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Comportamentos excludentes e experiências de exclusão

4. RESULTADOS

4.3 ANÁLISE DOS DADOS

4.3.8 Categoria: Experiência de Exclusão

4.3.8.1 Comportamentos excludentes e experiências de exclusão

Ao abordar as estratégias institucionais de exclusão do aluno prounista apenas dois alunos prounistas se posicionaram, sendo a falta de políticas assistenciais (P12M-FM) de ajuda a eles o único aspecto indicado. De acordo com P9H-FM, o “[...] aluno bolsista aqui, a única coisa que ele tem direito é ali [usar da estrutura física e assistir aula]. Direito de entrar na faculdade, direito de usar os livros, tudo... mas não além”. Aponta a falta de apoio para qualificação em línguas estrangeiras, considerando que existe um centro de línguas dentro da IES e que poderiam permitir que por “[...] uma taxinha de R$ 50,00 [...]. Eu acho que seria mais isso, para ajudar esse aluno a se preparar”, porém esse acesso não é concedido. Subjacente à fala desses alunos prounistas parece haver uma noção de que o “outro”, seja IES ou Governo, têm que fazer algo para melhorar a condição deles.

Ao falar sobre diversidade, NP2M-FM reclama que a IES não proporciona “[...] um espaço para você discutir sobre isso, falar com a universidade”, e considera que o ambiente se tornará mais excludente uma vez que a IES está“[...] tirando os espaços de convivência dos alunos para colocar lanchonetes”, percebendo que a exclusão é mais ampla, abrangendo a todos, prounistas e não prounista.

PROF 01 argumenta que, devido ao despreparado de coordenadores e professores,

para lidar com “[...] situações excludentes” que ocorrem dentro da IES “[...] não são tomadas ações rápidas”, o que seria resolvido se a IES fornecesse qualificação aos seus profissionais; em não havendo, a percepção de exclusão é aumentada. Sua fala é endossada por NP4M-FN ao relatar sua opinião de que a formação de grupos no período inicial do curso e que se torna um fator que contribui para a exclusão e discriminação, teria danos reduzidos se houvesse intervenção institucional e dos professores, conforme relata:

Se os professores, a faculdade, ficassem mais atentos, naquele período mais propedêutico, você corrige vícios que depois você não conserta mais. Esse negócio que eu estou te falando dos feudos, eu acho uma coisa muito grave. Não deveria ter acontecido, mas aconteceu. E depois de estabelecido você não muda mais. Os professores deveriam exercer, e isso é papel do professor, criar mecanismos de interação (NP4M-FN).

Os indivíduos são motivados a pertencer a grupos positivamente avaliados; por meio de comparações estabelecem o valor e status relativo de cada grupo e determinam o valor e

status que tem ser membro de tal grupo (TAJFEL, 1972). De acordo com o modelo dos cinco

estágios de Taylor e McKirnan (1984) apud Taylor e Moghaddam (1994), nas relações intergrupais as ações dos grupos em vantagem visam manter o status de valor positivo de seu grupo, enquanto as estratégias comportamentais daqueles que pertencem a grupos em desvantagem, objetivam mudar a condição para um grupo de status mais positivamente

avaliados. Hogg e Terry (2001) assinalam que quando uma pessoa passa a ser percebida como membro do grupo a qual o indivíduo pertence (endogrupo), este será percebido em sua singularidade; porém quando percebido como diferente (exogrupo) será também visto como mais homogêneo. Por essas dinâmicas serem reproduzidas nas relações entre prounistas e não prounistas, a intervenção inicial dos professores, a fim de evitar a formação dos grupos e promover uma maior interação entre esses alunos, no momento inicial possibilitaria a redução dos conflitos intergrupais posteriores. Essas formações são feitas porque são feitas classificações baseadas nas similaridades e diferenças entre eles, que agirão com favoritismo em relação ao próprio grupo.

Em sua fala, PROF 03 confirma a falta de ação institucional e manifesta sua crítica ao dizer que “Não se implanta uma política nova sem trabalhar o corpo que vai lidar com as pessoas. Então, não houve uma preparação, o pouco que nós temos atuado é por acreditarmos, não temos uma ferramenta, não temos um trabalho de... [qualificação]”. A falta de ações mostra que não há uma atenção para as interações entre grupos diversos, ou para a promoção da inclusão, e sim uma inserção desses alunos da IES, de forma que cada um age por seus próprios valores, não havendo uma atenção da instituição para a promoção de um ambiente inclusivo.

Da parte institucional as menções de ações excludentes se restringem às acima apontadas, porém a IES não é a única agente de exclusão. Na fala de P6M-IM, a aluna refere que “[...] da parte de professor e funcionário, acho que não [houve exclusão]. Nunca senti nenhuma diferença”, o que sugere perceber que a exclusão existe, mas que vem de outros agentes, os outros alunos. Acerca do aluno como agente, NP4M-FN diz “[...] ter que insistir na questão da divisão em grupos”, da mesma forma P9H-FM afirma que em sua sala “[...] sempre foram os grupinhos fechados”, e assim, complementa PROF 01, se “[...] eles chegam um mês depois, eles não têm grupos, aí eles formam grupos entre eles, e você começa a ter um processo de exclusão que é feito pelas circunstâncias” ou, conforme indicado por P11M-

FM, quando solicitam a entrada nos grupos existentes “[...] você é colocada num grupo, pior

ainda, porque é um grupo fechado e as pessoas não estão nem aí para você”.

Uma estratégia considerada de “exclusão agressiva” é relatada por PROF 01, na qual as “[...] salas fizeram mecanismos físicos de exclusão [...] de não deixar incluir o fulano”, na qual, a despeito da tentativa de alguns professores de “[...] desarticulação [...] não fomos vitoriosos” e, por ser “[...] uma sala, a sala não ia mudar de ideia. Então eles [os alunos prounistas] saíram da sala”. Essa ocorrência traz como agravante o fato de não ser uma ação de um indivíduo ou de uma “[...] minoria que exclui”, conforme aponta P6M-IM, mas sim

coletiva, uma sala toda assumindo uma atitude discriminatória e excludente institucionalizada na sala. Conforme modelo dos cinco estágios proposto por Taylor e McKirnan (1984) e apresentado por Taylor e Moghaddam (1994), em geral, as relações sociais ocorrem entre dois grupos com alguma diferença de status entre eles; no caso citado, a resignação dos alunos prounistas, que solicitaram ser trocados de sala, demonstra que tanto o grupo em vantagem como o em desvantagem consideram a estratificação. Os autores apontam que é próprio aos integrantes de grupos em desvantagem imputar a si mesmos a reponsabilidade por estar em posição inferior, portanto, caberia a eles resolver a questão, tomando a resolução de mudar de sala.

Estando o conceito de inclusão-exclusão relacionado com à participação do indivíduo tanto em processos formais, como o acesso a informações e a canais de tomada de decisões (MOR BARAK, 2005), aponta-se como outra forma de exclusão que se dá no ambiente estudado a privação do aluno prounista do acesso a informações. Ainda de acordo com PROF

01 “[...] uma representante, passou um semestre inteiro e não cadastrou o e-mail de nenhum aluno do ProUni. Tudo o que você mandava de informação eles nunca recebiam”. P11M-FM relata sua percepção de privação de acesso a informações pelo fato de gabaritos de respostas de provas já aplicadas serem compartilhadas por e-mail somente para os grupos majoritários, e não para os outros grupos.

Outra situação indicada por NP1H-IN, na qual

[...] acaba gerando aquela exclusãozinha natural... [...] vai ter um bota fora. Vamos? Você sabe que o cara não tem. Mas vamos lá... O cara não vai falar: Meu, eu não tenho R$ 120,00. Mas ele acaba simplesmente não indo, mas não é porque a gente exclui.

Uma situação provavelmente não será considerada como de exclusão “natural” por aquele que é vítima dela. As condições socioeconômicas díspares criam barreiras e exclusão financeira, mas na percepção de PROF 01, a “situações agressivas” não se dão só em relação à recursos financeiros, também ocorrem “[...] com o prounista: Ah, ele não fala inglês. Eu não quero no meu grupo. Ele não tem isso... ele não... Eu já ouvi isso: fulano nem convida pro churrasco, porque ele não vai ter condições de ir”. As passagens indicam que duas dimensões de diversidade, a condição social e a qualificação pessoal, são apontadas como características distintivas entre os grupos e em virtude dessas diferenças percebidas as situações de exclusão ocorrem.

Os dados aqui obtidos mostram que as experiências pessoais de exclusão relatadas pelos alunos prounistas não são muito enfatizadas em seus discursos, são mais descritas como ocorrências casuais, de um grupo minoritário que não dá abertura para relacionamentos, com o sentimento de privação da liberdade de expressão e com a distância geográfica entre a residência e a IES que impedem envolvimentos em atividades sociais e acadêmicas, conforme indicado a seguir.

Então, ela assim... Ela [colega de sala não prounista e elitista] coloca uma grande barreira entre ela e as amigas delas para mim e a outras pessoas da sala. Ela é uma pessoa elitista, ela em específico. Extremamente elitista. Então, acho que exclusão, só esse fato (P1H – IM).

Às vezes você mora muito longe para poder ir... a IES disponibiliza grupos de estudo aos finais de semana [pequenos grupos, que se encontram regularmente para aprofundar discussões sobre temas de interesse comum a todos]. É uma coisa maravilhosa (P11M-FM).

Há determinados grupos que excluem [...] você vai lá tentar falar com ela, ela passa a informação e já começa a falar com as outras pessoas e você fica meio deslocado e acaba saindo fora [...] pelo menos por enquanto, eu não sei assim, com o passar do tempo, talvez por não se conhecerem ainda muito bem, esses grupos ficam extremamente fechados (P6M-IM).

Com aquela turma nem tanto [não se sente à vontade]. Às vezes eu quero fazer uma pergunta e eu espero pra perguntar no final da aula (P11M-FM). Eu imagino que ocorram casos de exclusão aqui, mas eu não me sinto bem a dizer sobre isso, porque comigo não aconteceu e eu também não conheço com quem tenha acontecido (P3H - IN).

Mor Barak (2005) propõe que o senso do indivíduo de ser participante do sistema no qual está inserido se constrói com base no modo como experiência e percebe suas posições em relação aos outros grupos sociais predominantes. Porém, chama-se aqui a atenção para o fato de que os relatos de situações de exclusão apontados são feitos principalmente por professores e por alunos não prounistas, que de alguma forma as banalizam, enquanto os alunos prounistas tendem a minimizar as situações de exclusão, ignorando ou racionalizando- as. Considerando que a percepção dos professores é mais abrangente, uma vez que eles passam por diferentes salas, e de que, pelo menos em um caso específico, o professor está na instituição desde o lançamento do Programa, o que lhe confere uma ampla visão dos fatos relacionados à dinâmica de interação entre prounistas e não prounistas, é possível que alguns dos alunos prounistas entrevistados, principalmente aqueles que estão nos semestres iniciais, não tenham realmente experienciado, presenciado ou mesmo tomado conhecimento das situações de exclusão aqui relatadas, ou ainda que as tenham experienciado, mas não as reconheçam ou confiram importância às situações vivenciadas.

Ao pensar na subjetividade da experiência desses alunos, não há como desconsiderar o sofrimento decorrente de ser tratado como inferior e de como o sofrimento pode afetar o corpo e a alma daqueles em condições menos favoráveis (SAWAIA, 2006). Portanto, é possível que alguns alunos prounistas entrevistados não tenham vivenciado experiências como essas relatadas, porém cabe também considerar que para um aluno implicado e vítima da exclusão o contato com essas situações podem ser racionalizadas, a fim de não tomarem contato com parte do que ocorre ao redor, para melhor alcançar o objetivo da formação.

Embora a exclusão possa ocorrer de forma institucional, da parte de professores e dos colegas, o próprio aluno prounista pode ser agente de auto exclusão, pois, conforme apontam Abrams, Hogg e Marques (2005), ao nível intrapessoal (autoexclusão), esta ocorre quando o aluno cognitiva e emocionalmente não considera a possibilidade de se incluir em outros relacionamentos e opta por manter certo afastamento do grupo. Dos doze alunos prounistas entrevistados, cinco deles são mais retraídos, referem não engajarem-se em atividades fora de classe, alguns se relacionam com poucas pessoas e não demonstram interesse em ampliar a rede de contatos. PROF 02 consideraP3H-IN “[...] menos incluído [...] acho que porque ele não é daquela sala, ele está fazendo adaptação, então as pessoas também não conhecem muito, então ele não é muito inserido”.

P2M-IM diz que não se envolve em atividade fora de sala ainda, vai para casa

estudar após a aula e tem dificuldades para se ambientar, mas que:

Ao mesmo tempo eu também não me importo tanto assim, sabe? Eu percebo que todo mundo está muito junto, mas não é o que me incomoda.

P6M-IM relata esquivar-se de envolvimento em algumas atividades, porque:

Eu acho que até em parte... A gente nem faz muito esforço pra ir, porque a gente tem essa sensação de que vai ficar meio de canto.

P8H-FM relata que:

Eu queria entrar na Atlética, porque eu tinha essa ideia de: vou fazer a faculdade, não vou ir à faculdade. Mas eu vi que era uma coisa muito fechada. É aquela coisa, eu venho para a faculdade sete e meia, meio-dia e meio (sic), tchau, não tem aquela coisa...

Analisando os relatos de P6M-IM e P8H-FM acima apontados utilizando o modelo dos cinco estágios da dinâmica intergrupos propostos por Taylor e McKirnan (1984), e apresentado por Taylor e Moghaddam (1994), fica evidenciado que ambos estão no primeiro nível, pois expressam a percepção de que as relações intergrupais dentro da IES são

estratificadas; e por isso não consideram que a inclusão seja possível, uma vez que percebem que o status de cada grupo está rigidamente estabelecido e por isso atribuem a si mesmos a escolha de ficar em posição inferior.

P10H-FN não se envolve em outras atividades da IES e adotou a estratégia de unir-

se aos outros prounistas, criando dentro da sala um espaço deles, conforme relata:

Quando eu cheguei, no primeiro dia... no primeiro dia, teve uma questão assim, é... De união dos prounistas, se fosse ver dessa forma... Todos sentam ali, mais ou menos naquela região.

Ao adotar estratégias de isolamento, de formação de guetos entre iguais, não buscando ampliar o espaço de convivência, esses alunos tornam-se agentes da própria exclusão.