• Nenhum resultado encontrado

B REVE ALUSÃO À QUESTÃO PARTICULAR DA DÍVIDA SOBERANA

DIREITO À EMPRESA E O D IREITO À H ONRA

2.3 B REVE ALUSÃO À QUESTÃO PARTICULAR DA DÍVIDA SOBERANA

Há, porém, uma situação que merece um destaque especial, que diz respeito à notação das dívidas soberanas e aos danos reputacionais sofridos pelos Estados devido a

ratings incorretos. Nestes casos, a extensão dos potencias efeitos do rating inexato alarga-

se também a populações e a espaços políticos inteiros, representando particulares perigos sistémicos de contágio271.

269 Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20.11.2008, processo n.º 8676/2008-6, rel. Pereira

Rodrigues, disponível em www.dgsi.pt.

270 Vide, com mais desenvolvimentos, CARNEIRO DA FRADA, Danos Societários e Governação de

Sociedades (corporate governance), in Cadernos de Direito Privado, n.º 2, dezembro de 2012.

271 Aliás, por isto mesmo, o Considerando 44 do Regulamento 462/2013 refere que “tendo em conta as

especificidades da notação da dívida soberana, e para evitar o risco de contágio entre Estados- Membros, as declarações que anunciem a revisão de um dado grupo de países deverão ser proibidas caso não sejam acompanhadas de relatórios individuais por país. Além disso, a fim de reforçar a validade e a acessibilidade das fontes de informação utilizadas pelas agências de notação de risco em comunicações públicas sobre eventuais alterações de notações soberanas que não sejam notações de risco, perspetivas de notação ou os

Aliás, o já referido Regulamento 462/2013 alerta, no seu Considerando 39, que “a fim de facilitar a emissão de notações de risco relativas a entidades ou instrumentos de divida soberanos atualizadas e credíveis e a sua compreensão por parte dos utilizadores, é importante que tais notações sejam periodicamente revistas. É igualmente importante aumentar a transparência dos trabalhos de investigação efetuados, da atividade do pessoal afetado à elaboração de notações soberanas e dos pressupostos subjacentes às notações de risco emitidas pelas agências de notação relativamente à dívida soberana”.

A questão coloca-se porque, ao procurarem financiamento nos mercados de capitais internacionais, os Estados intervêm na qualidade de sujeitos de direito privado, num mundo global. Mas, naturalmente, tal não significa que atuem sempre despojados da sua veste de soberania e, por isso, o direito comunitário reforça os deveres impostos às agências de notação de risco quando, em causa, estiver a análise do risco de crédito de um determinado Estado, isto é, a análise da sua capacidade de cumprir as obrigações assumidas272.

Por isso, pergunta-se: tratando-se de um Estado Soberano poderá reconhecer-se a autonomia de tais prejuízos reputacionais, relativamente às consequências económicas desfavoráveis a uma certa coletividade (população do Estado)? Repare-se que um rating ofensivamente inexato pode, a título meramente exemplificativo, gerar crises económicas, dificuldade o acesso do Estado a financiamentos, gerar crises políticas, lançar um sentimento de ingovernabilidade na população e suscitar problemas de regeneração, independência e autonomia de um Estado.

Não duvidamos de que a reparação de tais danos, enquanto prejuízos não patrimoniais, poderá ser de aceitar, nos termos até aqui descritos: com efeito, é certo que o Estado não pode, enquanto tal, sofrer prejuízos reputacionais (derivados de um rating afrontosamente inexato) distintos dos do conjunto dos seus cidadãos; mas o Estado corporiza e representa institucionalmente os interesses e os direitos coletivos dos seus

comunicados de imprensa que as acompanham, essas comunicações deverão sempre basear-se em informações da esfera da entidade objeto da notação e sejam divulgadas com o consentimento desta, a menos que se encontrem disponíveis em fontes geralmente acessíveis. Caso resulte do enquadramento legal que rege a entidade objeto de notação que esta não deve divulgar tal informação, como no caso da informação privilegiada na aceção do artigo 1.º, ponto 1, da Diretiva 2003/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2003, relativa ao abuso de informação privilegiada e à manipulação de mercado (abuso de mercado), a entidade objeto da notação não pode dar o seu consentimento”.

272 Note-se que crises de dívida soberana podem ser desencadeadas por expetativas de incumprimento

cidadãos, podendo, por isso, reagir em nome e por todos eles, sempre que tal se justifique273.

Na verdade, à semelhança das demais pessoas coletivas, apenas na medida em que sejas portadoras de interesses não patrimoniais274, têm os Estados legitimidade para defender os interesses coletivos não patrimoniais dos seus cidadãos.

Aliás, cremos que poderão, no limite, os próprios cidadãos de um país ultrapassar a inação de um Governo e, fazendo uso da ação popular, obterem a reparação dos prejuízos causados ao Estado Soberano por uma notação de risco incorreta275.

273 Cfr. CARNEIRO DA FRADA, A Responsabilidade Civil das Agências de Notação de Risco (Rating),

p. 36.

274 Em virtude, designadamente, dos seus fins não económicos. Mas, conforme já deixamos claro, e sem

querermos tomar posição na problemática da existência, ou não, de interesses não-parimoniais nas pessoas coletivas, diremos que este tipo de interesses serão, naturalmente, mais facilmente vislumbráveis em pessoas singulares.

275 Conforme adverte CARNEIRO DA FRADA, A Responsabilidade Civil das Agências de Notação de

Risco (Rating), p. 36, este tipo de ação cível constituíra, no espaço internacional, certamente uma novidade

mas progressivamente justificável no contexto da crescente mundialização das relações humanas. O autor sublinha, ainda, que seria algo novo, também, a existência de uma ação popular destinada a restaurar o direito à verdade violado, que vinculasse as agências de rating a uma retificação da notação de risco incorretamente emitida. Para mais desenvolvimentos, cfr. CARNEIRO DA FRADA, Relativismo, Valores,

Direito, in Revista da Ordem dos Advogados (ROA), Lisboa, Ano 68, n.º 2/3, Set.-Dez. de 2008, pp. 651-

CAPÍTULO II

ARESPONSABILIDADE CIVIL DAS AGÊNCIAS DE NOTAÇÃO DE RISCO