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1.4 O direito de propriedade

1.4.5 Modos de aquisição

1.4.5.1 Aquisição pelo registro público

O art. 1.227 do Código Civil estabelece que somente se adquire os direitos reais sobre bens imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, pelo registro dos referidos títulos no Cartório de Registro Imobiliário competente (Lei n. 6.015/73, art. 167, I e arts. 1.245 a 1.247 do Código Civil) . Dessa forma, para a aquisição do bem imóvel, não basta o acordo de vontade entre transmitente e adquirente. Essa transferência somente se convalida através do registro do título.

É modo derivado de aquisição que somente se perfaz com o registro do título no Cartório de Registro de Imóveis. O registro, no caso do sistema brasileiro, é ato constitutivo da propriedade, e não somente publicitário, como ocorre no sistema francês, por exemplo61.

O registro está vinculado ao título que lhe deu origem. Ou seja, se anulado o título por qualquer motivo, anula-se o registro. E sua obrigatoriedade para convalidação do direito de propriedade diz respeito apenas às transmissões por atos inter vivos e a título negocial derivado. Não se estendendo, portanto, à usucapião, à acessão e à transmissão causa mortis. Nesses casos, o registro não configura ato constitutivo, mas garante publicidade e permite transmissões por atos inter vivos ulteriores, em atenção ao princípio da continuidade.

A parte final do caput do art. 1.227 faz a ressalva de que não se exige o registro do título como ato constitutivo de direito de propriedade nos casos previstos expressamente em lei. À guisa de exemplo ocorre com a transmissão de bens pelo casamento sob o regime de comunhão universal de bens, hipótese em que a transmissão ocorre independentemente do registro.

A aquisição pelo registro do título está disciplinada pelos arts. 1.245 ao 1.247 do Código Civil de 2002 e pela Lei de Registros Públicos - Lei n. 6.015/73 - que regulamenta o registro de imóveis (arts. 167 a 288) e é regida pelos princípios da inscrição, da fé-pública (presunção relativa), da publicidade, da continuidade, legalidade, prioridade e especialidade.

O princípio da inscrição, expresso no caput e no §1° do art. 1.245, traduz o caráter constitutivo do registro público para a aquisição do direito de propriedade e outros direitos reais sobre imóveis por ato entre vivos e derivado. Juntamente com o registro da transmissão, devem ser inscritos direitos relativos às condições resolutiva, suspensiva e às cláusulas adjetas, que traduzam restrições do direito de dispor62.

No sentido de ser o registro do título ato constitutivo de propriedade, o STF entende que não está sujeito à tributação o imóvel registrado em nome de autarquia ainda que seja objeto de compra e venda com particulares, conforme dispõe a Súmula n. 74: "o imóvel transcrito em nome de autarquia, embora objeto de promessa de venda a particulares, continua imune de impostos locais".

A fé pública do registro (art. 1.245 §2°) traduz a presunção relativa de que o adquirente é dono do imóvel, até que se prove o contrário. Presume-se, portanto, que a propriedade pertence àquele cujo o nome consta como titular.

O princípio da continuidade inerente ao registro público significa dizer que o registro "prende-se" ao registro anterior. Em outras palavras, se no registro precedente não constar o nome do alienante, não será possível registrar o imóvel em nome do adquirente. Nesse caso, será necessário providenciar o registro em nome do alienante para então realizar o registro em nome do adquirente.

O princípio da legalidade encontra-se nas exigências estabelecidas pela Lei de Registro Públicos, que estabelece que somente será passível de registro o título que apresentar todos os requisitos legais.

O art. 1.246 do Código Civil dispõe que " o registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro, e este o prenotar no protocolo". Refere-se ao princípio da prioridade, pelo qual se estabelece uma ordem de ingresso no Registro de Imóveis que atribui prioridade ao título prenotado anteriormente, evitando conflito de títulos contraditórios fazendo prevalecer a exclusividade que caracteriza a propriedade.

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LOUREIRO, Francisco Eduardo. In: Peluso, Cezar. Código civil comentado. Barueri, São Paulo: Manole, 2007, p. 1.040.

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LOUREIRO, Francisco Eduardo. In: Peluso, Cezar. Código civil comentado. Barueri, São Paulo: Manole, 2007, p 1.081.

Assim estabelecem os arts. 182 e186 da Lei de Registros Públicos - Lei n. 6.015/73, respectivamente:

Art. 182 - Todos os títulos tomarão, no Protocolo, o número de ordem que lhes competir em razão da seqüência rigorosa de sua apresentação.

Art. 186 - O número de ordem determinará a prioridade do título, e esta a preferência dos direitos reais, ainda que apresentados pela mesma pessoa mais de um título simultaneamente.

O princípio da especialidade significa que todo registro deve exprimir precisamente o imóvel de modo que se torne inconfundível. No caso de imprecisão, poderá ser ratificado ou anulado, conforme prescreve o art. 1.247 do Código Civil.

1.4.5.2 Usucapião

A usucapião é modo originário63 de aquisição da propriedade e de outros direitos reais pela posse (qualificada) por um período mínimo determinado por lei. Nas lições de PONTES DE MIRANDA: "Na usucapião, o fato principal é a posse, suficiente para originariamente se adquirir; não para se adquirir de alguém"64. No mesmo sentido, MARIA HELENA DINIZ:

A usucapião é um direito novo, autônomo, independente de qualquer ato negocial provindo de um possível proprietário, tanto assim que o transmitente da coisa objeto da usucapião não é o antecessor, o primitivo proprietário, mas a autoridade judiciária que reconhece e declara por sentença a aquisição por usucapião65.

A usucapião é a consolidação da propriedade pela posse prolongada da coisa. É a transformação do fato em direito66. O art. 183 da Constituição Federal

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MARIA HELENA DINIZ chama atenção para parte da doutrina que não considera a usucapião como modo originário de aquisição. Explica que "De Ruggiero propõe o enquadramento da usucapião numa classe intermediária entre as aquisições originárias e derivadas, sendo por isso, diz ele, que a usucapião não apaga os ônus que podem recair sobre a coisa usucapida". (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. v.4., 22. ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007, p.155).

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MIRANDA, Pontes de. Direito das coisas: Propriedade. Atualizado por Luiz Edson Fachin. 1. ed. São Paulo: RT, 2012. (coleção tratado de direito privado: parte especial; 11) p.201.

65

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. v. 4., 22. ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo :Saraiva, 2007, p.155.

66

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. v. 4., 22. ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo :Saraiva, 2007, p.156.

estabelece os requisitos formais da usucapião: posse mansa e pacífica e lapso de tempo.

Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

O art. 1.238 repete os requisitos para aquisição por usucapião:

Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

A posse deve ser exercida sem oposição do proprietário do bem que se pretende usucapir. Se a posse for perturbada pelo proprietário, o prazo volta ao seu termo inicial. Assim, se houver atos de defesa da propriedade por parte do proprietário, a posse não se caracteriza como mansa e pacífica. Dessa forma, ainda que o possuidor se mantenha na posse pelo prazo prescrito, exige-se a passividade do proprietário para que esteja presente o requisito.

A posse deve ser contínua, sem lacunas. Assim, deve o possuidor comprovar que exerceu a posse durante todo o período, sem omissões. Por isso, não basta ter a posse, deve-se exercê-la como se proprietário fosse. Nas palavras de MARIA HELENA DINIZ:

Precisa ser ela contínua, ou seja, exercida sem intermitência ou intervalos. A posse é contínua, ensina Lomonaco, quando os atos dos quais resulta o gozo não apresentam omissões por parte do possuidor; assim, quando este deixa de gozar e depois, decorrido um tempo maior ou menor, retoma o gozo a posse deve ser qualificada como descontínua. Se o usucapiende vier a perder a posse por qualquer razão não mais será possível seu reconhecimento judicial, por uma espécie de retroatividade, ainda que no passado tivesse possuído por tempo suficiente para prescrever. Perdida a posse, inutiliza-se o tempo anteriormente vencido67.

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DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. v.4. 22. ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007, p.161.

A posse deve ser exercida com animus. Dessa forma, afasta-se a possibilidade de usucapir com base em posse que não seja exercida com o intuito de ter a coisa para si, motivo pelo qual não é possível usucapião que tenha como fundamento a posse do locatário, do comodatário, do usufrutuário, etc.

Aquele que preencher os requisitos acima poderá adquirir o bem por usucapião independente de título e boa-fé. Todavia, a posse haverá de ser justa. Significa dizer que a posse deve ser exercida, além de tudo, sem vícios de violência, clandestinidade ou precariedade.

O art. 1.238 do Código Civil prevê a usucapião extraordinária de bem imóvel cujo o prazo é de 15 anos, podendo ser reduzido a 10 anos, se o possuidor houver estabelecido no imóvel sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. A usucapião ordinária está regulamentada pelo art. 1.242. O prazo da posse exigido é de 10 anos podendo ser reduzido a 5 anos, conforme dispõe o parágrafo único.

O art. 1.239 prevê a usucapião especial rural (art. 191 da Constituição Federal/88) e o art. 1.240 a usucapião especial urbana (art. 183 da CF/88). O art. 1.240-A prevê a usucapião àquele "que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural".

É vedada a usucapião de bens públicos, consoante os arts. 183 §3° e 191 da Constituição Federal.

A usucapião não exige registro, que nesse caso tem efeito meramente publicitário e regularizador afim de permitir que ulteriores alienações sejam passíveis de registro, obedecendo o princípio da continuidade, que rege o Registro Público. Nesse caso, a sentença que declare a aquisição do domínio pela usucapião deverá ser levada a registro.