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O domínio do pathos: emoção, sentimento e paixão

4.1 A DIMENSÃO PATÊMICA: O PAPEL DAS EMOÇÕES NA ARGUMENTAÇÃO

4.1.1 O domínio do pathos: emoção, sentimento e paixão

Diversas teorias já d iscorreram sobre a em oção, p rivilegiand o asp ectos relativos a d iferentes áreas: Psicologia, Antrop ologia, Filosofia, Sociologia etc. Teorias

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124 horm onais, neu ronais, anatom o-p sicológicas, evolu cionistas, sociológicas, p sicológicas, p sicanalíticas e filosóficas serviram e aind a hoje servem p ara analisar o p ap el d as em oções, cad a u m a d elas d estacand o os p ressu p ostos d e seu d om ínio d e saber. Algu m as refu taram as teorias anteriores, ou tras as d esenvolveram , d and o continu id ad e ao estu d o d as p aixões. Du rante u m longo p eríod o as teorias sensacionalistas ind icaram os cam inhos p ara leitu ras acerca d a em oção, red u zind o-as a estad os p u ram ente su bjetivos, a sensações. As teorias cognitivistas su rgiram e, em contrap osição aos sensacionalistas, d efend eram a id éia d e qu e as em oções p ossu íam uma base cognitiva, por isso não poderiam ser reduzidas a sensações.

Entretanto, segu nd o Pap erm an173, o critério u sad o na refu tação ao m od elo

sensacionalista é insu ficiente, p ois se o qu e d istingu e as em oções d as sensações é qu e as em oções têm razões, aqu elas d everiam d esap arecer com o d esap arecim ento d estas. Em ou tras p alavras, não faria sentid o, p or exem p lo, algu ém sentir m ed o d e se afogar em u m a p iscina rasa, estand o rod ead o d e salva-vid as. Essa abord agem acabou p or conferir u m caráter m u ito intelectu alista ou conceitu alista à qu estão, além d e exclu ir anim ais e crianças d as relações em ocionais, p ois, p ara os d efensores d esse p onto d e vista, estes seres não elaboram conceitos e p rop osições e, p or isso m esm o, não p od em sentir em oções. Pap erm an174 d estaca qu e esse intelectu alism o nos p riva d e boas

exp licações acerca d as relações entre razão e em oção. O fato d e qu e as em oções têm razões não é su ficiente p ara d istingu i-las d as sensações, p ois, tom and o ou tro exem p lo, nad a garante qu e se sou berm os serem nu las nossas chances d e cair d e u m lu gar alto, essa certeza fará com que sintamos menos medo.

172 FOUCAULT, 1999. 173 PAPERMAN, 1995. 174 Idem.

--- Além d estas d u as teorias, aind a há aqu elas d enom inad as d e realistas, as qu ais d efend em a id éia d e qu e nosso acesso ao m u nd o se faz d e form a d ireta, ou seja, este acesso não é m ed iad o p or p rop osições, o qu e im p lica, no caso d as em oções, em algo relativo à p ercep ção. Tod avia, há au tores qu e, em bora não concord em com a visão ingênu a d as teorias sensacionalistas, nem com o cognitivism o estreito, tam bém não concord am com essa tese realista. Para estes, haveria u m a d im ensão p rática m oral nas em oções. Segu nd o Pap erm an, o qu e há d e interessante nessa crítica é o fato d e ela abrir u m a via p ara o estu d o d a em oção em term os d a ação ou em term os d a em oção em 3a

pessoa.175 Sob essa p ersp ectiva, os au tores estu d am a em oção ao m esm o tem p o com o

u m fenôm eno esp ecífico e com o u m ep isód io p articu lar, levand o em conta circu nstâncias, su jeitos, elem entos significativos d a interação etc. N essa abord agem não caberia u m a análise d a em oção d e acord o com a id éia d e estím ulo-resp osta, com o u m a reação, p ois ela é vista com o p rod u to d e u m conju nto com p lexo d e p roced im entos d e categorização d os m em bros d e u m a socied ad e. Tal p osição relaciona as em oções ao asp ecto m oral ou norm ativo, qu e p arece consistir em u m a d as chaves p ara a atribu ição d as em oções ao ou tro, já qu e é u m a boa alternativa contra as abord agens ind ivid u alistas d a em oção.176 Ind o u m p ou co m ais longe, este asp ecto m oral ap ontad o

p ela au tora p arece se referir a u m a d oxa e p arece p artir d o p ressu p osto d e qu e nossas rep resentações sociais acerca d e tu d o qu e nos rod eia d eterm inariam o tip o d e relação que mantemos com a emoção.

Através d esse breve p ercu rso, é p ossível constatar qu e essas várias form as d e tratam ento d as em oções oferecem u m a grand e contribu ição não no sentid o d e fornecer um caminho seguro, mas, ao contrário, de mostrar que não há uma única maneira de se p ensar o fenôm eno. De m inha p arte, ad otarei, em certo sentid o, u m a p osição qu e

175 PAPERMAN, 1995: 12. 176

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126 consid era elem entos d a ú ltim a p osição no tratam ento d as em oções no d iscu rso. Parece- m e im p ortante tanto p ensar as em oções com o u m p rod u to d e qu estões d e d iversas ord ens qu anto p ensá-la em relação ao seu caráter m oral, u m a vez qu e isto m e aju d aria a refletir sobre o desejo de incitar emoção no outro.

N o qu e concerne às d istinções entre em oção, sentim ento e p aixão, no d om ín io d a p sicologia, p or exem p lo, as d iferenciações entre em oção e sentim ento p od em ser ú teis, na m ed id a em qu e os p esqu isad ores, além d e acred itarem d isp or d e recu rsos p ara estabelecerem d istinções, acred itam na im p ortância d e tal sep aração.177 H á os qu e

postulam a existência de uma gradação entre sentimento, emoção e paixão. Nessa via, a p aixão seria a em oção levad a ao extrem o, cap az d e m obilizar o ind ivíd u o a u m a ação, sem qu e ele seja cap az d e u sar o raciocínio. É p ercep tível nessa sep aração o ranço d a eterna qu erela entre razão e em oção, qu e, a m eu ver, soaria incoerente se fosse u tilizad a nessa p esqu isa. Isto p od e m e servir, na verd ad e, p ara ju stificar o fato d e não desejar estabelecer distinções entre estes diversos termos.

Um a ou tra im p ortante qu estão relativa a essas d iferenciações refere-se ao fato d e qu e, no d om ínio d o senso com u m , as em oções sem p re estiveram relacionad as à id éia d e fraqu eza, à incap acid ad e d e d om ínio d e si em d eterm inad as situ ações e, m ais ainda, no qu e se refere à cu ltu ra brasileira, esteve sem p re relacionad a a u m a certa “fem inilização” d o su jeito178. Isto p orqu e com o as m u lheres rep resentariam , d e acord o

com algu m as correntes filosóficas e p ara nossa socied ad e conservad ora, seres hu m anos menores e p or isso m esm o m ais su scep tíveis a “ações irracionais”, elas seriam o lad o hu m ano id eal p ara a m anifestação d e tod a esp écie d e em oções.179 N esse sentid o,

177

A psicologia e a psiquiatria podem, por exemplo, estudar a reação sensorial dos sujeitos, através de medições químicas.

178

Evidentemente essa visão não se restringe à cultura brasileira, mas, a fim de não incorrer em equívocos, prefiro destacar questões relativas ao nosso domínio de conhecimento.

179

Isto se observa desde os gregos, pois, segundo Aristóteles, as mulheres e as crianças seriam seres incapazes de se relacionar com o mundo, sem a ajuda de uma tutoria. Além dessa herança, ainda o fato de que o “sentimentalismo”, evidenciado em vários momentos de nossa história, tem no romantismo, talvez,

--- ap enas o hom em fraco se su jeitaria às em oções e essa fraqu eza p arece não estar relacionad a a qu estões p sicológicas e neu rofisiológicas, m as, sobretu d o, a qu estões sociais e cu ltu rais, a valores e crenças com p artilhad os p or u m a com u nid ad e. O su jeito consid erad o em otivo está longe d e ser consid erad o d os m ais equ ilibrad os. Assim , a id éia d e qu e a em oção não é p rovad a em estad os d e tranqü ilid ad e está p resente nessas concepções do senso comum.

A sep aração abissal entre corp o e m ente efetu ad a p or Descartes contribu iu p rofu nd am ente, conform e já exp osto, com essa visão acerca d as em oções. A p artir d a cisão d esencad ead a p or ele, a m ente p od eria ser exau stivam ente estu d ad a e exp licad a, enqu anto o resto d o organism o e o m eio físico ficaram com p letam ente em segu nd o p lano. Se as p aixões seriam signo d e d oença, som ente se elas fossem alijad as a m ente estaria em p erfeita saú d e. De acord o com Dam ásio, esse foi o grand e erro d e Descartes e ele m erece d estaqu e p or ter contribu íd o com sécu los d e atraso em term os d a abord agem d as em oções.180 Este atraso se ju stifica p elo fato d e qu e tod as as

consid erações acerca d a neu robiologia, até bem p ou co tem p o, tenham se basead o nessa id éia d e sep aração entre corp o e m ente. Tod avia, na atu alid ad e a qu estão já é abord ad a sob diferentes perspectivas, o que não nos traz menos problemas.181

N o d om ínio d a biologia, Matu rana, p or exem p lo, contribu i p ara o d ebate acerca d as relações entre o hom em e a lingu agem , com u m enfoqu e d istinto. Melhor d izend o, ele nos leva a refletir sobre o estar na lingu agem e, é claro, p rom ove u m a d iscu ssão

uma fase em que essa idéia é particularmente exacerbada. Tal idéia estereotipada do sentimentalismo feminino acaba por contribuir com a perpetuação de preconceitos e julgamentos morais baseados em um paradigma que pressupõe quase que uma obrigação de as mulheres expressarem emoção em determinadas situações.

180

DAMÁSIO, 1996.

181

Mencionei os problemas relativos às diversas abordagens que surgiram, porque, se, por um lado, elas quebram um jejum de séculos de atraso em termos das discussões sobre emoção, por outro, elas trazem o problema relativo à diversidade de posições defendidas. Com tantas possibilidades, é bastante complicado delimitar o campo das emoções no discurso.

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128 acerca d e nosso estar no m u nd o.182 Segu nd o o biólogo, as em oções se referem a

d isp osições corp orais qu e d eterm inam ou esp ecificam d om ínios d e ações. A p osição d e Frijd a não p arece m u ito d istante d a qu e Matu rana ad ota, no sentid o em qu e, p ara este au tor, as em oções são estados motivacionais e constitu em im p u lsões, d esejos ou aversões qu e levam o su jeito a m od ificar su a relação com u m objeto, com u m estad o d o m u nd o ou d e si.183 Para Frijd a, a d istinção entre p aixão e em oção seria relevante na m ed id a em

qu e a p aixão seria u m a m otivação p ara p ersegu ir u m objetivo em ocional. E ela p artilharia d e traços essenciais com a em oção. N essa id éia há u m a inclinação p ara algo relativo a u m caráter acional p resente na em oção, o qu e é com p artilhad o p or ou tros autores de diferentes domínios e sobrevive ao lado das outras perspectivas.

Christian Plantin, por seu turno, apresenta um quadro, a partir da abordagem referencial184, contendo os sentidos de termos de emoção e de suas relações (afetos, emoção, humor, paixão, sentimento etc). Todavia, logo conclui que é difícil estabelecer com muita precisão e manter essas diferenciações, pois

[...] il est difficile de se tenir à un seul de ces termes, puisque tous n’ont pas les mêmes capacités dérivationnelles et que les termes derivés peuvent ne pas exister ou n’avoir pas le même sens (en particulier, les verbes), ce qui êntraine un brouillage permanent de l’écriture théorique. Par exemple, le théoricien qui voudrait s’interesser au sentiment plutôt qu’à l’émotion se heurterait à un problème d’écriture, puisqu’il devrait imposer un nouveau sens, plus general que son sens actuel, à l’adjectif sentimental.185

182

Para saber mais sobre a discussão, ver MATURANA, 1999.

183

FRIJDA, 2003.

184

Para saber mais sobre essa abordagem, ver PLANTIN, 2000.

185

PLANTIN, 2000: 111. Minha tradução do original em francês: “[...] é difícil tomar apenas um dos termos porque eles não têm as mesmas capacidades derivacionais e os termos derivados podem não existir ou não ter o mesmo sentido (em particular os verbos), o que acarretaria uma confusão permanente na escrita teórica. Por exemplo, o teórico que desejasse se interessar pelo sentimento mais que pela emoção teria um problema de escritura, porque deveria impor um novo sentido, mais geral que seu sentido atual, ao adjetivo sentimental ».

--- Essas consid eraçãoes d o au tor m e servem , em bora d iscorram sobre u m caso p articu lar e haja au tores p artid ários d e d eterm inad as d iferenciações186, p ara ju stificar

m inha op ção p or u m a abord agem qu e não se d eterá na d iferença entre esses termos. Op to, nas trilhas d e Charau d eau , p ela u tilização d o term o p atem ização p or englobar tu d o qu e se refere a sentim ento, em oção, p aixão e seu s d erivad os, com o constitu tivos d a argu m entação. O u so d os term os pathos, patheme ou p atem ização m e d esobriga d e participar das discussões provenientes de outras áreas como a Psicologia e a Sociologia, além de me aproximar das raízes da retórica.187

Tod avia, à d ificu ld ad e em d iferenciar os ‘’term os d e em oção’’ ju nta-se a enorm e dificuldade na d iferenciação d as bases d a em oção. Parece-m e tam bém m u ito p erigoso d eterm inar qu ais seriam emoções primitivas e qu ais seriam as emoções derivadas, p ois, com o afirm a Parret, a lista d e p aixões p rim itivas varia d e au tor p ara au tor.188 Se, p ara

u ns, o d esejo seria visto com o p aixão p rim itiva, p ara ou tros, p od eria ser visto com o d erivad o d a inveja, p or exem p lo. N esse sentid o, p refiro não m e d eter em categorizações d essa ord em , u m a vez qu e m eu objetivo consiste em verificar com o os traços d e em oção, as pathemes ou m arcad ores d e orientação em ocional, p od em agir e qu ais seriam os p ossíveis efeitos obtid os a p artir d eles no objeto selecionad o p ara a observação na tese.

Além d essas qu estões há aind a u m a ou tra referente ao d om ínio d a Análise d o Discu rso, u m a vez qu e o arcabou ço teórico su stentad or d essa d iscip lina não p erm ite verificar, p or exem p lo, a em oção sentid a, p or não d isp or d e m ecanism os su ficientes p ara tal abord agem . O analista d o d iscu rso som ente p ossu i instru m ental teórico e

186

PARRET (1986), por exemplo, diferencia paixão de emoção. Segundo ele, a paixão é uma categoria explicativa; ela é necessariamente reconstruída e pressuposta a partir de suas manifestações, enquanto que a emoção é uma categoria descritiva, empiricamente atualizada. São necessárias estratégias de descoberta diferentes nos dois domínios: o domínio das paixões é semiótico e o das emoções é psicológico.

187

CHARAUDEAU, 2000. AMOSSY (2000: 314) também afirma não desejar se prender a tais distinções.

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130 m etod ológico p ara lid ar com a em oção su scitad a e com os efeitos a qu e ela p od e visar. Nesse sentido, é preciso delimitar bem meu terreno de atuação a fim de evitar possíveis equ ívocos. A verd ad e é qu e a Lingü ística acabou engloband o d iversas d as contribu ições d e ou tras áreas, m as é p reciso d estacar qu e, em bora seja p ossível fazer u so d essas contribu ições, m eu enfoqu e está bem d irecionad o p ara u m tip o d e abordagem.

Se a Análise d o Discu rso, segu nd o Charau d eau189, não p od e se d eter nem no

qu e o su jeito exp erim enta (p orqu e não tem recu rsos p ara fazê-lo, p ois isto seria d o d om ínio d a Psicologia) nem no qu e o m otiva a exp erim entar ou agir (ação) nem as norm as gerais qu e regu lam as relações sociais, o qu e ela p od e fazer? Sem p retend er u m a resp osta d efinitiva, su p onho qu e a Análise d o Discu rso p od e ver, através d o encad eam ento d os signos, com o a lingu agem fu nciona p atem icam ente. Ela p od e ver as marcas de um discurso socialmente codificado.