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2.6 A EDUCAÇÃO SUPERIOR – CONTEXTO POLÍTICO, ECONÔMICO E

2.6.2 Ações Afirmativas no Brasil

O debate sobre políticas de ação afirmativa no Brasil é relativamente recente. Somente a partir de 1990 o diálogo acerca da implantação de ações afirmativas tem se tornado mais expressivo, alcançando espaço nos meios de comunicação de massa e rodas de discussão. A partir da III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, realizada em 2001, em Durban, África do Sul, na qual o Brasil posicionou-se favorável a políticas públicas que beneficiem grupos historicamente discriminados, o tema ganhou maior repercussão social (OLIVEN, 2007).

As ações afirmativas são políticas de inclusão especiais e temporárias, tomadas ou determinadas pelo Estado, de forma espontânea ou compulsória (ESTACIA, 2009), previstas com o objetivo de garantir a inclusão das minorias em áreas fundamentais da vida humana, como educação e trabalho (BERTOLIN; BENEDITO, 2013). Atualmente, as ações afirmativas podem ser definidas como:

Um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero, por deficiência física e de origem nacional, bem como para corrigir ou mitigar os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego (GOMES; SILVA, 2011 p. 94).

Por definição, devem ser adotadas por um período de vigência determinado, enquanto perdurarem as condições que justificaram sua criação (APRILE; BARONE, 2008). Essas políticas objetivam garantir igualdade de oportunidades e de tratamento, bem como compensar perdas provocadas por discriminação e marginalização, decorrentes de motivos raciais, étnicos, religiosos, sociais, econômicos, de gênero e outros.

A partir da Constituição de 1988, o debate sobre ações afirmativas foi intensificado e a constitucionalidade destas questionada. Fundamentado no artigo 5º, caput, cláusula pétrea

da Constituição Federal, o princípio da igualdade assevera que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Ao afirmar a igualdade, estabelece-se o direito formal de tratamento igualitário, contudo, a proclamação jurídica por si só é insuficiente para reverter o quadro social brasileiro, dado que o histórico da sociedade brasileira é marcado por um longo período de escravidão e o status de inferioridade e de discriminação dos grupos sociais continuam sendo reproduzidos. A Constituição não se limita a proibir a discriminação. Ela permite também a utilização de medidas que possibilitem uma implementação efetiva da igualdade material (BARBOSA, 2005). Rompendo com o mero estabelecimento da igualdade formal, o artigo 3º do texto constitucional admite a existência de uma desigualdade material a ser combatida (GRAMPA, 2013), determinando entre os objetivos da República brasileira a erradicação da pobreza e da marginalização; a redução das desigualdades sociais e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, sendo as ações afirmativas condutas ativas por meio das quais se busca promover a igualação.

Para o alcance desses objetivos, a atuação ativa do Estado é requerida e as ações afirmativas visam propiciar a efetiva igualdade de oportunidades a que todos os seres humanos têm direito (BARBOSA, 2005). Voltadas à garantia da concretização do princípio constitucional da igualdade material, as ações afirmativas têm como objetivo não apenas coibir a discriminação, mas, sobretudo, eliminar os “efeitos persistentes” da discriminação do passado, cujos reflexos são manifestos nas imensas desigualdades sociais existentes em nossa sociedade (BOLONHA; TEFFÉ, 2012). Esses autores argumentam que, embora formalmente assegurado constitucionalmente, não foram dispostos mecanismos capazes de garantir efetivamente tal direito à igualdade.

Bolonha e Teffé (2012) apontam que, permeadas por debates doutrinários em relação ao princípio de igualdade, nos últimos anos, as ações afirmativas têm oferecido tratamentos positivos diferenciados, por meio de leis infraconstitucionais, políticas públicas e projetos, visando promover a igualdade fática entre os cidadãos. As ações afirmativas fundamentam-se na máxima de que se deve tratar de forma desigual os desiguais, na exata medida de suas desigualdades.

As ações afirmativas podem ser implementadas por meio de diferentes modalidades e técnicas, tais como sistema de bônus, incentivos fiscais, estabelecimento de preferências (BARBOSA, 2005), porém, no cenário brasileiro, as ações afirmativas estão representadas essencialmente nos programas de cotas, por meio de medidas que contemplam,

prioritariamente, a inserção social de grupos minoritários com histórico de exclusão (étnicos, raciais e deficientes), adotando a reserva de vagas (GUARNIERI; MELO-SILVA, 2007).

A partir de 2001, em algumas universidades públicas foram introduzidas cotas raciais e de renda, e a política de ações afirmativas foi adotada por algumas universidades federais (SENA, 2011). No âmbito das universidades, as cotas sociais e raciais significam a efetivação de uma discriminação positiva, capaz de ampliar a diversidade cultural, racial e social nas instituições de ensino (BOLONHA; TEFFÉ, 2012). Enquanto as cotas e as políticas de ação afirmativa são vistas como medidas compensatórias, na compreensão de alguns autores, outros reconhecem nessas ações a possibilidade de políticas de inclusão social e a oportunidade de dar enfoque à questão racial. O debate sobre as ações afirmativas é antagônico e complexo. Uma das críticas mais comumente apresentadas refere-se à falta de clareza no Brasil para definição de “afrodescendentes” em virtude de raça ser uma construção social ideológica (FACEIRA, 2009). Pautados pelo princípio da igualdade de oportunidades na competição entre indivíduos, as políticas de ações afirmativas estão fundamentadas na desigualdade de tratamento apenas como meio de restituição da igualdade (MOEHLECKE, 2009).

Bolonha e Teffé (2012) assinalam que as universidades públicas brasileiras vêm se posicionando favoravelmente à adoção de diretrizes de admissão sensíveis à raça e à condição financeira do cidadão. Apontam que, no ano de 2012, pelo menos 56 instituições públicas já utilizavam o sistema de cotas como ação afirmativa, traçando e delimitando internamente as regras, seja por lei ou por resolução universitária.

Com o mesmo objetivo de reparação das desigualdades, em caráter de ação afirmativa, por meio da Lei 12.711, publicada em 29 de agosto de 2012, foi assegurada a reserva de vagas para acesso das minorias às instituições federais de ensino. Obrigando uma reserva de 50% das vagas em instituições federais às cotas, de forma similar ao ProUni, a política contempla estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. Dessas vagas, metade é reservada a alunos com renda familiar per capta igual ou inferior a 1,5 salário mínimo e a outra metade independe da renda. As cotas raciais são diferentes em cada Estado, pois são proporcionais à composição étnico-racial verificada pelo IBGE, e devem incidir sobre a totalidade das vagas reservadas às cotas (50%). Essa proporção étnico-racial é dividida entre pretos, pardos e indígenas; nenhum segmento étnico/racial pode ficar sem reserva de cotas (BRASIL, 2012).

No caso das instituições de Ensino Superior privadas, a definição política do Governo Federal para a eliminação das desigualdades se deu pela criação do ProUni, que opta

por expandir o acesso ao ensino superior mediante utilização de vagas que se encontravam ociosas nas IES privadas. O discurso do governo é de que buscam a democratização do acesso ao ensino superior e correção das desigualdades via ação afirmativa, entretanto, na opinião de alguns estudiosos do tema, a medida se configura para as minorias como um benefício ao invés de um direito (GRAMPA, 2013; CATANI et al. , 2006), e para as IES privadas como mais uma intervenção do governo em favor das elites dominantes.