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Do ônus da prova na ação autônoma

No documento Estabilização da tutela antecipada (páginas 104-108)

4. DO PROCEDIMENTO DA ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA

4.11 DA AÇÃO AUTÔNOMA PARA REVISÃO DA ESTABILIZAÇÃO DA

4.11.1 Do ônus da prova na ação autônoma

Importante debate que deve ser feito a propósito da estabilização da tutela antecipada é a respeito da distribuição estática do ônus da prova no que concerne a uma eventual e futura demanda que tenha por objeto a revisão da tutela sumária deferida.

Explica-se: o CPC define, de maneira prévia e abstrata, a quem incumbe o ônus da prova dos fatos controvertidos. Diz o Código, no seu art. 373, incisos I e II, que ao autor incumbe provar o fato constitutivo do seu direito e ao réu cabe provar os fatos

148 MITIDIERO, Daniel. Art. 304. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. WAMBIER,

Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (coord.). São Paulo: RT, 2015, p. 791. Em sentido semelhante: NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 864.

149 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da

Silva; MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. São Paulo: RT, p. 514.

impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor. Estabilizada a tutela antecipada, o que acontecerá se o réu propuser demanda contra o autor para rever a decisão estável?

A pergunta é bastante pertinente porque, nesse caso, o réu da demanda originária será autor da segunda ação e, pela letra fria da lei, deveria ele arcar com o ônus da prova dos fatos constitutivos do seu direito, fatos estes que, em essência, são os mesmos que foram objeto de discussão na demanda primeva, e que, naquela ocasião, eram tidos como fatos constitutivos do direito do autor desta demanda (a primeira), que passou a ser réu na segunda ação.

Logo, a vingar esta interpretação, na ação em que haverá cognição exauriente do seu objeto – justamente nela, que será a ação em que será formada coisa julgada –, o ônus da prova sobre os fatos constitutivos do direito do autor da ação originária acabará recaindo sobre o réu dessa primeira demanda, já que este será o autor da ação de revisão e, ao fim e ao cabo, os fatos controvertidos serão os mesmos em ambas as demandas.

Essa solução não é justa, pois, na prática, nos casos em que ocorrer a estabilização da tutela antecipada, atribuir-se-á ao réu o ônus da prova sobre os fatos constitutivos do direito do autor, quando o razoável seria, em regra150, que aquele que se

alega possuidor de um direito tenha o encargo de efetuar prova a esse respeito.

É bem verdade que a ação poderá ser ajuizada por qualquer das partes, não somente pelo réu. Todavia, os comentários feitos acima são motivados pelo fato de que, havendo estabilização – que atribui um bem da vida ao autor, ainda que em caráter precário, modificável –, no mais das vezes, quando houver algum interessado na revisão da decisão, este será mesmo o réu, que foi o sujeito que sofreu o gravame decorrente da tutela antecipada.

Há quem entenda que deve ser observada irrestritamente a regra geral do CPC, de sorte que aquele que propuser a ação visando à revisão da tutela sumária, seja ele autor ou réu do procedimento antecedente, suportará o ônus probatório151.

150 Casos há, e não são poucos, em que a solução mais justa é exatamente a chamada inversão do ônus da

prova, de sorte que passaria a ser do réu o ônus de provar a inexistência do fato constitutivo do direito do autor. Por isso, o CPC-2015 acolheu expressamente, ao lado da regra geral (art. 373, I e II), uma outra regra que consagra a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova (ou teoria das cargas probatórias dinâmicas), que permite ao magistrado distribuir o referido ônus de maneira diversa daquela previamente estabelecida pelo código (art. 373, § 1º).

151 REDONDO, Bruno Garcia. “Estabilização, modificação e negociação da tutela de urgência antecipada

antecedente: principais controvérsias”. In: DIDIER JR., Fredie; PEREIRA, Mateus; GOUVEIA, Roberto; COSTA, Eduardo José da Fonseca (coord.). Grandes temas do novo CPC, v. 6: tutela provisória. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 293.

Eduardo da Fonseca, a propósito, aduz que “se a segunda ação for proposta pelo réu da primeira, ele agora será autor e, por isso, terá o ônus de provar o fato constitutivo da sua pretensão (art. 373, I)”152.

Em virtude do que exposto acima, não se pode concordar com estes últimos posicionamentos, sendo de se atribuir o ônus da prova, em qualquer caso, ao autor da ação que deu ensejo à estabilização.

É evidente que o juiz pode inverter o ônus da prova com base na teoria das cargas probatórias dinâmicas como forma de contornar a injustiça de se atribuir ao réu da primeira demanda o encargo probatório, mas esta seria uma solução meramente eventual – e que dependeria, em certa medida, da discricionariedade judicial –, de forma que é preciso estabelecer como regra a inalterabilidade dos encargos probatórios em caso de estabilização da tutela antecipada.

Quer isto dizer que, estabilizada a tutela antecipada e partindo do réu a iniciativa de provocar uma segunda demanda para revê-la, ainda assim o ônus da prova sobre os fatos da causa pesará sobre os ombros do autor da ação originária (réu na demanda de revisão).

Nesse sentido é a opinião de Daniel Mitidiero, que afirma que “a prova do fato constitutivo do direito permanece sendo do autor da ação antecedente – agora réu na ação exauriente” 153. Ao réu da ação antecedente incumbirá a prova de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito afirmado pelo autor.

Note-se que a ação autônoma é, do ponto de vista material, uma continuação da primeira demanda, na qual ocorreu a estabilização da tutela antecipada. Uma das partes mudou de ideia a respeito da aceitação da tutela provisória e resolveu continuar a discussão a respeito da matéria. Embora formalmente haja dois procedimentos distintos, materialmente tem-se uma mesma causa, uma mesma discussão que havia sido iniciada

152 COSTA, Eduardo José da Fonseca. Art. 304. Comentários ao Código de Processo Civil. STRECK,

Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo (orgs.). São Paulo: Saraiva, 2016, p. 432.

153 MITIDIERO, Daniel. Art. 304. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. WAMBIER,

Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (coord.). São Paulo: RT, 2015, p. 789. Também nesse sentido: ANDRADE, Érico; NUNES, Dierle. Os contornos da estabilização da tutela provisória de urgência antecipatória no novo CPC e o “mistério” da ausência de formação da coisa julgada. Disponível em

https://www.academia.edu/12103602/%C3%89rico_Andrade_e_Dierle_Nunes_-

_Os_contornos_da_estabiliza%C3%A7%C3%A3o_da_tutela_provis%C3%B3ria_de_urg%C3%AAncia_ antecipat%C3%B3ria_no_novo_CPC_e_o_mist%C3%A9rio_da_aus%C3%AAncia_de_forma%C3%A7 %C3%A3o_da_coisa_julgada. Acesso em 17/08/2016; MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: RT, 2015, p. 317; CIANCI, Mirna. A estabilização da tutela antecipada como forma de desaceleração do processo (uma análise crítica). Revista de Processo, vol. 247, ano 40. São Paulo: RT, set/2015, p. 257.

antes, foi interrompida e, após, teve a sua tramitação retomada, desta feita sob cognição profunda.

Embora o réu da demanda originária figure formalmente como autor da segunda ação, na prática é como se continuasse materialmente na condição de réu, já que a discussão é essencialmente a mesma, tendo mudado apenas as posições processuais das partes.

Ademais, se na ação de seguimento o ônus continua com o autor da demanda originária, não há razão para defender solução diversa no que concerne à ação autônoma.

Portanto, considerados os dois processos como um só, o verdadeiro réu é aquele que figurou nessa condição na ação originária, ainda que se apresente como autor na demanda de revisão, e não se afigura justo que ele arque com o ônus da prova dos fatos que interessam à causa.

Assim, como simples prosseguimento da ação antecedente, o ajuizamento da ação exauriente não ocasiona a inversão do ônus da prova, de forma que caberá ao autor da ação antecedente a prova do fato constitutivo do direito154.

Humberto Theodoro Júnior tem opinião nesse mesmo sentido155.

Mirna Cianci, do mesmo modo, entende que nada é alterado se comparado com a distribuição dos encargos probatórios na ação original em que proferida a decisão que se tornou estável. Noutros termos, na visão da autora, o autor da primeira demanda, ainda que réu na ação autônoma de revisão da estabilização, continuará tendo o encargo de provar o fato constitutivo do direito antecipado, ao passo que o réu da demanda originária também terá os mesmos ônus que suportou na ação inicial, ou seja, deverá demonstrar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do beneficiário da tutela antecipada156.

A conclusão mais acertada é exatamente esta: apesar de as partes processuais ocuparem polos diferentes na segunda demanda157, o ônus probatório permanece

154 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de

Processo Civil comentado. São Paulo: RT, 2015, p. 317.

155 THEODORO JÚNIOR, Humberto; ANDRADE, Érico. A autonomização e a estabilização da tutela

de urgência no projeto de CPC. Revista de Processo, vol. 206, ano 37. São Paulo: RT, abril/2012, p. 32.

156 CIANCI, Mirna. A estabilização da tutela antecipada como forma de desaceleração do processo (uma

análise crítica). Revista de Processo, vol. 247, ano 40. São Paulo: RT, set/2015, p. 257.

157 Não se está tratando aqui da hipótese em que o próprio autor da demanda inicial tem a iniciativa de

propor a ação de revisão, o que é expressamente previsto pelo código. Nesse caso, não haverá maiores dificuldades, já que, havendo o mesmo autor em ambas as demandas, o CPC já lhe impõe expressamente o ônus probatório.

inalterado, é dizer, os encargos probatórios aderem às partes com a forma e os contornos que lhe são atribuídos na demanda primitiva.

Podemos falar, portanto, que há uma regra da inalterabilidade dos encargos

probatórios aplicável aos casos em que há estabilização da tutela antecipada, regra esta

que determina, como visto, a imutabilidade das incumbências probatórias das partes disciplinadas na ação originária. Os encargos que cada um dos sujeitos processuais possuía na tutela antecipada antecedente não sofrerão alteração numa eventual ação que vise a rever a tutela estabilizada.

Note-se que essa conclusão é bastante lógica, já que, se o réu, ao tempo em que foi intimado da decisão que defere a tutela antecipada antecedente, houvesse dela recorrido, a ação teria seguindo adiante e se tornado uma demanda de cognição exauriente – exatamente igual à ação autônoma de revisão – e, nesse caso, seria induvidoso que o ônus da prova continuaria sendo do autor (quanto aos fatos constitutivos do seu direito).

É preciso frisar, uma vez mais, que ação de seguimento e ação autônoma de revisão têm a mesma natureza: a de ação de cognição exauriente que tem por objeto o acertamento definitivo e conclusivo do direito material que fundamentou a concessão da tutela provisória.

Se são duas ações essencialmente iguais, diferenciando-se apenas quanto ao modo de deflagração, não há razão para dar-lhes tratamento diferente no que concerne à distribuição dos encargos probatórios.

Ademais, solução diferente da aqui proposta seria um fortíssimo desestímulo à estabilização da tutela antecipada, pois o réu, com receio de, em demanda futura, vir a ter que arcar com o ônus da prova dos fatos controvertidos, sentir-se-á estimulado a impugnar a decisão que defere a tutela antecipada – já que, neste caso, é incontroverso que o ônus continuará sendo do autor –, frustrando o propósito que animou a criação do novo instituto, que foi justamente promover a efetividade e a celeridade processuais.

4.12 CRÍTICA À ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA: SUPOSTA

No documento Estabilização da tutela antecipada (páginas 104-108)