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4.1 A DIMENSÃO PATÊMICA: O PAPEL DAS EMOÇÕES NA ARGUMENTAÇÃO

4.1.2 Ação, motivação, visée

De u m m od o geral, p arece qu e as d efinições trad icionais ap resentad as p or psicólogos e p siqu iatras acerca d as em oções p ressu p õem a id éia d e estím u lo-resp osta e ap resentam as conseqü ências d o qu e Dam ásio intitu lou “o erro d e Descartes”.190

Entretanto, e felizm ente, já se sabe qu e esse trad icional m od elo não é su ficiente p ara o estudo d as em oções. N a verd ad e, além d e insu ficiente, esse m od elo não satisfaz às exigências d e u m a abord agem d a com p lexid ad e d a dimensão patêmica d o d iscu rso argu m entativo, u m a vez qu e p ara isso seria p reciso consid erar inú m eras ou tras exigências. O su jeito não é p assivo com o no caso d o estím u lo-resp osta, p ois não são os

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PARRET, 1986.

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--- estím u los em ocionais sim p lesm ente os resp onsáveis p or su a “m ovim entação”. É ele qu em resp ond e p ela p rod u ção e organização d e estím u los, o qu e d ecorre d e seu s saberes d e crença e d e conhecim ento, d e seu statu s, d as circu nstâncias d a troca etc. Entrariam em jogo, então, nesse p rocesso, qu estões cognitivas, sociais, cu ltu rais e referentes à interação qu e o ind ivíd u o m antém em d eterm inad o lu gar e m om ento. Além d o m ais, e, p rincip alm ente, su a relação com a lingu agem é fu nd am ental nesse processo.

Ap esar d e tu d o isso, as concep ções trad icionais sobre a em oção foram incorp orad as p elo senso-com u m e acabaram , d e algu m m od o, send o ad otad as p ela Lingü ística. É ju stam ente p or isso qu e é p ossível verificar d efinições ad vind as d a sintaxe e d a sem ântica, p or exem p lo, qu e com p artilham d e p reconceitos sim ilares aos mantidos pelo senso comum.191

De acord o com Plantin192, d e u m m od o geral, p od er-se-ia p rop or grand es

agru p am entos em torno d e três p ólos relativos à análise em p reend id a p ela Lingü ística: pólo expressivo-enu nciativo; p ólo p ragm ático e p ólo com u nicacional ou interacional. O p ólo exp ressivo-enu nciativo se interessa essencialm ente p elo estad o afetivo d o su jeito em otivo, p or seu estad o cognitivo (su as p ercep ções, su as avaliações), o qu e se p od e ler ou inferir d e su a ativid ad e verbal, assim com o as transform ações d e su as “gestaltes” vocais e m im o-posturo-gestu ais. Por exem p lo, as características d a voz triste ou d a voz nervosa p od em ser d eterm inad as e p od eriam ser id entificad as p or u m a análise expressivo-enu nciativa. O segu nd o p ólo d iz resp eito à p ragm ática d as em oções,

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Esse caráter generalista de algumas afirmações decorre em primeiro lugar de minha incapacidade de determinar categoricamente elementos relativos a outras áreas de saber e, em segundo, da consciência de que algumas informações já fazem parte do universo de conhecimento dos acadêmicos.

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EGGS (2000) discute em seu artigo as definições apresentadas por dois autores – Ruwet e Wierzbicka – os quais, ao analisarem palavras de emoção o fazem em uma perspectiva que, na verdade, não considera a emoção em contexto.

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132 segu nd o o qu al a exp ressão d a em oção leva em conta a situ ação, ou seja, o evento indutor e as transformações elementares das disposições de ação do locutor.

Por fim , o terceiro p ólo refere-se à interação e com u nicação d as em oções. Segu nd o essa vertente, d eve-se p erm anecer atento p ara o fato d e qu e estu d ar em oção nas interações é estu d ar as em oções e su a evolu ção e gestão na interação, e, além d isso, é tom á-la com o objeto d e tod a com u nicação interp essoal. É p ossível verificar nessas concep ções elem entos relativos às d efinições ad otad as acerca d a lingu agem ao longo d a história, em bora p ou co se tenha feito efetivam ente no terreno d a Lingü ística acerca das em oções. Essa p ostu ra se ju stifica, d e acord o com Parret, p orqu e a Lingü ística tem a trad ição d e estu d ar as p rop ried ad es lógico-lingü ísticas e d eixar as p rop ried ad es d o

pathos p ara retórica.193 Felizm ente, na atu alid ad e, d iversos au tores (lingü istas e

pesquisad ores d e ou tras áreas) têm se d ebru çad o no estu d o d as em oções, o qu e m e permite até mesmo ensaiar alguns passos nesse caminho.194

Assim com o coexistem d iversas p osições acerca d a d efinição d e term os relativos à em oção, há u m a d iversid ad e d e p osições em relação à id éia d e ação na em oção. Ao d iscorrer sobre o p ap el d a ação na em oção, N ico Frijd a195, p or exem p lo,

afirm a qu e os estados motivacionais fu ncionam com o u m a p rep aração p ara a ação. As

motivações p ossu em caráter relacional, p ois elas se d ão entre o su jeito e o m u nd o. N esse

sentid o, m esm o nos casos em qu e a em oção esteja lim itad a a u m a exp eriência interior, a tend ência à ação encontra-se p resente. Ao falar em estados motivacionais no lu gar d e ação d irecionad a p ara u m fim , o au tor p arece d esejar fu gir d a etiqu eta d a relação estímulo-resposta.

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PARRET, 1986: 150.

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Os autores PLANTIN, CHARAUDEAU, DOURY, MAINGUENEAU, KERBRAT-ORECCHIONI, EGGS, entre outros, poderiam ser destacados.

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--- Para Frijd a as em oções influ enciariam o p ensam ento, p orém , arrisco-m e a afirm ar, m esm o sem d isp or d e m ecanism os su ficientes p ara p ostu lar com absolu ta certeza, qu e talvez não haja u m a sep aração entre p ensam ento e em oção, com o afirm a o autor.196 Talvez seja prematuro afirmar, devido ao meu escasso conhecimento acerca de

ou tras áreas d e saber – com o a Med icina, a Psicologia – m as m e atrevo a d efend er a id éia segu nd o a qu al em oção e razão, ou em oção e p ensam ento não rep resentariam categorias d istintas, m as fariam p arte d e u m m esm o sistem a. Sabe-se qu e há regiões d iferentes em nosso cérebro, com p rop ried ad es d istintas, p orém se sabe qu e há relatos d e situ ações inexp licáveis acerca d a cap acid ad e cognitiva d o ser hu m ano. H á casos, p or exem p lo, d e u m a p essoa qu e sofreu u m AVC e, conseqü entem ente, teve u m a p arte d e seu cérebro lesad a, send o categorizad o com o p ossu ind o afasia amnésica197, m as, p ara

su rp resa d os cientistas, foi cap az d e d ar continu id ad e à red ação d e u m a obra eru d ita sobre São Tom ás d e Aqu ino198. Ao ser qu estionad o sobre o fato d e não se lem brar d e

coisas d o cotid iano, m as d e ser cap az d e se lem brar d e term os escolásticos raros, o su jeito resp ond ia qu e su a vontad e d e term inar o livro era tão grand e qu e tu d o vinha à su a m ente. N esse sentid o, acred ito qu e as relações entre p ensam ento e em oção aind a têm m u ito a nos d izer e d estaco novam ente qu e acred ito na u nião essencial entre pensar e sentir.

Retornand o à ação, observo qu e nessas tentativas d e fu gir d o m ofo qu e tom a conta d as d iscu ssões sobre o tem a, vários au tores ap resentam ou tras vias. Ao d iscorrer sobre essa qu estão, Elster199 afirm a qu e as exp eriências em ocionais teriam três

p rop ried ad es su p lem entares: têm p rop ried ad es qu alitativas ou fenom enológicas

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Segundo FRIJDA (2003: 24), as emoções influenciariam o pensamento de diversas formas, suscitando ou controlando a elaboração cognitiva, criando ou fixando crenças, determinando a aceitação ou a rejeição de informações.

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De acordo com as teorias que abordam a questão da afasia, se alguém for classificado como possuindo afasia amnésica não será capaz de se lembrar de coisas básicas de seu dia a dia.

198 Para saber mais sobre o assunto, ver LEBRUN, 1983. 199

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134 d iferentes; são natu ralm ente p ositivas ou negativas, em u m sentid o qu e d eve ser d eterm inad o; p ossu em habitu alm ente u m objeto intencional, ou seja, estão a p rop ósito d e algu m a coisa. Em p é-de-p ágina o au tor afirm a qu e exclu i, sem relu tar, o fato d e qu e as em oções teriam obrigatoriam ente u m a tend ência à ação e cita com o exem p lo d isso a “tristeza”.200 Tod avia, ele não exclu i a qu estão d a intencionalid ad e. Para ele, as

em oções estão “a p rop ósito d e” algu m a coisa, elas têm u m objetivo ou u m alvo intencional, o que as difere de sentimentos como a náusea e a vertigem, por exemplo.

Aind a nas trilhas d e Elster, as em oções d ecorreriam d e u m p rocesso d inâm ico na m ed id a em qu e seu caráter d ecisivo seria qu e elas são cap azes d e alterar e d e d eform ar a avaliação cognitiva qu e as d esencad eia. Elas não estariam p rep arand o p ara a ação, m as existiriam em virtu d e d e u m p rop ósito qu e não é necessariam ente u m a ação. O au tor d estaca, aind a, a qu estão d a su bjetivid ad e, qu e é fu nd am ental em se tratand o d e em oção. Ao d iscorrer sobre o assu nto exem p lifica essa relação ao afirm ar qu e “je ne sais pas si les autres voient les couleurs comme moi, ni si leurs émotions sont les

mêmes que les miennes”.201 Através d essa afirm ação ele nos d iz m u ito d a im p ortância d a

su bjetivid ad e na relação em ocional. Evid entem ente, ela não p od e ser d esp rezad a em análises de discursos que se voltam para esse debate.

Charau d eau com p artilha d as id éias d e Elster e afirm a qu e as em oções se inscrevem em u m qu ad ro d e racionalid ad e na m ed id a em qu e se m anifestam tend o em vista algu m a coisa e, p or isso m esm o, p od em ser consid erad as intencionais. Os estad os emocionais são, nesses termos, emocionais e racionais.

É interessante qu e p rovavelm ente p ara escap ar d a necessid ad e d e u m a d eterm inação objetiva qu e d iferencie ação e em oção, Charau d eau p rop õe o u so d o

200

ELSTER, 1995: 38 – 39.

201 ELSTER, 1995: 39. Minha tradução do original em francês: “[...] eu não sei se os outros vêem as cores

--- termo visée acional. Segu nd o ele, a visée consistiria na bu sca d e u m objeto d e d esejo qu e d eve ser d esencad ead o p or algu m a coisa. Se essa algu m a coisa é d a ord em d o d esejo, então, essa racionalid ad e p od eria ser consid erad a su bjetiva, com o p ostu la Elster. Além d isso, Charau d eau afirm a qu e a visée acional e o d esejo não são ú nicos, p ois na empreitada da emoção outros elementos entrariam em jogo. É preciso, por exemplo, ter conhecim ento acerca d as em oções, além d e rep resentações sobre elas, send o qu e isso o su jeito só alcança com os conhecim entos ad vind os d e su a exp eriência e d os valores atribuídos a elas. Nesse sentido, a racionalidade seria ligada às crenças.

A id éia d e qu e as em oções contêm u m a orientação em d ireção a u m objetivo e qu e esse objetivo é consid erad o sob u m a d escrição intencional, é p artilhad a p or ou tros au tores, com o N u ssbau m , Plantin, entre ou tros.202 Pap erm an, p or su a vez, acred ita qu e

a relação entre ação e em oção não é tão relevante qu anto a natu reza d a ligação entre a situ ação e a em oção.203 Além d a im p ortância d a situ ação na qu al a em oção é

d esencad ead a, a relação entre ela e as visées é fu nd am ental p ara os objetivos d essa tese, já qu e acred ito na existência d e u m a dimensão patêmica no d iscu rso argu m entativo, na qu al são m obilizad os d iversos recu rsos, e p retend o analisar seu fu ncionam ento tend o com o d estaqu e as p eças p rocessu ais d e u m caso ju lgad o no Tribu nal d o Jú ri. Tu d o isso m e leva a crer qu e a em oção p od eria d esencad ear, através d a relação com elem entos referentes às crenças e aos conhecim entos d os su jeitos, d eterm inad os tip os d e com p ortam ento. Tais com p ortam entos p arecem fazer p arte d o u niverso d e possibilidades do ato de linguagem, o qual traz em si a noção de aventura, de aposta.204

Ao salientar a im p ortância d as colaborações ad vind as d a Psicologia, d a Sociologia e d a Filosofia, no artigo já citad o em qu e trata d as em oções, Charau d eau

202 NUSSBAUM, 1995; PLANTIN, 2000. 203 PAPERMAN, 1995: 180. 204 CHARAUDEAU, 2000.

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136 d estaca d os d ebates três p ontos qu e lhe p arecem consensu ais, além d e lhe p arecerem essenciais p ara u m tratam ento d iscu rsivo d a em oção: as em oções são d e ord em d o

intencional, elas são ligad as aos saberes de crenças e se inscrevem em u m a p roblem ática

da representação psicossocial. Isto p orqu e, p ara o au tor, o fato d e as em oções se inscreverem em u m a racionalid ad e não é su ficiente p ara analisá-las p rofundamente. Em sua perspectiva

N on seulement le sujet doit percevoir quelque chose, non seulement ce quelque chose doit s’accompagner d’une information, c’est-à-dire d’un savoir, mais il faut en plus que le sujet puisse évaluer ce savoir, puisse se positionner par rapport à celui-ci pour pouvoir éprouver ou exprimer de l’émotion.205

A p artir d esse fio, p artirei agora p ara u m a d iscu ssão acerca d as relações entre saberes d e crença e d e conhecim ento, norm as, ju lgam entos e valores no p rocesso d e patemização.