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4. RESULTADOS

4.3 ANÁLISE DOS DADOS

4.3.7 Categoria: Manifestações intergrupais

4.3.7.4 Discriminação

Considera-se discriminação com uma ação ou comportamento negativo e injustificado (PROUDFORD; NKOMO, 2006; ARONSON; WILSON; AKERT, 2002) de um indivíduo que cria, mantém ou reforça vantagem para alguns grupos e seus membros em relação a outros grupos e seus membros (DOVIDIO et al. 2010).

Na convivência entre grupos de status diferentes, como é o do contexto desse estudo, na tentativa de manter vantagem para o endogrupo discriminações em relação ao exogrupo podem ser manifestas. De forma similar a constatada por Souza (2011), a serem questionados acerca de ocorrências de discriminações no ambiente acadêmico, a maioria dos alunos prounistas entrevistados afirmam nunca terem sido discriminados ou testemunhado discriminações. Na percepção de P12M-FM, “[...] O aluno prounista, não sofre discriminação por isso. Eu acho que sofre mais, entre aspas, discriminação um aluno bagunceiro do que o prounista”. A opinião de P12M-FM, contraditória às percepções dos outros alunos anteriormente relatados, é de igual modo compartilhada por três dos quatro professores entrevistados, que também acreditam não ocorrer situações de discriminação em relação a esses alunos.

Contudo, embora representem uma minoria, PROF 01 e alguns alunos referem terem testemunhado situações discriminatórias. Enquanto NP5M-FM alivia ou banaliza uma ação tão grave, dizendo achar “[...] que tem um ‘quezinho’ de discriminação, porque, enfim... ele não está pagando... Ele estuda com o meu dinheiro”, expressão que inclusive revela seu desconhecimento em relação ao Programa ProUni; de forma oposta, PROF 01 afirma que já

viu “[...] de monte” alunos serem discriminados e já testemunhou também alunos reagindo. Em seu depoimento, P6M-IM que é a única pessoa entrevistada que relata ter sido vítima de discriminação direta, descreve uma situação em que ao encostar-se involuntariamente em outra pessoa “[...] ela ficou extremamente irritada porque eu encostei

nela e saiu do banheiro xingando. Ela falou: ‘Ai que nojo’ e saiu do banheiro. Então assim, para mim foi extremamente constrangedor né, eu fiquei assim, atônita”. Diante da evitação de contato e da utilização de linguagem insultuosa, a aluna se viu hostilizada e exposta a um constrangimento público, como se possuísse uma doença contagiosa, que pudesse ser transmitida no toque. A aluna é afetada em sua autoestima, mas se afasta emocionalmente do contato com a realidade do preconceito manifesto. Utilizando-se de um mecanismo de negação da gravidade do ato, P6M-IM questiona se a discriminação existe realmente ou se é

mera impressão sua, ao dizer que “[...] sensação a gente tem [de ser discriminada], eu não sei se é porque a gente já se sente um pouco... né... ou se realmente há [discriminação]”. Embora não haja indicativo algum de que a outra pessoa soubesse de sua identidade de prounista, ela acha que sim. A sensação descrita por P6M-IM, de acordo com Goffman (1988), constitui-se um marca de indivíduos que possuem uma identidade deteriorada, uma vez que eles tendem a ter as mesmas crenças sobre identidade que os “ditos normais” têm. A aluna manifesta sua percepção da discriminação existente quando refere-se a uma amigo que

[...] sempre sente essa... porque no caso dele, além de prounista ele é discriminado pela questão da raça, então ele sofre mais por isso. Então, vira e mexe ele me conta alguma coisinha que ele sentiu, mas assim, como eu falei, é tudo muito velado.

Nas expressões “além de prounista” e “sofre mais” fica evidente que a condição de prounista é percebida como de valor mais negativo e que há um sofrimento emocional na experiência de confronto com o exogrupo, que tem uma percepção negativa em relação a ela e/ou a seu grupo de pertença.

Na opinião de P11M-FM, as discriminações ocorrem de forma pontual, mas não são prática comuns, são “[...] tão poucas pessoas”. Diferentemente de P6M-IM que foi vítima de discriminação, P8H-FM percebeu-se discriminado de forma indireta ao presenciar uma situação em que um professor “[...] discutiu com uma aluna. A aluna tinha razão [...], mas todos os argumentos da aluna foram desqualificados, porque ela era do ProUni”. P8H-FM relata que o posicionamento de outros alunos foi argumentar: “Você sabe como essa gente do ProUni é”, comentário configura-se uma generalização, pois desconsidera a individualidades desses alunos e atribui-se ao grupo características iguais (ARONSON; WILSON; AKERT, 2002). Esse episódio foi repetido por P7H-FN, P8H-FM, NP4M-FN, o que denota não tratar- se de uma impressão particular do aluno, mas de fato concreto que manifesta que deixou-se de

olhar a aluna individualmente, sendo atribuída a ela característica do grupo, visto como negativo, estereotipada e indigna de crédito (HOGG; TERRY, 2001).

Se os estereótipos são formados, se há preconceito e discriminação, há sempre os agentes por meio dos quais eles se manifestam. Os apontamentos já discutidos nesta categoria evidenciam que, embora não se constitua uma maioria, alunos não prounistas tornam-se agentes de preconceitos e discriminações, que tornam a permanência dos alunos bolsistas do ProUni na IES mais árida e sofrida, impedindo o pleno gozo de uma experiência de inclusão.

PROF 01 afirma que os alunos “[...] são estimulados a discriminar”, tanto pela

estrutura física (salas mais apertadas em virtude da entrada dos alunos prounistas) como por professores, indicando que estes também são agentes da discriminação e do preconceito, o que é percebido por alunos. Com diferentes conteúdos, cada recorte de falas relativas aos professores evidenciam distintas formas de agirem ou expressarem suas opiniões pessoais em sala, capazes de fomentar animosidade entre grupos de alunos, conforme destaques.

E: Estimulados por quem? P: Eu acho que pela estrutura, por conta disso, porque fica muito claro. Eu trabalho num curso que a gente tem problema de espaço físico, de estrutura física. Se eu falo que eu vou por cinco alunos a mais significa que eu vou apertar a sala cinco cadeiras a mais. Então, há um estimulo estrutural (PROF 01).

Ele chega depois [prounistas], e eles [os outros alunos] são estimulados também pelos professores (PROF 01).

Eu tive só um professor só, que era extremamente elitista. Ele fazia a chamada e perguntava pelo sobrenome das pessoas, se conhecia tal pessoa... se tal pessoa era amigo, e... a gente viu que, no final do semestre essas pessoas ganhavam pontinhos (P1H-IM).

Foi um professor que era totalmente contra o ProUni e ele falava isso abertamente na sala. Então eu ficava meio receoso, mas no sentido de não querer discutir com o professor determinadas coisas, então eu preferia ficar calado, entendeu... mas tirando esse caso... (P10H-FN).

Alguns professores que me perseguiam, mas mais relacionado à condição social, o de XXX por exemplo, o de XXX, que era terrível, acho que só. Esses dois são terríveis. É. Acho que são só esses dois mesmos (P7H-FN) Teve um professor, eu acho que foi esse semestre, que estava falando sobre a diferenciação da IES antes e agora, e disse que aqui antes era muito barato e atualmente a IES é muito cara, e segundo entendimento dele, por causa da quantidade de bolsas. Bolsa de esporte, bolsa daquilo. Aqui tem bolsa para tudo, então quem sai pagando acaba sendo... De algum lugar tem que vir o dinheiro, e acaba sendo de quem não é bolsista (P9H-FM).

Sendo a academia um espaço de formação e aprendizagem, onde se obtém conhecimento, presume-se que os professores sejam referências para a formação dos alunos. Formadores de opinião e com o domínio da palavra, aqueles que deveriam ensinar do direito à igualdade, sensibilizar sobre as causas sociais e o direito constitucional, acabam utilizando

esse espaço para estimular negativamente os alunos. Proudford e Nkomo (2006) assinalam que o preconceito e discriminação têm se institucionalizado nas organizações e na sociedade. Ainda que seja percebido mais como exceção do que como regra, preconceito e discriminação têm se manifestado no ambiente acadêmico, fazendo como que o acesso à educação e a apropriação do benefício concedido por direito aos alunos prounistas não seja plenamente desfrutado. Conforme apontado por Taylor e Moghaddam (1994), na dinâmica intergrupos há um grupo dominante lutando para manter-se no status de condição superior, enquanto o outro busca alcançar alguma mudança de status, a fim de aprimorar a identidade grupal para uma condição superior. Na relação entre alunos prounistas e não prounistas essa luta se estabelece, pois cada um dos agentes que participam dessa dinâmica contribui para que a inclusão/exclusão se efetive, sendo que os estereótipos e as manifestações de preconceito e discriminação só colaboram para efetivação da exclusão, da qual o programa ProUni objetiva retirá-los.