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N ão qu ero ter a terrível lim itação d e qu em vive ap enas d o qu e é p assível d e fazer sentid o. Eu não: qu ero é u m a verdade inventada.

Clarice Lispector.

Ao refletir acerca d e u m a terceira d im ensão d a argu m entação voltad a p ara u m u so m ais d em onstrativo d o d iscu rso, entend o-a a p artir d e u m a acep ção d e logos relacionad a à razão, aos elem entos d em onstrad os, aos p roced im entos, enfim , à p ossibilid ad e d e d em onstração no d iscu rso. Isso não im p lica, com o já exp u s nos itens anteriores, a inexistência d e algo d a ord em d o racional nas ou tras d im ensões, m as sim qu e a dimensão demonstrativa, ju stam ente p or seu caráter m ais p alp ável e, até m esm o m ais técnico, seria o lu gar p or excelência d o u so d e estratégias m ais d em onstrativas,

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--- qu e não d ep end eriam tanto d o su jeito no sentid o em qu e elas já existem independentemente de sua vontade.

Evid entem ente, o su cesso d a p ersu asão está associad o à p erform ance d o orad or, p ois nad a garante qu e seu s objetivos sejam alcançad os ap enas p ela apresentação d e elem entos técnicos e p or u m a elaboração m ais lógica d e seu d iscu rso. As p rovas d ocu m entais, os testem u nhos, os lau d os d e p erícias, os resu ltad os d e necrop sias, entre ou tros, fariam p arte d esses elem entos qu e serviriam p ara fu nd am entar essa d im ensão. A isto se acrescenta u m a organização d iscu rsiva p au tad a em d ed u ções e ind u ções. O u so d e tais recu rsos d eve ser aliad o àqu eles u sad os nas ou tras d im ensões no intu ito d e alcançar os objetivos visad os. N esse sentid o, em bora se tenha constru íd o, ao longo d e nossa história, u m a im agem d a argu m entação com o d ep end ente d a razão, este asp ecto m ais racionalizante seria ap enas u m a d e su as faces e não a sua totalidade, como se apregoou por muito tempo.

Ao refletir acerca d os p ossíveis itens lexicais ou exp ressões qu e p od eriam servir p ara nom ear o qu e estou consid erand o com o terceira d im ensão d o d iscu rso argu m entativo, tive grand e d ificu ld ad e em op tar p elo term o “d em onstrativa”, em d ecorrência d e su a estreita relação com a d ivisão p ostu lad a, d esd e Aristóteles, entre argumentação e demonstração. Todavia, não farei uso dessa palavra nesse sentido, pois não a tom arei com o algo lógico e m u ito m enos enxergarei a constru ção d o d iscu rso argu m entativo com o algo d a ord em d o raciocínio form al e lógico, o qu al p rioriza a constru ção d a verd ad e. Entend o-a aqu i com o relativa a algo p assível d e d em onstração, d e com p rovação e m esm o d e confirm ação. E, aind a, com o algo qu e se p od e “[...] d ar a conhecer; fazer ver; m ostrar [...] m anifestar; ind icar; revelar [...] p rovar; confirm ar; evidenciar [...]”250.

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156 Desse m od o, em relação ao Tribu nal d o Jú ri, tu d o qu e se refere às “p rovas técnicas” e a u m a constru ção d iscu rsiva qu e p rivilegie a d ed u ção e a ind u ção faria p arte d os recu rsos u sad os na constru ção d os d iscu rsos qu e levam em conta essa dim ensão. Estariam inclu íd os nesse terreno, p or exem p lo, a argumentação por analogia, a

argumentação pelo exemplo, os topoï. É p reciso d estacar qu e não d esconsid ero o fato d e

qu e em tip os d e argu m ento com o os citad os haveria algo relativo as d u as ou tras dimensões.

Aristóteles já definia o logos como ligado à demonstração:

“3- Entre as provas fornecidas pelo discurso, distinguem-se três espécies: umas residem no caráter moral do orador; outras nas disposições que se criaram no ouvinte; outras, no próprio discurso, pelo que ele demonstra ou parece demonstrar (grifo meu).”251

Desse m od o, essa p rova com p artilharia com a d em onstração d e elem entos ligad os à lógica e convenceria p or si e em si m esm a, ind ep end entem ente d as circu nstâncias e d o tip o d e interação. Em u m a situ ação d iscu rsiva d e Tribu nal d o Jú ri, u m lau d o p ericial, qu e p ossu i elem entos p assíveis d e serem com p rovad os e m esm o evid ências, às vezes não facilm ente contestáveis, p od e não convencer o ou tro ou p od e até ser d esconstru íd o p or argu m entos p atêm icos. N esse sentid o, não com p artilho d a id éia d e qu e o logos convenceria p or si m esm o, p ois os su jeitos e as circu nstâncias certamente têm um papel decisivo na dimensão demonstrativa da argumentação.

N o Tribu nal d o Jú ri, em bora os su jeitos p ossam se valer d e recu rsos em ocionais e p ossam constru ir im agens p ositivas d e si m esm os e d os ou tros, eles d evem tam bém d em onstrar seried ad e, até m esm o u m a certa cientificid ad e, a qu al p od e ser m u ito m ais am p arad a p elos recu rsos u sad os nessa terceira d im ensão252. Isto lhes p erm ite constru ir

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ARISTÓTELES, 1998: 33.

252 Evidentemente, não descarto a possibilidades de a credibilidade ser alcançada por meio de outros

--- u m d iscu rso m ais voltad o p ara o “convencer” qu e p ara o “p ersu ad ir”. H á, aind a, ou tro asp ecto, d efend id o p or Aristóteles, em relação às p rovas técnicas qu e d iz resp eito ao fato d e qu e elas não p erm item ao orad or criar, u m a vez qu e ind ep end em d ele. Entretanto, é p reciso d estacar qu e o filósofo se refere ao fato d e qu e as p rovas existem e não são inventad as. Isto p orqu e, certam ente, d e p osse d elas, o su jeito p od e u tilizá-las d e acord o com seu s interesses. Mesm o os anteced end o, as p rovas p od em ser e são usadas na construção de uma tese ou como demonstração de uma verdade.

Desse m od o, se a dimensão patêmica se d etém no tratam ento d a em oção e a d im ensão d as imagens de si e do outro se d ebru ça sobre a constru ção d esse olhar sobre si e sobre o ou tro, a dimensão demonstrativa p riorizaria u m a organização m ais técnica e m esm o m ais racionalizante d o d iscu rso argu m entativo. Ela se volta, então, p ara essas p rovas técnicas qu e não p recisam ser criad as, qu e existem e são reconhecid as não necessariam ente p elo u niverso d e crenças d o su jeito, m as p or seu u niverso d e conhecimento253. Isto não im p lica qu e o su jeito seja im p ed id o d e criar a p artir d elas.

Além d o m ais, essa d im ensão p rioriza u m tip o d e constru ção argu m entativa ligad a à d ed u ção e à ind u ção qu e levaria em conta os d ois tip os d e conhecim ento d o su jeito, uma vez que os topoï não repousam apenas em conhecimento, mas também em crenças.

N o âm bito d a d ecisão ju ríd ica, o d ever d a p rova é tam bém d ecisivo, em bora a p ersu asão seja d e fu nd am ental im p ortância, p ois ela cond u z a avaliação a p artir d a patemização e da construção de imagens.

Finalm ente, é p reciso d izer qu e ao refletir sobre essa inter-relação existente na constru ção argu m entativa, a m etáfora d os p latôs, d esenvolvid a p or Deleu ze, p areceu - m e ad equ ar-se bem a esse p rocesso. Ao se referir à organização d e seu livro Mille

determinadas interações, é preciso fazer uso da emoção. Isto porque, como bem afirma Paperman (1995), em determinadas situações, a ausência total de emoção pode ser lida como uma ofensa.

253 As noções de universo de conhecimento e universo de crenças são usadas no sentido conferido a elas

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158 Plateaux, em entrevista conced id a a Christian Descham p s d o jornal Libération, o filósofo

d iscorre acerca d a im agem d os “p latôs”, os qu ais ele consid erou com o u m conju nto d e anéis qu ebrad os qu e p od em p enetrar u ns nos ou tros: “Cad a anel, ou cad a p latô d everia ter seu clim a p róp rio, seu p róp rio tim bre”.254 Esse m isto d e fecham ento e d e

abertu ra d e cad a p latô; essa esp écie d e singu larid ad e e d e interp enetração m ú tu a reflete bem o qu e p enso acerca d as três d im ensões d o d iscu rso argu m entativo. Assim com o os p latôs, cad a u m a d as d im ensões p ossu i vid a p róp ria, m as com u m a via d e acesso em d ireção às ou tras. Elas p od em tanto se u nir, em u m p rocesso d e intercessão, form and o u m tod o d e sentid o; qu anto se sep arar, d em onstrand o su a ind ep end ência. Enfim , as três d im ensões estão ligad as, d ep end ente e ind ep end entem ente ao m esm o tempo.

Entend o qu e essa d ivisão d o d iscu rso argu m entativo em três d im ensões rep ete, em u m p rim eiro olhar, a d ivisão d a retórica aristotélica acerca d as p rovas extrínsecas (ethos, pathos e logos), porém acredito que mais que tipos de provas, esses três elementos se referem a d im ensões enu nciativas d istintas. Tais d im ensões seriam fru to d e p rocessos d e d iscu rsivização d iferentes, m as em constante relação. Além d isso, é p reciso consid erar na análise d o d iscu rso argu m entativo qu e cad a u m a d as d im ensões é constitu íd a d e d eterm inad as visées e, evid entem ente, qu e recu rsos argu m entativos diversos são engendrados pelos sujeitos.

Desse m od o, p or u m a qu estão m etod ológica essas d im ensões foram ap resentad as sep arad am ente, p orém elas estão interligad as, m esm o qu e haja em algu m a circu nstância a p rep ond erância d e u m a ou d e ou tra. Se em u m a circu nstância p od eria haver a p rep ond erância d a d im ensão d a construção das imagens, em ou tra p od eria haver o d estaqu e d a dimensão patêmica ou d a demonstrativa. O qu e d eterm ina tais relações p ossíveis, a m eu ver, não se restringe a qu estões form ais, m as está

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--- intim am ente ligad o a qu estões situ acionais, à id entid ad e d os su jeitos, ao u niverso d e crenças e d e conhecim ento d esses su jeitos e d aqu eles com os qu ais eles estão interagindo.255

Por fim , a p artir d essas consid erações, a análise p retend id a d o corpus d a tese p ercorrerá u m cam inho p or u m a via m acro, referente às d im ensões e u m a via m icro relativa aos recu rsos lingü ísticos e sem ióticos. É fu nd am ental d estacar, aind a, qu e tom arei com o p onto d e p artid a a hip ótese d e qu e a dimensão patêmica seria determinante de toda a organização da argumentação no Tribunal do Júri.

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PARTE III