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TUTELA PROVISÓRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA

No documento Estabilização da tutela antecipada (páginas 39-44)

2. TUTELAPROVISÓRIA

2.6 TUTELA PROVISÓRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA

Questão que há décadas vem provocando dissenso doutrinário e jurisprudencial diz respeito ao deferimento de tutela provisória contra a Fazenda Pública, especialmente no que concerne às hipóteses em que se autoriza esse deferimento. Atualmente não se discute tanto a possibilidade dogmática de se antecipar a tutela contra a Fazenda Pública, pois há um razoável consenso de que é possível fazê-lo; discutem-se as situações que autorizam esse deferimento.

A controvérsia decorre do fato de ser o Estado, quando em juízo, uma parte processual a quem se devem reconhecer certas deferências, certas prerrogativas diferenciadas, especialmente em virtude do fato de ser ele o portador do interesse público e o defensor, em numerosas situações, de direitos indisponíveis.

Por conta dessas particularidades, o regime jurídico da Fazenda Pública em juízo não é exatamente igual ao dos particulares; são-lhe aplicáveis certas regras peculiares que visam exatamente a dar-lhe tratamento compatível com sua condição diferenciada.

Há quem entenda que as prerrogativas processuais dos entes públicos, da forma como são concedidas, não são justificáveis, e têm como efeito uma verdadeira disparidade de armas entre os litigantes53.

As regras diferenciadas aplicáveis em favor da Fazenda Pública constituem prerrogativas legítimas e necessárias ao bom desempenho do mister constitucionalmente

52 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. “Estabilização da tutela antecipada”. In: COSTA, Hélio Rubens

Batista Ribeiro; RIBEIRO, José Horácio Halfeld Rezende; DINAMARCO, Pedro da Silva (coord.). Linhas mestras do processo civil – Comemoração dos 30 anos de vigência do CPC. São Paulo: Atlas, 2004, p. 378.

atribuído à advocacia pública, que é a defesa do patrimônio público e dos interesses maiores da coletividade.

Justamente por atuar em juízo para proteção do interesse público, é de interesse da coletividade que essa tarefa seja exercida da melhor e mais ampla maneira possível, evitando condenações desarrazoadas e prejuízos de elevada monta ao erário, o que comprometeria a realização de políticas públicas e a prestação de serviços públicos54.

De uma forma ou de outra, fato é que hoje já não há mais dúvida a respeito da possibilidade de concessão de tutela provisória contra a Fazenda Pública. Ainda que com mitigações, a conclusão de que é juridicamente possível o deferimento de tutela provisória contra os entes públicos é admitida com razoável tranquilidade.

2.6.1 Limitações à tutela antecipada contra a Fazenda Pública

Ainda que não haja dúvidas a respeito da possibilidade de deferimento de tutela antecipada contra o poder público, é importante registrar que o legislador tem restringido essa possibilidade levando em consideração a sua já referida condição de litigante diferenciado.

A Lei nº 12.016/2009, nesse sentido, em seu art. 7º, § 2º, assim dispõe:

Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.

Constam do referido dispositivo vedações já previstas nas revogadas Leis nº 4.348/1964 e 5.021/1966, e também outras, como a vedação de compensação de créditos tributários e de entrega de bens e mercadorias provenientes do exterior.

Ademais, a Lei nº 8.437/1992, estabelece as seguintes proibições: a) não será cabível “medida liminar contra atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança” (art. 1º,

caput); b) não será cabível, “no juízo de primeiro grau, medida cautelar inominada ou a

sua liminar, quando impugnado ato de autoridade sujeita, na via de mandado de

segurança, à competência originária de tribunal” (art. 1º, § 1º); c) não será cabível “medida liminar que esgote, no todo ou em qualquer parte, o objeto da ação” (art. 1º, § 3º); d) não será cabível “medida liminar que defira compensação de créditos tributários ou previdenciários” (art. 1º, § 5º).

Também a Lei nº 9.494/97 traz disposições limitadoras da possibilidade de deferimento de medidas provisórias contra o poder público. Referido diploma legislativo, em seu art. 1º, estendeu todas as disposições que restringiam a possibilidade de deferimento de decisões provisórias contra a Fazenda Pública em mandado de segurança e em ação cautelar para a tutela antecipada genérica prevista no Código de Processo Civil de 1973, vigente à época de sua edição.

É importante ressaltar que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a constitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.494/97 quando do julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) nº 455, julgada em 1º de outubro de 2008.

Além disso, o art. 2º-B da mesma Lei nº 9.494/97 traz a seguinte disposição:

Art. 2º-B. A sentença que tenha por objeto a liberação de recurso, inclusão em folha de pagamento, reclassificação, equiparação, concessão de aumento ou extensão de vantagens a servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive de suas autarquias e fundações, somente poderá ser executada após seu trânsito em julgado.

Há, portanto, uma expressa e genérica vedação à possibilidade de execução provisória contra a Fazenda Pública quando se tratar de sentenças que determinem a liberação de recursos, inclusão em folha de pagamento, reclassificação, equiparação, concessão ou extensão de vantagens em benefício de servidores públicos de todos os

55 Ementa: Ação Declaratória de Constitucionalidade – Processo objetivo de controle normativo abstrato

– Natureza dúplice desse instrumento de fiscalização concentrada de constitucionalidade – possibilidade jurídico-processual de concessão de medida cautelar em sede de Ação Declaratória de Constitucionalidade – Inerência do poder geral de cautela em relação à atividade jurisdicional – Caráter instrumental do provimento cautelar cuja função básica consiste em conferir utilidade e assegurar efetividade ao julgamento final a ser ulteriormente proferido no processo de controle normativo abstrato – Importância do controle jurisdicional da razoabilidade das leis restritivas do poder cautelar deferido aos juízes e tribunais – Inocorrência de qualquer ofensa, por parte da Lei nº 9.494/97 (art. 1º), aos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade – Legitimidade das restrições estabelecidas em referida norma legal e justificadas por razões de interesse público – Ausência de vulneração à plenitude da jurisdição e à cláusula de proteção judicial efetiva – Garantia de pleno acesso à jurisdição do Estado não comprometida pela cláusula restritiva inscrita no preceito legal disciplinador da tutela antecipatória em processos contra a Fazenda Pública – Outorga de definitividade ao provimento cautelar que se deferiu, liminarmente, na presente causa – Ação Declaratória de Constitucionalidade julgada procedente para confirmar, com efeito vinculante e eficácia geral e “ex tunc”, a inteira validade jurídico-constitucional do art. 1º da Lei 9.494, de 10/09/1997, que “disciplina a aplicação da tutela antecipada contra a Fazenda Pública”.

entes federativos, incluídas suas autarquias e fundações. Nesses casos, a execução só poderá ocorrer após o trânsito em julgado.

Ademais, há uma importante limitação constitucional à possibilidade de deferimento de antecipação de tutela para determinar pagamento de prestações pecuniárias, ou seja, relativas a obrigação de dar dinheiro – excluídas aqui, portanto, as obrigações de fazer, não fazer e dar coisa diferente de dinheiro. Tal limitação é estabelecida pelo art. 100, § 5º, da Constituição Federal56.

A Constituição exige trânsito em julgado da sentença para que seja expedido o precatório que materializa a dívida. Sem o precatório, cuja expedição, repita-se, dar-se-á após o trânsito em julgado, não haverá pagamento da dívida que se imputa ao ente público.

Em determinadas situações em que a limitação à concessão de tutela provisória se mostre desarrazoada – especialmente por violar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade –, o magistrado possa afastar episodicamente a norma limitadora e deferir a tutela de urgência contra o ente público.

Nesse sentido, Eduardo Talamini entende que cabe ao juiz verificar, no caso concreto, se é razoável a proibição de concessão da tutela provisória, tendo o dever de declarar incidentalmente a inconstitucionalidade da restrição se esta for desproporcional57.

Edilton Meireles apresenta entendimento interessante a respeito da questão: nos casos em que as obrigações assumidas pelo Estado já têm previsão orçamentária, é desnecessária a prolação de decisão judicial para determinar a inclusão no orçamento. O precatório serviria, nesses casos, apenas como uma ordem de pagamento a ser cumprida no próprio exercício fiscal, e não como um ato judicial que determina a inclusão de verba no orçamento do exercício seguinte para satisfação do crédito executado58.

Segundo o entendimento do referido autor, portanto, o precatório não seria dispensável, ostentando apenas finalidade diferente – ordem de pagamento para ser

56 Art. 100. (...)

§ 5º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.

57 TALAMINI, Eduardo. Tutela de urgência e Fazenda Pública. Revista de Processo, vol. 152, ano 32.

São Paulo: RT, outubro/2007, p. 53.

58 MEIRELES, Edilton. Da execução por precatório das obrigações previstas em lei orçamentária.

cumprida no mesmo exercício –, tornando mais célere a satisfação do crédito exequendo.

De todo modo, tem-se que a Carta da República exige a formação de coisa julgada material para que seja expedido o precatório e, então, cumprida a obrigação de pagar.

É bem verdade que o texto constitucional não fala expressamente em coisa julgada, mas sim em trânsito em julgado. No contexto em que utilizada a expressão, entretanto, é mais razoável reconhecer a própria existência de coisa julgada como condição para a expedição de precatório. O legislador usou a expressão “trânsito em julgado” de forma atécnica, querendo significar, em verdade, coisa julgada material. Esse é o sentido, inclusive, da análise teleológica da norma, pois prestigia a finalidade de permitir ampla previsibilidade dos desembolsos do poder público, garantindo-lhe segurança jurídica, pois não haveria reserva de recursos para pagamento antes da certeza da condenação judicial.

Portanto, se é exigida formação da coisa julgada para que a Fazenda Pública seja compelida ao pagamento, evidentemente não pode haver antecipação de tutela com essa finalidade. O efetivo pagamento de dinheiro não prescinde da própria coisa julgada material.

Já no que se refere às obrigações de fazer, não fazer e dar coisa distinta de dinheiro, não se aplicam as restrições acima mencionadas atinentes à obrigação tendo por objeto prestação pecuniária (obrigação de dar dinheiro), uma vez que, nesses casos, simplesmente não há precatório.

Logo, é possível o deferimento de tutela antecipada contra o poder público para cumprimento imediato de obrigações de fazer, não fazer e dar coisa distinta de dinheiro.

No documento Estabilização da tutela antecipada (páginas 39-44)