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1.5 Algumas espécies de tutela dos direitos reais

1.5.1 Ação declaratória

A ação declaratória, no que diz respeito aos direitos reais, versará na existência ou inexistência da relação jurídica real, decorrente do direito de propriedade. Sua eficácia abrange somente às partes, não irradiando efeitos em relação a terceiros.

Sobre a eficácia da ação declaratória no direito real, esclarece PONTES DE MIRANDA que:

A eficácia é só entre partes, o que, dada a natureza do domínio, que é erga omnes, estabelece a situação de decisão que somente concerne à certo raio do direito, de modo que outrem, para quem não tem eficácia a sentença, pode vir contra o autor vitorioso em luta com o réu ou os réus98.

O dono da coisa tem interesse em que se declare a existência de direito dominial. A sentença proferida em ação declaratória faz coisa julgada. No entendo há ações em que se declara a existência de relação jurídica, todavia a sentença não tem eficácia declarativa de modo que em havendo interesse em que se declare a existência da relação jurídica, será preciso a cumulação das ações.

A declaração pode ser positiva ou negativa de direitos reais. Segundo ensina PONTES DE MIRANDA, o titular do domínio pode ter interesse em que se declare negativamente, por exemplo, o direito real de alguém que se diga titular de direito de servidão.

1.5.2 Desapropriação

A desapropriação é instituto de direito público que tem como finalidade a transferência compulsória de bens a favor do Estado, por necessidade ou utilidade pública, ou interesse social. Um de seus efeitos é a perda da propriedade prevista no art. 1.275 do CC.

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MIRANDA, Pontes de. Direito das coisas: Ações imobiliárias. Perda da propriedade imobiliária. Atualizado por Jefferson Carús Guedes e Otávio Luiz Rodrigues Junior. 1.ed. São Paulo: RT, 2012. (coleção tratado de direito privado: parte especial; 14), p.71.

Consiste na transferência compulsória de bens pertencentes ao patrimônio do particular para o Estado, mediante indenização. Se por um lado é a perda da propriedade pelo particular, do outro é meio de aquisição originária da propriedade pelo Poder Público, não se vinculando ao poder expropriante eventuais vícios ou ônus que incidam sobre o bem expropriado99. É um exemplo clássico da preponderância do interesse público e social sobre o interesse particular.

Sobre o conflito entre interesse público e interesse privado ensina PONTES DE MIRANDA:

O fundamento da desapropriação está em que, havendo conflito entre o interêsse público e interêsse privado, que se não previu em lei, se há de atender àquele, dando-se satisfação a êsse, indiretamente; o fundamento da exigência de indenização prévia e de decisão judicial já é estranho ao instituto, porque aquela diz respeito à necessidade de serem pelo menos simultâneas a perda da propriedade e a prestação do equivalente, e essa, à recomendabilidade do exame judicial do ato administrativo, antes de qualquer eficácia. A técnica legislativa não poderia, sem ofensa aos princípios gerais de direito, permitir a desapropriação sem o equivalente do que o sujeito passivo da desapropriação perde100.

Quando há conflito entre o interesse público e o privado, não é que simplesmente prevaleça o interesse público. Esse prevalece desde que se substitua o direito subtraído pelo valor. Em outras palavras, perde-se o direito de propriedade em favor do ente público, e simultaneamente adquire-se em seu lugar o direito à indenização.

A desapropriação pode ser fundada em interesse público (Art. 5° do Decreto-lei 3.365/41), por interesse social (Art. 2° da Lei n. 4.132/62), para fins de reforma agrária (Lei 8.629/93) por sanção pelo não cumprimento da função social da propriedade (art. 182, §4° da CF e art. 8° da Lei n. 10.257/2001). A privação do direito de propriedade em caso de desapropriação também está prevista no art. 1.228 §3° do CC.

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LOUREIRO, Francisco Eduardo. In: Peluso, Cezar. Código civil comentado. Barueri, São Paulo: Manole, 2007, p. p. 1.118.

100

MIRANDA, Pontes de. Direito das coisas: Ações imobiliárias. Perda da propriedade imobiliária. Atualizado por Jefferson Carús Guedes e Otávio Luiz Rodrigues Junior. 1. ed. São Paulo: RT, 2012. (coleção tratado de direito privado: parte especial; 14), p.270-271.

Os sujeitos ativos para desapropriação podem ser a União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal e os Territórios, além dos cessionários de serviço público ou outras pessoas que exerçam funções delegadas do Poder Público, desde que autorizados por lei ou contrato (arts. 2° e 3° da Lei 3.365/41).

No que se refere ao objeto de desapropriação, a lei autoriza, em regra, que recaia sobre bens móveis e imóveis de particulares e dos Municípios, que podem ter bens desapropriados em favor dos Estados e Territórios.

O procedimento da desapropriação, inicialmente, é administrativo e dividido em duas fases: a) declaratória, na qual o Presidente da República, Governador, Interventor ou Prefeito declara, por decreto, a utilidade pública (art. 6° do Decreto-Lei n. 3.365/41). A emissão do decreto é indispensável à desapropriação; b) fase executiva, na qual o expropriante pratica atos executórios, como avaliação e transferência do bem ao domínio público (arts. 7° e 8°).

Não havendo acordo entre expropriante e expropriado, a desapropriação passa à fase judicial. A petição inicial, além dos requisitos do art. 282 do CPC, deverá conter a oferta do preço e deverá ser instruída com um exemplar do contrato, ou do jornal oficial que houver publicado o decreto de desapropriação, ou cópia autenticada dos mesmos, e a planta ou descrição dos bens e suas confrontações (Art. 13). O expropriante poderá ser imitido na posse do imóvel liminarmente após o depósito do valor arbitrado inicialmente (arts. 14 e 15). O prazo para efetivar a desapropriação amigável ou para propor a ação de desapropriação é de cinco anos contados a partir da data da expedição do decreto de desapropriação (art. 10).

O Código Civil de 2002 introduziu nova modalidade de desapropriação: a desapropriação privada. Assim estabelece o art. 1.228, §§ 4° e 5°:

§ 4o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.

ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.

A desapropriação privada precede de sentença judicial em favor do possuidor do imóvel reivindicado e não de decreto em favor do Poder Público. Nas palavras de FRANCISCO EDUARDO LOUREIRO:

Cuida-se de alienação compulsória do proprietário sem posse ao possuidor sem propriedade, que preencha determinados requisitos previstos pelo legislador. Inicia a regra afirmando que o proprietário também pode ser privado da coisa, criando o legislador, assim, uma nova modalidade de perda da propriedade imóvel, por sentença judicial101.

Assim, o art. 1.228 §§ 4° e 5° do CC dispõe que na hipótese do proprietário propor ação reivindicatória, os possuidores, desde que preencham os requisitos previstos nos parágrafos mencionados, poderão elidir a reivindicação por meio da desapropriação privada102-103. Todavia, a ação reivindicatória, a nosso ver, não deverá ser julgada improcedente, mas sim convertida em indenização por perdas e danos, como deve ocorrer também na desapropriação indireta pelo Poder Público104.

Cumpre salientar que no caso de aplicação dos §§ 4° e 5° do art. 1.228, a indenização, embora decorrente de interesse social, deverá ser paga pelos possuidores e não pelo Poder Público105.

101

PELUSO, Cezar. Código civil comentado. Barueri, São Paulo: Manole, 2007, p.1.051.

102 Denominação utilizada por Guilherme Calmon Nogueira da Gama (GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da.

Direitos reais. São Paulo: Atlas, 2011, p.381).

103 Francisco Eduardo Nogueira pondera que a desapropriação privada cabe não só nas ações reivindicatórias, mas também nas possessórias. Afirma que "entender o contrário abriria a possibilidade ao proprietário que perdeu a posse há mais de cinco anos tangenciar a norma, de nítido caráter social, mediante simples opção de retomar a coisa com base no juízo possessório e não no juízo petitório (ius possidendi). (In: LOUREIRO, Francisco Eduardo. In: Peluso, Cezar. Código civil comentado. Barueri, São Paulo: Manole, 2007, p.1.051)

104 RECURSO ESPECIAL - ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL - DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA - CONVOLAÇÃO DE AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO EM AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - ALEGAÇÃO DE JULGAMENTO "EXTRA PETITA". NÃO-OCORRÊNCIA - O TRIBUNAL "A QUO", EM FACE DA IMPOSSIBILIDADE DA DEVOLUÇÃO DO IMÓVEL AOS ANTIGOS PROPRIETÁRIOS, CONVERTEU A AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO EM AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – PERDAS E DANOS – PERDA DA PROPRIEDADE - AUSÊNCIA DE CONTRARIEDADE AOS ARTIGOS 128 E 460 DO CPC. 1 - Não há ofensa aos artigos 128 e 460, do CPC a convolação da Ação Reivindicatória em Ação de Indenização por perdas e danos, pois já não é possível a devolução do bem imóvel ao proprietário. 2 - Ocorreu, "in casu", Desapropriação Indireta. O Poder Público cometeu um ato ilícito, pois se apossou e não pagou. Construção pretoriana, criada a partir de ações possessórias e reivindicatórias convertidas em indenizatórias, diante do princípio da intangibilidade da obra pública. 3 - Recurso especial improvido. (Recurso especial  n.  770098⁄∕RS,  Relator  Ministro  Humberto  Martins,  DJ  de  13.9.2006).

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Em todo caso, a justa indenização é fixada pelo juiz na sentença proferida em ação de desapropriação, que após transitar em julgado não poderá ser modificada por decisão posterior. Dessa forma, nasce para o expropriante um obrigação de pagar quantia certa de modo que eventual atualização em fase de cumprimento de sentença ou processo de execução deve ser feita sobre a quantia fixada em sentença e não sobre o valor do imóvel sob o argumento de que a indenização fixada é injusta. Nesse sentido salutar os ensinamentos de NELSON NERY JUNIOR:

Os procedimentos que têm sido empreendidos por alguns órgãos do Poder Judiciário, secundados por opiniões de parte da doutrina, de mandar atualizar o valor do imóvel, ofendem de maneira cabal e irremediável a garantia constitucional da coisa julgada (CF 1° caput e 5° XXXVI) merecendo reprovação106.

Verifica-se, ainda, no §5° do art. 1.228 do CC que a aquisição da propriedade pelo expropriante somente se convalidará após o pagamento da indenização fixada. O pagamento constitui requisito essencial para o registro da sentença de desapropriação.