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H á m u ito ju rad o qu e resolve cond enar o réu ou absolver, conform e venha, ou não, a p ou sar-lhe na p onta d o nariz a mosca que voeja em torno.

Nelson Hungria

Ao d estacar em ep ígrafe u m a crítica tão m ord az ao fu ncionam ento d o jú ri p op u lar, lançad a p or u m d os nom es m ais im p ortantes d a Ju stiça Penal brasileira, d esejo cham ar a atenção p ara o qu anto a p articip ação d os ju rad os é alvo d e controvérsias. Se, por um lado, há uma tentativa da manutenção de um poder supremo p or p arte d os m agistrad os, p or ou tro, visa-se à m anu tenção d e u m a ou tra form a d e p od er, d eterm inad a p ela p articip ação d os su jeitos com u ns. A im p ortância e influ ência d o Tribu nal d o Jú ri não são d e m od o algu m p ontos p acíficos no âm bito d o Direito. Ao contrário, as regras, os d isp ositivos institu cionais e d iscu rsivos qu e regem seu

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--- fu ncionam ento são objeto d e d ebates e controvérsias, as qu ais d ivid em as op iniões d e magistrad os e estu d iosos d o ram o. Existem tanto os d efensores d e su a p erm anência, p or acred itarem ser ele u m im p ortante órgão d em ocrático, qu anto os qu e d efend em a necessid ad e d e os crim es serem ju lgad os ú nica e exclu sivam ente p elos m agistrad os, os qu ais estão legitim ad os e p ossu em o cap ital sim bólico p ara exercer tal fu nção. O Tribu nal d o Jú ri d ivid e p aixões, colocand o em jogo os conflitos e antagonism os próprios ao processo de consolidação de um sistema de leis e penas.

N esse terreno p antanoso não m e p arece p ossível d eterm inar se a Ju stiça d everá ser efetivam ente realizad a p or hom ens p rep arad os ou não. N ad a garante qu e se a estru tu ra d o jú ri fosse m od ificad a e se os crim es não fossem ju lgad os p elas “p essoas com u ns”, haveria m ais acerto, correção e, sobretu d o, m enos interferência d a su bjetivid ad e envolvend o os vered ictos. É evid ente qu e u m a boa form ação na área ju ríd ica acrescenta d ad os relevantes a u m ju lgam ento e contribu i p ara u m a visão m ais p ragm ática sobre os fatos, m as não se p od e afirm ar qu e u m Ju iz m u ito bem p rep arad o consegu irá se livrar d e su a p osição na estru tu ra social, d a interferência d as qu estões id eológicas, d e seu s m ed os e d e su as cu lp as d u rante u m ju lgam ento. Além d o m ais, o Tribu nal d o Jú ri p arece ser u m a tentativa, m esm o com d iversos p roblem as, d e se conferir p od er d e d ecisão ao p ovo. Evid entem ente, esse p od er já é p erp assad o p or ou tras relações d e p od er, qu e acabaram fazend o d ele m ais u m a instância d o ap arelho ideológico.

É p or tu d o isso qu e não se p od e esqu ecer d e qu e tod os os integrantes d a mise en

scène d o Tribu nal d o Jú ri fazem p arte d e u m m u nd o lingu ageiro e interp retam as

d iversas situ ações a p artir d as rep resentações sociais e estereótip os, o qu e p ossibilita, p or exem p lo, qu e se ju lgu e algu ém com o Doca Street inocente e u m lad rão d e galinhas, cu lp ad o. Por serem “os escolhid os”, os m agistrad os im aginam ou d esejam fazer p arecer serem eles d otad os d e u m a neu tralid ad e necessária p ara ju lgar os crim es. Isto

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32 p orqu e, na verd ad e, ao Ju iz é conferid a u m a au torid ad e sócio-ju ríd ica e m oral, a p onto de ele ser consid erad o u m a figu ra “neu tra”, sob vários asp ectos, e d ou ta o su ficiente a p onto d e ele p roferir sentenças qu e esp elhem o ju lgam ento d o conju nto d a socied ad e. Essa id éia d e neu tralid ad e, d e au sência d e interferência d a su bjetivid ad e qu e se d eseja conferir aos Ju ízes está p resente não ap enas nos trâm ites ju ríd icos, m as tam bém em d iversas áreas d e conhecim ento, o qu e é fru to d e u m a d eterm inad a id éia d e saber em vigor no m u nd o ocid ental. Esse é u m valor d erivad o d a ciência, consolid ad o no sécu lo 19 ju ntam ente com a m od ernid ad e, e atu a com o u m fantasm a, encobrind o saberes d iversos e d eterm inand o u m u so abu sivo d e p od er. Por trás d essa id éia, d essa racionalid ad e com o valor absolu to, encontra-se u m a im p ortante m arca d e u m tip o d e cap ital sim bólico qu e circu la em nossa socied ad e. Ser cap az d e se d istanciar d os objetos e, sobretudo, de manter essa distância, é índice de saber e funciona como argumento de au torid ad e, além d e conferir cred ibilid ad e e legitim ar “o observad or objetivo e imparcial”.29 Send o assim , os Ju ízes são, no olhar d o senso-com u m , esses seres cap azes

d e olhar com u m olhar d os d eu ses. Olhar d e Tirésias, qu e é cego e im p arcial, m as qu e tu d o vê e tu d o sabe. A ele é conferid o o d ireito d e p rescrever. É p or essa razão qu e acredito – e sei qu e im petuosamente – ser p reciso rep ensar u m d os p ontos nevrálgicos d os d itam es ju ríd icos, qu e consiste na interferência d a su bjetivid ad e. Tod avia, entend o qu e esse d ebate não se restringe a nossa socied ad e, p ois, com o bem p ond era Boaventura Souza Santos,

[...] estu d os d e cientistas italianos incid ind o sobre as d ecisões d os tribu nais d e p rim eira instância, tanto nos d om ínios p enais com o no civil, m ostraram em qu e m ed id a as características sociais, p olíticas, fam iliares, econôm icas e religiosas d os m agistrad os influenciaram a sua definição da situ ação e d os interesses em jogo no Processo e conseqü entem ente o sentido da decisão.30

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--- N esses term os, a p artir d e u m a reflexão sobre a relação d o su jeito com seu objeto, não há com o d efend er o fim d o jú ri em d ecorrência ap enas d o d esp rep aro e d a m aior su scetibilid ad e d os su jeitos à em oção. Isso p orqu e, no âm bito d as ciências hu m anas e sociais, o objeto não é externo ao hom em , com o no caso d a Física, p or exem p lo. O objeto, nesse caso, su rge d a ativid ad e d e “sim bolização” d o homem, ad qu ire sentid o na cond u ta, na organização social e nos d iscu rsos qu e ele p rod u z. O objeto se confu nd e com o hom em ap esar d e tod os os esforços realizad os p ara sep ará- los.31 Além d o m ais, nas trilhas d e Fou cau lt32, creio qu e a d iscu ssão sobre o Tribu nal se

relaciona com um poder, que é capilar, que se espalha, formando uma cadeia.

Um a ou tra contribu ição à d iscu ssão acerca d o fu ncionam ento d o jú ri é ap resentad a p or Mackaay33, o qu al d iscorre sobre o caráter vago d as noções u sad as n o

m eio ju ríd ico. O au tor afirm a qu e o Direito é constitu íd o d e u m a lingu agem em p arte artificial, qu e p od e ser tratad a com o “form alizad a”. Entretanto, ele d estaca qu e o ju rista não em p rega a d efinição e a classificação d a m esm a m aneira qu e o cientista. A classificação d o ju rista é sem p re fixa: os term os p erm anecem os m esm os, d e form a qu e seu sentid o é p rogressivam ente aju stad o às m od ificações d a vid a social. O au tor ap onta, aind a, qu e term os com o “bom p ai d e fam ília”, “bom filho”, “boa m ãe”, “boa esp osa” são ap licad os a várias situ ações e são flu id os d em ais. Tod avia, essa flu id ez sem ântica d as noções não constitu i u m entrave ao bom fu ncionam ento d o Direito, m as é essencial a ele.

Tal vagu id ão serve p ara d im inu ir cu stos, ou seja, m inim izam os cu stos associad os à form u lação e à ap licação d as regras ju ríd icas, além d e, a m eu ver, escam otear sentid os obscu ros qu e p od em vir a ser u tilizad os, caso seja necessário. É 30 SANTOS, 1997: 173. 31 CHARAUDEAU, 1997. 32 FOUCAULT, 1999.

33 Para saber mais sobre a discussão do autor, ver "Les notions floues en droit ou l'économie de

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34 evid ente qu e essa d iscu ssão é bem m ais com p lexa e exigiria u m ap rofu nd am ento qu e não faz p arte d e m eu s objetivos, m as m e p areceu im p ortante ressaltar com o as reflexões acerca d o “fazer ju ríd ico” aqu i no Brasil não estão d esarticu lad as d aqu elas em p au ta m u nd o afora. Ao d iscorrer sobre a constru ção d os textos ju ríd icos, Streck34

afirm a qu e a d ogm ática ju ríd ica, resp onsável p or instru m entalizar o d ireito, é refém d e u m p ensam ento m etafísico e não se im p orta com o fato d e qu e seu s significad os se p ercam a cad a d ia com o u so vazio d e seu s cap ítu los, p arágrafos etc. A isso se acrescenta a discussão de Bourdieu35, o qual afirma que, ao privilegiar um determinado

u so d a língu a, o cam p o ju ríd ico cria u m efeito d e ap riorização, inscrito na lógica d e seu fu ncionam ento. Ao se com binar elem entos d iretam ente retirad os d a língu a com u m e elem entos estranhos ao seu sistem a, cria-se u m a retórica d a im p essoalid ad e e d a neu tralid ad e. O qu e se p rod u z com isso é u m efeito m u ito m aior d o qu e se su p õe à primeira vista. O sociólogo acrescenta ainda que:

Esta retórica d a au tonom ia, d a neu tralid ad e e d a u niversalid ad e, qu e p od e ser o p rincíp io d e u m a au tonom ia real d os p ensam entos e d as p ráticas, está longe d e ser u m a sim p les m áscara id eológica. Ela é a p róp ria exp ressão d e tod o o fu ncionam ento d o cam p o ju ríd ico e, em esp ecial, d o trabalho d e racionalização, no d u p lo sentid o d e Freu d e d e Weber, a que o sistema das normas jurídicas está continuamente sujeito, e isto desde há séculos.36

Desse m od o, com o é p ossível acred itar em tantas p alavras-p rontas? Com o acred itar ser o objetivo m aior d o Cód igo Penal d efend er a vid a se isso não está exp licitad o nele, e ap enas macpalavras e mac-enunciados ap arecem nos Processos e durante os julgamentos? 37 34 STRECK, 2001. 35 BOURDIEU, 1989. 36 BOURDIEU, 1989: 216. 37

O jornalista Alcino Leite Neto em um artigo intitulado "O declínio do macjornalismo" discorre acerca de um modelo de imprensa apressada, localista, que apenas vê o mundo sob o viés norte-americano e que, com o 11 de Setembro, foi balançada por pegar os jornalistas de "calças curtas", sem preparo para falar sobre os conflitos no Oriente Médio. Acredito que essa idéia de mac, de algo pronto para comer, pode ser

--- Por tu d o isso, creio qu e o d ebate a resp eito d a Ju stiça Penal não d eve se restringir ap enas a esse órgão, m as d eve se referir à p róp ria id éia d e Ju stiça e às p ráticas ju d iciárias qu e vigoram no m u nd o. O d iscu rso ju ríd ico d o Ocid ente é o d iscu rso d o p od er p or excelência; é ju stam ente d e su as relações com o saber e com a política que ele dita a marcha da humanidade. Isto porque

as cond ições p olíticas, econôm icas d e existência não são u m véu ou u m obstácu lo p ara o su jeito d e conhecim ento m as aqu ilo através d o qu e se form am os su jeitos d e conhecim ento e, p or consegu inte, as relações d e verd ad e. Só p od e haver certos tip os d e su jeito d e conhecim ento, certas ord ens d e verd ad e, certos d om ínios d e saber a p artir d e cond ições p olíticas qu e são o solo em qu e se form am o su jeito, os d om ínios d e saber e as relações com a verdade.38

O corp o d e ju rad os é signo d essas relações, visto qu e é form ad o p or su jeitos escolhid os entre os cid ad ãos com u ns, em virtu d e d e u m a certa “notória id oneid ad e”. Assim com o em relação aos ou tros term os, não p osso m e exim ir d a tarefa d e d estacar o qu anto este é vago; nad a d iz, nad a confirm a acerca d e su jeito algu m . A escolha p roced e d e form a arbitrária, p ois p od e ser feita p elo Ju iz, d entre os qu e fazem p arte d e su as relações p essoais ou através d e ind icação feita p or algu m Ad vogad o ou ou tro servid or d a Ju stiça. Tu d o se p assa entre os “hom ens id ôneos”. Em virtu d e d isso, concordo com Streck quando ele afirma que

[...] no âm bito d o Tribu nal d o Jú ri, a noção d e “cid ad ão d e notória id oneid ad e” p od e ser vista com o u m a d efinição p ersu asiva, qu e exp ressa crenças valorativas e id eológicas d o m agistrad o (e qu em o au xilia/ influ i) sobre o m od o d e escolha d os ju rad os. A d esignação/ nom eação d o qu e seja u m cid ad ão d e notória id oneid ad e estará p erm ead a p elo p od er d e violência sim bólica qu e se estabelece. O resu ltad o d esse p rocesso é a

usada para me referir à prática jurídica, a qual apenas toma o Código como mandamento, aplicando-o, forçosamente, sem a menor reflexão, mesmo em casos que exigiriam uma diferente posição. Assim como os jornalistas, os Advogados recebem uma educação que privilegia a técnica, a instrumentalização. Os valores são reproduzidos, mas não explicados, o que gera os conflitos.

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36 form ação/ introjeção no im aginário social d e u m p ad rão d e norm alid ad e acerca do que seja “notória idoneidade”.39

Levand o em conta o caráter p ersu asivo d essa escolha, o qu al d eterm inará os ru m os d os ju lgam entos, ap roveito o m om ento p ara lançar algu m as sem entes acerca d o d ebate sobre a p articip ação fem inina no jú ri. Som ente na d écad a d e 1970 hou ve u m a abertu ra p ara qu e as m u lheres com eçassem a fazer p arte d o corp o d e ju rad os. Entretanto, essa p articip ação é aind a lim itad a. Segu nd o consta no art. 342 d o Cód igo d e Processo Penal, tod as as m u lheres qu e p ossu írem algu m a d ificu ld ad e d e conciliar su as tarefas d om ésticas com o serviço d o jú ri estão isentas d o com p rom isso com a Ju stiça Penal. Isto, p ara Tu benchlak40, abre esp aço p ara se qu estionar se a p ossibilid ad e

d e p articip ação d as m u lheres trata-se d e u m d ireito legítim o ou d e u m p seu d od ireito, cam u fland o a d iscrim inação qu e aind a recai sobre elas. Ap esar d e não constitu ir m eu objetivo a realização d e u m a análise d as p eças d o Processo Penal d estacad o nesse m om ento, não p osso d eixar d e d estacar qu e, nos Processos a serem m encionad os na tese, há u m a p resença qu ase insignificante d as m u lheres no corp o d e ju rad os, o qu e confirm a, em certo sentid o, a tese d o au tor.41 Essa p osição em relação à figu ra fem inina

é signo d o p reconceito qu e aind a incid e sobre a m u lher, o qu al p arece ser aind a m ais evid ente no âm bito ju ríd ico. A p articip ação fem inina não som ente com o ju rad a, m as em cargos d e chefia nos tribu nais d o p aís d em onstram bem o lim ite im p osto p ela bip olarização d os sexos, em bora su a p articip ação em ou tras áreas já se faça p resente. Vejam-se, p or exem p lo, nos tribu nais. O Su p erior Tribu nal Fed eral tem , som ente agora, a p rim eira p resid ente. Minas Gerais nu nca teve u m a m u lher na p resid ência d o Tribu nal d e Ju stiça ou no Ministério Pú blico. Talvez seja p ossível arriscar d izer qu e a Ju stiça, d e tod as as institu ições, seja u m a d as qu e m ais resistem à atu ação fem inina.

39 STRECK, 2001: 100. 40

--- N ão acred ito qu e isso se d eva ao “d esp rep aro” intelectu al ou à aceitação p or p arte d a socied ad e, m as, sobretu d o, ao argu m ento falacioso d e qu e a fragilid ad e fem inina torna as m u lheres m ais vu lneráveis e instáveis nas su as d ecisões e, p ortanto, incap azes d e julgar e emitir sentenças aceitáveis pela sociedade.

Um ou tro p onto qu e d eve ser avaliad o com cu id ad o refere-se ao fato d e qu e, no Brasil, os crim es contra a p rop ried ad e são p assíveis d e u m a p ena m aior qu e aqu eles contra a p essoa.42 Send o assim , não é d ifícil im aginar p or qu e os resu ltad os d os

ju lgam entos tanto nos su rp reend em . Ap esar d e se im aginar qu e ap enas os ju rad os são resp onsáveis p or d eterm inad os vered ictos absu rd os, é p ossível observar, a p artir d a leitura da obra de Streck, que as leis precisam também de uma reformulação.43

Tal necessid ad e p od e ser observad a em casos d e grand e rep ercu ssão em nossa socied ad e com o o seqü estro d o em p resário Roberto Med ina, qu e p rovocou m u d anças em relação a este tip o d e crim e, e o assassinato d e atriz Daniela Perez, qu e ocasionou ou tras m u d anças significativas. Em am bos os casos as leis foram m od ificad as em virtu d e d a p ressão realizad a p ela socied ad e, aliás, d a p ressão realizad a p or u m a d eterm inad a p arcela d a socied ad e. Com isso, p od e-se d ed u zir qu e os tip os d e p enas têm u m a relação d ireta com os bens ju ríd icos qu e as cam ad as d om inantes d a socied ad e p retend em ou não p reservar. Para casos d e crim es d e colarinho branco e congêneres, p or su a vez, as m u d anças ocorrem d e form a m orosa, já qu e elas não interessam às elites.

Com o se vê, os conflitos gerad os p ela p rática d o d ireito no Tribu nal d o Jú ri d evem ser encarad os não ap enas com o d ecorrentes d o corp o d e ju rad os, m as tam bém e, sobretu d o, com o d ecorrentes d a d ogm ática ju ríd ica qu e p erm ite os excessos e a

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Isto pode ser confirmado nos próximos capítulos, nos quais serão apresentados dados mais concretos acerca da participação feminina no júri.

42 Para saber mais sobre o assunto, ver MENEZES: 1993. 43

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38 p erp etu ação d o d iscu rso d as classes d om inantes. Isto p orqu e, em d ecorrência d o caráter altamente ritualístico do júri, o papel dos jurados fica apagado.

Discorrend o sobre o ensino nas facu ld ad es d e Direito, Streck afirm a qu e a falta d e p esqu isa contribu i com a p erp etu ação e rep rod u ção d e u m d iscu rso d a lei, d a verdade.44 O ensino, p ara o au tor, ap enas rep rod u z o conteú d o d os cód igos, o qu e

im p ed e a reflexão e, conseqü entem ente, as m u d anças. As p etições, os p areceres e as sentenças são rechead os d e conceitos sem sentid o, já qu e se estabeleceu no p aís u m a cu ltu ra ju ríd ica m od elo, oferecid a p elos m anu ais d a área. Assim , o contexto sócio- histórico-político-id eológico no qu al estão inserid os os atores ju ríd icos não é consid erad o, salvo no caso d e crim es contra algu m m em bro d a elite, obviam ente. O d iscu rso d a d ogm ática ju ríd ica, com su as fórm u las p rontas, na m aioria d as vezes sem sentid o, fu nciona, então, com o argu m ento d e au torid ad e, o qu e faz seu s enu nciad os serem aceitos sem restrição e questionamento pela sociedade.

Observem os o segu inte fragm ento d o d iscu rso p roferid o p elo Ad vogad o d e Defesa, em um dos julgamentos já mencionados:

[...] m as, nad a d isso é im p ortante, senhores, nad a d isso é relevante se com p ararm os esta conceitu ação valorativa d e u m hom em com o qu e os au tos m ostram , com o qu e os senhores ou viram aqu i, d esd e a m anhã d e hoje, sobre as qu alid ad es com o ser hu m ano, com o p ai, com o esp oso, como filho (grifo nosso). Isto sim, senhores, deve ser destacado[...].45

Com o se vê, o Ad vogad o u sa a id éia d e “bom filho”, “bom esp oso”, “bom p ai” em sua argumentação a fim de persuadir os jurados acerca de um determinado ethos do acusado.

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1.3 – Os atores na mise en scène do Tribunal do Júri

[...] o sujeito é apenas um efeito de linguagem.

Roland Barthes.

Através d e u m d eterm inad o u so d a lingu agem , os atores ju ríd icos constroem e reconstroem valores e im agens, criand o sentid os e interferind o no d estino d os “hom ens com u ns” no Tribu nal d o Jú ri. É ju stam ente p or isso qu e se p od e observar u m termo, à p rim eira vista sim p les, ad qu irind o u m valor d e verd ad e. Essa verd ad e resu ltará d e u m ju lgam ento coletivo, rep resentad o p elos Ad vogad os ou p elo Ju iz, p or exem p lo, com o id eal d a op inião d e u m nú m ero m aior, visto p elo conju nto d a coletivid ad e. As rep resentações sociais acerca d e tu d o qu e rem ete à form ação d os servid ores d a Ju stiça e faz p arte d e seu cotid iano estarão p resentes na tribu na,