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PRECEDENTES HISTÓRICOS DA ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA

No documento Estabilização da tutela antecipada (páginas 47-50)

3. ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA

3.2 PRECEDENTES HISTÓRICOS DA ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA

Muito embora a estabilização da tutela antecipada seja uma novidade do CPC- 2015, é possível identificar, no direito brasileiro, certos institutos que, historicamente, com ela possuíam alguns pontos de interseção.

Tal é o caso das ações cominatórias – que constavam do CPC-1939 –, que possibilitavam a emissão de uma ordem (ou preceito) pelo juiz, à vista de requerimento do autor da ação e sem a prévia oitiva do réu, fixando a este último prazo para cumprimento da obrigação ou oferecimento de defesa, de forma que, não havendo cumprimento da ordem ou apresentação de defesa, o mandado seria confirmado por sentença69. Uma característica marcante do procedimento cominatório é justamente a cominação, a ameaça de sanção em caso de não cumprimento do mandado; o réu é intimado para cumprir o mandado sob pena de lhe ser imposta sanção imposta no contrato ou simplesmente requerida pelo autor70.

Outro instituto que pode ser visto como um precedente histórico da estabilização é a ação monitória, inserida no CPC-1973 por meio da Lei nº 9.079/1995, que incluiu no Código os arts. 1.102-A a 1.102-C.

O autor que tivesse prova escrita sem eficácia de título executivo poderia valer- se da ação monitória para a satisfação do seu crédito. A ação ora examinada poderia ser

68 MACEDO, Elaine Harzheim. Prestação jurisdicional em sede de tutela antecedente: procedimento,

estabilização da decisão e decurso do prazo de 2 (dois) anos: um novo caso de perempção? Revista de Processo, vol. 250, ano 40. São Paulo: RT, dez/2015, p. 193.

69 SANTOS, Moacyr Amaral. Ações cominatórias no direito brasileiro. São Paulo: Max Limonad, 1969,

p. 167.

70 SANTOS, Moacyr Amaral. Ações cominatórias no direito brasileiro. São Paulo: Max Limonad, 1969,

utilizada para cumprimento de obrigações de dar dinheiro, coisa fungível ou coisa móvel determinada71.

O juiz, à vista da petição inicial, deferiria mandado para pagamento ou entrega de coisa. O réu poderia oferecer embargos ao mandado em 15 dias, caso em que seria inaugurado o procedimento ordinário. Se cumprisse o mandado, o réu ficaria isento de custas e honorários. Não cumprindo o mandado e não oferecendo embargos, constituir- se-ia, de pleno direito, título executivo judicial.

A ação monitória continua presente no ordenamento jurídico brasileiro, respeitando o regime jurídico que lhe atribuíram os arts. 700 a 702 do CPC atual.

Note-se que ambas as ações acima referidas – a cominatória e a monitória –, à semelhança da atual estabilização da tutela antecipada, ofereciam ao autor a possibilidade de, mediante a utilização de cognição sumária, obter a rápida formação de título executivo para instrumentalizar a satisfação do seu direito de crédito.

Eduardo Yoshikawa, por seu turno, aduz que uma parte das chamadas medidas provisionais dos arts. 888 e 889 do CPC-1973 constituíam medidas sumárias que regulavam definitivamente a relação jurídica controvertida, ou, em suas próprias palavras, eram “modalidade de tutela satisfativa definitiva, fundada em cognição sumária”, concedidas independentemente da propositura de uma ação principal72. As

medidas provisionais que ostentariam essa característica no regime do revogado CPC seriam a entrega de bens de uso pessoal, a educação dos filhos e a interdição ou demolição de prédio.

Ovídio Baptista, a propósito do assunto, aduz que o termo “provisional”, da forma como consta das “outras medidas provisionais” do art. 888 do CPC revogado, mais se liga a “provisão” (ato ou efeito de prover) do que a “provisoriedade”, e que, no referido dispositivo legal, o legislador reuniu pretensões heterogêneas, “dentre as quais com dificuldade se descobre alguma medida realmente cautelar, além de serem várias delas de cunho visivelmente definitivo”73. Ressalte-se, a título de exemplo e em reforço a essa conclusão, que o referido autor afirma que as medidas do art. 888, incisos II

71 Com a chegada do CPC-2015, passou a ser possível utilizar a ação monitória para cumprimento de

obrigação de fazer e não fazer (art. 700, III, CPC).

72 YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de Oliveira. Tutela de urgência definitiva? Medidas

autossatisfativas (Argentina), medidas provisionais (Brasil) e a proposta de estabilização da antecipação de tutela. Revista de Processo, vol. 231, ano 39. São Paulo: RT, maio/2014, p. 132.

(entrega de bens de uso pessoal do cônjuge e dos filhos) e VIII (interdição ou demolição de prédio), do CPC-1973, são definitivas74.

Sugere-se, portanto, a existência, no regime do CPC-1973, de institutos que, ainda que de forma tímida, já funcionavam como precursores da nova figura da estabilização da tutela antecipada, pois, tal como esta última, autorizavam a prolação de decisões fundadas em cognição sumária da demanda e que resolviam a questão controvertida sem limitação temporal, não demandando, ainda, a continuidade do processo para a realização de cognição exauriente, tampouco o ajuizamento de outra ação.

De todo modo, as citadas medidas do art. 888 do antigo Código75 eram de utilização restrita, aplicáveis apenas àqueles casos específicos previstos expressamente nos dispositivos legais que os acolhiam, não sendo equiparáveis, portanto, à estabilização da tutela antecipada, que não encontra limitações temáticas, sendo, assim, de aplicação muito mais ampla.

3.2.1 Anteriores tentativas de introdução da estabilização da tutela antecipada no Brasil

A primeira iniciativa de introduzir o instituto da estabilização da tutela antecipada no nosso ordenamento foi verificada em 1997, por iniciativa de Ada Pellegrini Grinover.

A proposta previa que a falta de impugnação da decisão que defere integralmente a tutela antecipada faria a decisão converter-se em sentença de mérito, apta a formar coisa julgada material, em clara aplicação da técnica monitória, estando o réu dispensado do pagamento de custas e honorários76.

Tal iniciativa não vingou.

Em 2005, houve nova tentativa de inserção da estabilização da tutela antecipada no Brasil, desta feita com a formação de grupo de trabalho composto por diversos processualistas, que apresentaram uma proposta de modificação do CPC então vigente: o Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 186/2005. Essa proposta também adotava a

74 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Do processo cautelar. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 585-600. 75 As medidas provisionais do art. 888 do CPC-1973 não encontram correspondência no atual Código. 76 YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de Oliveira. Tutela de urgência definitiva? Medidas

autossatisfativas (Argentina), medidas provisionais (Brasil) e a proposta de estabilização da antecipação de tutela. Revista de Processo, vol. 231, ano 39. São Paulo: RT, maio/2014, p. 136.

solução da formação da coisa julgada material caso não impugnada a decisão antecipatória. Também não foi exitosa essa iniciativa77.

Horival Marques informa que a proposta de alteração legislativa acima mencionada caminhava no sentido de mitigar a instrumentalidade das medidas de urgência, mas a possibilidade de formação de coisa julgada a respeito da decisão antecipatória tornava a proposta brasileira distinta das figuras existentes nos direitos francês e italiano, pois, nestes dois casos, há estabilização sem coisa julgada78. Ademais, seria inconveniente essa previsão de coisa julgada, pois os juízes ficariam mais receosos de conceder uma medida sumária que poderia tornar-se imutável, evitando, assim, o deferimento da tutela antecipada e, por conseguinte, retirando parte da utilidade do instituto79.

O PLS nº 186/2005 foi arquivado sem apreciação pelo Senado Federal.

Após as referidas tentativas frustradas, foi apresentado no âmbito do Senado o projeto do novo Código de Processo Civil (PLS nº 166/2010), que, aprovado, foi enviado à Câmara dos Deputados e registrado como Projeto de Lei (PLC) nº 8.046/2011.

O referido projeto foi aprovado e convertido na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, que instituiu o novo CPC.

Com o novo Código, a estabilização da tutela antecipada veio finalmente a ser inserida no ordenamento jurídico brasileiro, com a forma e os contornos jurídicos descritos neste trabalho.

3.3 O PROCEDIMENTO DE ESTABILIZAÇÃO COMO UMA FORMA DE TUTELA

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