TIMOTHY J. SINCLAIR, The New Masters of Capital, 2008, p. 26; e LAWRENCE J.

WHITE, Credit Rating Agencies: An Overview, in Annual Review of Financial Economics, vol. 5, pp. 93- 122.

Statistical Ratings Organizations (NRSROs), contribuindo para a formação do já

invocado oligopólio ente a S&P, a Moody’s e a Fitch, que subsiste até hoje88.

Estavam, desta forma, lançadas as pedras fundadores para uma atividade financeira cuja relevância se manifesta na sua imponência no sistema financeiro mundial, até aos dias de hoje: estas entidades, desde a sua génese, fundam a sua importância na resposta à necessidade do mercado de informações sobre o risco de crédito que sejam independentes. E, por isso, hoje concluímos que, sem estas entidades, seria impensável o crescimento que se tem verificados nos mercados financeiros internacionais, ao longo dos últimos tempos89, devido à constante disponibilização de indicadores claros e internacionalmente aceites, que permitem aos investidores uma mais simples compreensão de uma vasta panóplia de informações tecnicamente bastante elaboradas (função transformadora de informação, redutora das assimetrias de informação).

Por isso, a razão pela qual a notação de risco foi, em 1909, inovadora e particularmente bem-sucedida é a mesma razão pela qual esta atividade financeira permanece relevante, ainda nos dias de hoje: a incessante procura dos investidores por uma opinião confiável sobre a qualidade de crédito dos investimentos que pretendem realizar, no âmbito do importante mercado de dívida privada ou pública que se assume, ainda nos dias de hoje, como uma relevante alternativa ao financiamento através de capitais próprios ou através do recurso ao empréstimo bancário90.

88 Note-se que, nos 25 anos que se seguiram à criação da figura das NRSROs, a SEC apenas certificou mais

quatro agências de rating, para além das Big Three: Duff & Phelps, em 1982; McCarthy, Crisant & Maffei, em 1983; IBCA, em 1991; e Thomson BankWatch, em 1992.

89 Assim, SIEGFRIED UTZIG, The Financial Crisis and the Regulation of Credit Rating Agencies: A

European Banking Perspective, Asian Development Bank Institute (ADBI Working Paper), Working Paper

no. 188, Janeiro 2010, pp. 1 e ss.

90 Conforme já tivemos oportunidade de destacar, e seguindo de perto as palavras de ANA PERESTRELO

DE OLIVEIRA, Manual de Corporate Finance, pp. 142 e ss, a emissão de obrigações constitui uma importante fonte de financiamento para as empresas (sobretudo de maior dimensão), devido às suas conhecidas vantagens, particularmente visíveis em contextos de crise de crédito, onde o mercado de dívida assume maior importância e, por conseguinte, a atividade de notação de risco assume contornos ainda mais relevantes. Desta forma, o recurso à emissão de obrigações é, por um lado, geralmente mais barata e envolve menos riscos do que o financiamento através de capitais próprios (designadamente, neste último caso, os investidores exigem maiores compensações pelos riscos acrescidos assumidos, em virtude da incerteza quanto à existência de lucros). Por outro lado, o recurso à emissão de ações constituir uma forma segura, estável e flexível de obter recursos, permitindo adaptar as características dos empréstimos às necessidades concretas da empresa emitente. Adicionalmente, a emissão de ações reduz custos através da “desintermediação”, permitindo o financiamento direto junto dos investidores, sem recurso a uma third

party, nomeadamente a um intermediário financeiro. E, por fim, a emissão de ações reduz a dependência

do financiamento bancário: sobretudo a partir de 2009, as empresas europeias começaram a reduzir o recurso à banca, substituindo-o pela emissão de instrumentos de dívida. Já do ponto de vista dos investidores, as obrigações permitem uma diversificação do investimento realizado, oferecendo retornos relativamente seguros e potencialmente mais elevados do que os juros dos depósitos bancários e com maior

Que função desempenham, então, no atual mercado de capitais, os relatórios de notação de risco emitidos pelas agências de rating sobre o risco de crédito associado a determinada entidade ou instrumentos financeiros?