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4. RESULTADOS

4.3 ANÁLISE DOS DADOS

4.3.4 Categoria: Obstáculos do Caminho

4.3.4.2 Restrições Materiais

Desafiando os próprios limites, com garra e determinação pessoal, esses alunos correm atrás da realização do desejo de obter uma formação superior, aproveitando a oportunidade única de acesso a uma universidade de boa qualidade, em curso reconhecido no mercado, é perceptível no discurso de grande parte dos alunos entrevistados, uma disposição em pagar o preço e superar os obstáculos, como afirma P12M-FM, “[...] ainda que a gente passe um pouco de aperto, vale a pena pela qualificação que a gente vai ter”.

Verifica-se que, por força do determinante econômico, os alunos acabam vivenciando dificuldades outras, havendo restrições financeiras até mesmo para necessidade mais básica como a alimentação. Observa-se que no campus da IES estudada existe uma ampla variedade de franquias que vão desde lanchonetes multinacionais, restaurantes, cafeterias e até esmalteria, estabelecimentos aos quais alunos prounistas não têm acesso, ocorrendo assim uma exclusão econômica. Conforme argumenta P1H-IM, na “[...] X (outra IES privada), que

é a X, tem bandeijão. Você paga R$ 6,00 e você come. Se nós formos comer aqui por perto o almoço mais barato é R$ 12,00 por dia, e não é aquelas coisas. A média é R$ 16,00 por dia”, de forma que, não havendo nenhuma política de ajuda a esses alunos, a possibilidade de sobrevivência dentro do campus fica limitada. Sem recursos para custeio alimentar dentro do

campus, os alunos precisam trazer a própria alimentação de casa ou se organizar para

alimentar-se em casa.

[...] a alimentação, se eu quiser comer por aqui, é tudo na marmita, ou não come. Come um lanche, traz de casa (P11M-FM).

Então, eu não me incomodo muito... No ano passado eu até comprava lanche aqui. Esse ano eu passei a trazer de casa para economizar um pouco (P2M - IM).

Mas, eu não sei que tipo de atitude poderia ser tomada para que esses alunos se sentissem mais confortáveis nesse ambiente [...]. Vale lembrar que as coisas aqui dentro, também, são bem caras, então... [...] Talvez, quem se sinta incomodado por essas situações e essas diferenças normalmente, chegando aqui, provavelmente, vai se sentir um pouco incomodado, se chatear com esse tipo de coisa (P2M-IM).

Então, eu sempre procurei estágio de quatro horas para poder fazer tudo em casa, então alimentação em si eu supria fazendo em casa, então dá pra conciliar (P9H-FM)

Sendo a alimentação uma necessidade básica para a sobrevivência, não havendo, portanto, outra opção a não ser supri-la, e bem ou mal, esses alunos o tem feito, mas não sem certo grau de desconforto, devido à falta de políticas públicas mais abrangentes, que cubram de forma efetiva as necessidades dos bolsistas do ProUni.

O local de moradia também é um quesito importante, que funciona como fator de inclusão ou de exclusão do aluno. Morar perto da instituição implica custos de aluguel, enquanto para aqueles que moram longe acarreta desgastes físico e emocional, além de restringir as oportunidades de convivência. A distância da residência em relação ao campus foi apontada como uma das principais dificuldades por alguns alunos. “Meu primeiro obstáculo é morar longe, então pra conseguir vir para a faculdade, eu acordo 4h30 [...] é toda uma saga até chegar na faculdade ” relata P11M-FM, opinião compartilhada por P7H-FN, quando diz que “[...] a distância é o pior, Itapecerica da Serra é muito, muito longe”. Embora economicamente possa ser a opção mais viável para essas famílias, ou a única opção, há prejuízos sociais e mesmo profissionais decorrentes da distância que o aluno está da faculdade. P11M-FM sente que a distância a impede de participar de atividades sociais que possibilitariam maior interação com os outros alunos, e diz que “[...] às vezes eu saio [com os colegas de curso], mas não é muito. Como eu moro longe da faculdade, fica difícil para eu vir aqui nos finais de semana”. P12M-FM optou por deixar de estagiar, abrindo mão dos valores

financeiros que lhe seriam importantes, devido ao tempo que gasta para deslocar-se até sua residência; isso indica que seu local de moradia torna-se um impedimento de acesso a outras atividades, “[...] acho que pra mim hoje [a maior dificuldade] é não poder conciliar trabalho com a faculdade. Pra mim é isso, porque acabou faltando dinheiro”, portanto é um fator de exclusão.

Outra dificuldade relatada principalmente pelas alunas prounistas, é referente à falta de recursos para a aquisição de livros. As queixas são de que infelizmente “[...] os livros não caem do céu. Nada aqui para a gente se manter” (P12M-FM), e que, embora a “[...] biblioteca daqui seja ótima, mas, alguns livros atualizados não tem. Então, pela dificuldade financeira eu não conseguia adquirir esses livros” (P11M-FM). Quer emprestando de amigos, solicitando doação, recorrendo ao sacrifício familiar, como expressaP6M-IM, os pais fizeram “[...] tudo

o que eles podiam em fazer, em relação a livros... Se há uma necessidade eles dão um jeito”, ou o que é mais comum, ou renovando constantemente na biblioteca, esses alunos conseguem driblar essas barreiras. Contudo vivenciam um sentimento de privação, uma vez que, por necessidade ou por desejo, não podem adquiri-los, conforme apontado por P12M-FM

[...] você tem que se apertar... ou tira xerox, que não [pode].... tem que fazer isso, ou comprar o livro, se não for muito caro. Eu tive que comprar alguns, mas eu gostaria de poder comprar mais. Eu acho bonito ter livro [ri].

As expressões “[...] nada aqui cai do céu para a gente se manter”, se “[...] não for muito caro” (P12M-FM), “[...] eles dão um jeito” (P6M-IM) utilizadas anteriormente manifestam que toda a manutenção durante o curso é difícil, sendo exigidos esforços a fim de superar os obstáculos financeiros. Faltando recursos financeiros para o que é básico, consequentemente esses alunos estão privados também da participação em cursos extracurriculares, intercâmbios e viagens que impliquem em custos e lamentam ficarem excluídos, conforme queixas a seguir.

[...] a faculdade divulga alguns cursos que eu não posso pagar, então eu acabo ficando de fora (P5M-IN).

A IES disponibiliza vários intercâmbios, mas você precisa comprar a passagem de avião, você precisa se manter quando você está lá, entendeu... não tem a bolsa integral disso, e por não ter essa integralidade, para mim não dava (P11M-FM).

Dificuldades para custear matérias, transportes e alimentação foram indicadas como as principais restrições vivenciadas pela maioria dos alunos pesquisados por Santos (2012).

Verifica-se que a falta de recursos materiais implicam desgaste emocional, que, vivenciado ao longo de todo o curso, tornam a trajetória de formação mais longa e mais desgastante.

4.3.4.3 Implicações emocionais

Embora durante toda a formação seja requerido um aproveitamento acadêmico de 75% (setenta e cinco por cento), sob pena de perda da bolsa, os alunos prounistas entrevistados não apontam desempenho como um peso ou dificuldade, exceto nos primeiros semestres, isso, muitas vezes, em função da chegada tardia e do processo de adaptação. Para a convocação dos alunos prounistas são publicadas duas chamadas, duas listas de espera e posteriormente feita a oferta de vagas remanescentes. Na primeira lista, as vagas não são todas preenchidas, pois nem todos os convocados preenchem os prerrequisitos do Programa. Alguns não se enquadram no critério de renda, outros não apresentam a documentação exigida pelo MEC e há ainda casos de convocados que deixam de comparecer para a matrícula. Sucessivamente são reconvocados novos candidatos, até que as vagas sejam completamente preenchidas, sendo a última lista de espera divulgada quase dois meses após o início das aulas. Por problema estrutural do Programa, o calendário do ProUni é uma das dificuldades impostas e que acarreta dificuldades outras para esses alunos (inclusive com implicações para o processo de inclusão/exclusão desses alunos, aspecto que será abordado posteriormente), tornando o período inicial do curso mais difícil conforme evidenciado na comunicação dos alunos:

[...] o aluno prounista já entra um pouco atrasado, e aí, como deu esse problema, eu entrei mais atrasado ainda. Então eu tive alguns problemas nesse sentido, para me adaptar a essa correria, entendeu... Mas, tirando isso foi tranquilo (P10H-FN).

[...] desempenho dá pra acompanhar. No começo foi um pouco difícil acho, mas agora já dá pra levar [...] No começo eu estudava muito mais, porque eu me sentia insegura, mas eu estudei numa escola boa assim... [...] (P12M-FM).

[...] O primeiro semestre foi terrível. Cheguei a perder a bolsa inclusive. Eu só fui me recuperar mesmo no terceiro, eu pegava todas as DPS, aí o pessoal da minha sala passou a estudar junto... grupos de estudo, aí ficou melhor. E melhorou o desempenho realmente [...] (P7H-FN).

Os recortes apresentados evidenciam que o início do curso é um período mais crítico para esses alunos, em que várias situações de dificuldades são vivenciadas, quer de adaptação ao ritmo do curso, temor de não conseguir acompanhá-lo e das disciplinas pendentes (DPs) que põem em risco o benefício da bolsa conquistada ao longo do tempo, essas dificuldades vão sendo superadas, permitindo que cheguem ao final do curso.

Ainda que muito se fale sobre a defasagem de formação dos alunos provenientes da escola pública (LEITE, 2009; SOTERO, 2009; SANTOS, 2011, OLIVEIRA et al. , 2012), mais do que o desempenho, autocobrança e o desejo de superação impõem um preço emocional a ser pago pelos alunos prounistas, que se sentem responsáveis e agentes da própria história, que avança por um caminho árduo.

Dado que a educação formal constitui-se uma das mais importantes vias de mobilidade social, e que a qualificação educacional é essencial para que se alcance posições de prestígio em nossa sociedade (RIBEIRO, 2006), esses alunos consideram estudar na IES uma oportunidade ímpar e sentem-se atribuídos de um peso maior do que o dos outros alunos, sabida a importância que concluir o curso tem para eles, e manifestam esse peso em suas falas.

[...] a maioria dos alunos do ProUni, eles estão entre os melhores da sala. Porque a gente tem essa cobrança interior: “Nossa eu estou aqui dentro [...] numa faculdade que a faculdade de Direito custa R$ 1.400,00, e eu não estou pagando por isso, e é uma das faculdades top de linha de São Paulo, só fica atrás...” Aliás, nem fica atrás de X e Y. Então, a gente tem essa cobrança sabe, de fazer por merecer mesmo (P5M-IN).

Aspecto negativo... [dá uma pausa]. Acho que a pressão que a gente coloca em nós mesmos. A gente tem que ir bem... A gente tem que ir bem... Essa pressão eu não sei se pode ser caracterizado como um aspecto negativo: A gente tem que se esforçar na vida normal e muito mais aqui (P1H-IM).

Eu gosto de estar aqui, eu fico feliz, mas eu ainda tenho aquele sentimento de que eu tenho que lutar mais. Não é simplesmente estou aqui. É aquele sentimento, eu preciso continuar aqui. Então, a gente fica um pouco apreensivo, para não pegar DPs, não pegar notas ruins. O sentimento é esse (P1H-IM).

Você não pode esquecer nem um dia que você tem que lutar mais do que as outras pessoas, não importa o quanto elas lutam porque o seu caminho é muito maior que o delas (P1H-IM).

[...] a gente tem que batalhar mais ainda para permanecer na faculdade do que eles, porque é difícil... não é fácil não (P12M-FM).

Como denotam as experiências até aqui apresentadas, do ingresso até a conclusão do curso, um árduo caminho foi percorrido e após superarem todos esses obstáculos, alguns alunos dos semestres finais entrevistados já obtiveram aprovação no Exame da Ordem dos Advogados e expressam um sentimento de vitória. Eles denotam ter consciência de que é uma luta que terá ainda continuidade, mas para a qual, conforme a expressão usada por P9H-FM, pelo menos em termos “[...] de conteúdo que a faculdade ensina para advogar, matéria de direito profissional, não tenho do que reclamar, me considero capaz de combater... disputar uma vaga com qualquer aluno da X, da Y ou de qualquer outro”. Percebe-se pelas expressões utilizadas pelos alunos entrevistados que num país de extrema desigualdade social como o Brasil, no qual rígidas barreiras sociais estão firmadas, o sentimento desses alunos é de que estão em uma “batalha”, que necessitam “lutar”, mas que saem da graduação “capazes de

combater”, significando que as armas foram obtidas. Diante da grande distância social que está posta e tendo em vista o ambiente competitivo que enfrentarão no mercado de trabalho, é realmente necessário lutar aguerridamente para superar os obstáculos e obter uma qualificação profissional, importante fator de inclusão social.

A condição social dos alunos prounistas e todas as restrições financeiras dela decorrentes constituem-se obstáculos que dificultam a trajetória acadêmica, porém o desejo de alcançar melhor status e obter um aprimoramento pessoal funciona como um “motor” para as ações e para a superação destes. As falhas estruturais do programa, principalmente no que se refere ao calendário e à falta de políticas que estendam a assistência prestada ao aluno para além da bolsa, principalmente nos períodos iniciais do curso trazem implicações sociais e emocionais para esses alunos, que travam uma luta contra a realidade social que está posta e contra as desigualdades e tornam-se agentes da história.