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4. RESULTADOS

4.3 ANÁLISE DOS DADOS

4.3.6 Categoria: Nós e Eles

Nesta categoria são discutidas as percepções dos alunos prounistas e não prounistas acerca de quais as categorias distintivas de seus grupos de pertença, que estereótipos possuem acerca de seus outgroups, bem como a percepção dos professores entrevistados acerca de ambos. Com essa análise, busca-se verificar as dimensões de diversidade nas quais os alunos prounistas se reconhecem e são reconhecidos. Uma vez que o objeto do presente estudo é o ProUni e que a experiência acadêmica dos bolsistas do Programa é o foco, os alunos prounistas são considerados “Nós”, enquanto os alunos não prounistas são “Eles”.

Considera-se relevante discutir as categorizações que prounistas e não prounistas fazem uns dos outros, uma vez que os comportamentos dos grupos embasam-se nelas (HOGG; TERRY, 2001). Por meio da utilização de categorias como "Nós" e "Eles", são delimitadas fronteiras e determinados aspectos são relevantes para distinguir quem pertence ou não a determinado grupo, de forma que os membros do outgroup foram percebidos como mais homogêneos e os do ingroup como mais heterogêneos.

A autoimagem descrita pelos alunos prounistas volta-se especialmente para o desempenho, aspecto para o qual consideram possuir características distintivamente mais positivas. Cientes de que chegam à IES com um “[...] maior déficit educacional”, consideram- se “[...] bons alunos”, com “[...] maior predisposição para aprender”, “[...] maior empenho e seriedade”, mais “[...] focado, estudiosos” e que obtêm “[...] notas altas”. As falas desses alunos expressam um desejo de superação e um senso de que compete a eles mudar a própria história e conquistar posições de maior prestígio. Dizem que “[...] se cobram mais”, “[...] correm atrás do que querem”, ou seja, “[...] querem estar entre os melhores” e “[...] aproveitar mais o curso para se destacar”, uma vez que “[...] não estão interessados só no diploma”. Embora solicitados a descrever o perfil do grupo de pertença, verifica-se em expressões como “[...] maior predisposição”, “[...] maior empenho”, um favoritismo ao ingroup manifesto via comparação. A comparação social constitui-se o meio pelo qual o indivíduo obtém avaliação da posição e status por ele ocupado perante o grupo, possibilitando uma redução da incerteza e permitindo uma acurada auto avaliação (TAYLOR; MOGHADDAM, 1994).

A percepção dos alunos não prounistas entrevistados em relação ao perfil do aluno prounista encontra considerável convergência com a autoimagem descrita anteriormente. Há um reconhecimento por parte desse segundo grupo de que embora “culturalmente menos” preparados, realmente “[...] são ótimos alunos”, de forma que destacam quão “[...] batalhadores e empenhados” os percebem, consideram que “[...] são dedicados” e que “[...] a luta dos mesmos (sic) é maior”.

De igual modo, os professores também destacam o desempenho dos alunos prounistas e confirmam que “[...] a maioria está entre os melhores da sala”, que “[...] fazem os melhores trabalhos, levam o curso mais a sério e têm maior interesse por pesquisa”. Reconhecendo a existência de certo “déficit intelectual” antecedente ao ingresso na graduação, os professores endossam que esses alunos realmente desejam “[...] retirar da universidade aquilo que ela tem de melhor a proporcionar”.

Diferentemente do grupo de prounistas, que na descrição da autoimagem de seu grupo dá especial ênfase aos aspectos relativos ao perfil estudantil e ao desempenho, os alunos não prounistas entrevistados deram pouco destaque a esses aspectos ao descreverem o perfil do grupo de pertença. De forma sintética referem como distintividade “inteligência”, possuírem uma “[...] formação cultural mais abrangente”; consideram que “[...] estudam, mas que deixam para a última hora”, denotando menor empenho. De acordo com o estereótipo descrito pelos alunos prounistas “Eles” possuem “[...] nível intelectual mais elevado”, “[...] tiveram uma educação decente”, “[...] alguns estudam, enquanto outros levam com barriga”. De igual

modo, evidenciam uma percepção de alunos menos comprometidos com a formação, pois percebem que “[...] metade demonstra dedicação e vontade, enquanto a outra metade não o faz”. Os professores os consideram “[...] bons alunos, com potencial” e destacam que o tipo de “[...] comentários e articulações que fazem” são aspectos que distinguem os alunos não prounistas.

Se ao falar de si mesmos os alunos prounistas entrevistados destacam os aspectos relativos ao desempenho acadêmico, ao abordarem o perfil social trazem muito pouco acerca do ingroup e realçam as diferenças sociais existentes entre grupos, colocando em foco as características do outgroup. “Nós” “[...] somos de uma classe social diferente do perfil geral” e “[...] sem dinheiro”, enquanto “Eles” possuem

[...] boa condição financeira, são de classe média, sustentados pelos pais, têm oportunidades de viagens, maior bagagem cultural, não precisam ajudar em casa, podem comprar livros, [vivem em um] mundo diferente, ganham carros aos 18 anos.

A quantidade de aspectos mencionados e a forma como enfatizam as diferenças sociais existentes demonstra que a condição social é importante fator de distinção entre grupos. Os aspectos sociais, embora mais evidenciados pelos prounistas, foram destacados também pelos não prounistas. Acerca da própria condição social, “Eles” dizem que possuem “[...] um padrão social mais alto, que são sustentados pelos pais, se vestem melhor, são mais atraentes e não precisam trabalhar”. Os professores endossam essa última descrição acerca do perfil social do aluno não prounista e complementam que a maioria não trabalha e “[...] aqueles que trabalham, fazem estágios para aprender porque não precisam”, uma vez que são “[...] sustentados pelos pais, têm condições financeiras para ter carro, oportunidades de viagens, possuem uma bagagem cultural maior, falam duas, três línguas”. Essas descrições evidenciam que no estereótipo do aluno não prounista é dada maior ênfase à diferença social e não nos aspectos estudantis.

Considerando que o convívio com pessoas com maiores similaridades percebidas resultam em emoções e atitudes intergrupais positivas (TRIANDIS et al. , 1994), pressupõe- se que as dissimilaridades ressaltadas tragam com elas uma carga de emoções negativas que interferem nas interações entre os grupos, gerando sofrimento psíquico para o grupo em desvantagem. Ao tratarem dos aspectos comportamentais relativos a “Eles”, os alunos prounistas os descrevem como “[...] elitistas, egocêntricos, esnobes, preconceituosos, hipócritas, competitivos”, e que embora se mostrem “[...] educados”, “[...] sociáveis”, “[...]

receptivos” sejam “[...] pessoas que não distratam”, e “[...] alguns [sejam] solidários”, são “[...] abertos só em um primeiro momento, mas não para amizades”. Essas impressões evidenciam que a condição social é uma dimensão de diversidade percebida, que delimita fronteiras grupais e reduz a abertura para maiores interações.

Tantos os alunos prounistas como os professores ressaltam como característico dos alunos não prounistas o fato destes serem “[...] contra políticas públicas” e serem “[...] competitivos nos estudos”. Enquanto os prounistas consideram-se alunos que querem “[...] aproveitar mais o curso para se destacar”, têm a percepção de que “Eles” desfrutam de “[...] uma maior tranquilidade e menor peso ombros”, pois têm “[...] futuro certo”, “[...] têm mais contatos”, contam com “[...] suporte para a carreira” e “[...] querem manter as coisas como estão”. Na compreensão da teoria da Identidade Social, na dinâmica intergrupos, as relações se estabelecem mais por competição e busca de distintividade do que por cooperação, porque os membros do grupo desejam alcançar uma identidade para seu grupo que seja mais distinta e mais positiva quando comparada a de outros grupos (TAYLOR; MOGHADDAM, 1994). Enquanto os alunos prounistas, que em princípio possuem uma identidade social de valor menos positivo, buscam alcançar alguma mudança de status, a fim de aprimorar a identidade grupal para uma condição superior, percebem que os alunos não prounistas, que pertencem ao grupo dominante, desejam e lutam para manter o status de condição comparativamente superior, o que gera conflitos entre grupos.

Triandis et al. (1994) ressaltam que emoções positivas aumentam a probabilidade de interação e intimidade entre pessoas e grupos, o que aumenta a percepção de similaridade, de forma a criar um ciclo de autoreforço causal, que em casos de dissimilaridades trazem consequências inversas, gerando condições de distanciamento. A percepção de que os alunos prounistas mantêm certa reserva e distância em suas interações é consenso entre os três grupos entrevistados. De si mesmos, os prounistas dizem que são “[...] mais na deles”, “[...] nem todos se expressam”, possuem um “[...] comportamento mais controlado”, “[...] se apropriam menos do espaço”; percepção endossada pelos alunos não prounistas quando dizem que são “[...] introvertidos, não se soltam, não se expõem, acuados com as diferenças sociais”, opinião ratificada pelos professores que percebem um “[...] comportamento mais contido, reservado”. Embora manifesto por apenas um entrevistado (NP1H-IN), o estereótipo de que os alunos prounistas “[...] tiram vaga de quem estuda”, e que, por não prestarem o vestibular da IES “[...] têm uma vantagenzinha”, indica a opinião de que os alunos prounistas não estudam tanto quanto eles, que não há mérito pessoal na conquista da vaga e de que essas vagas não pertencem a eles.

Os alunos prounistas entrevistados consideram que comparativamente possuem “[...] direitos diferentes”, que o caminho por eles trilhado é mais difícil, pois pertencem a uma “[...] classe social diferente do perfil geral”, “[...] moram longe” e “[...] não têm dinheiro”, porém, consideram possuir uma “garra” que os distingue, pelo que driblam as dificuldades, “[...] juntam-se entre si”, “[...] trabalham e estudam ao mesmo tempo”, “[...] correm atrás” e “[...] dão o melhor” de si na busca reduzir as distâncias sociais que os separam não só dos alunos da IES, mas das classes sociais mais favorecidas. Jodelet (2006) argumenta que nas interações entre pessoas e grupos, os indivíduos colocam- se como agentes ou como vítimas. Diante de um ambiente no qual se percebem em condição social diferente do perfil social predominante, esses alunos valem-se do desempenho como meio de obter maior distinção positiva e aceitação nos grupos e um meio de instrumentalizarem-se para o exercício profissional e obtenção de melhores posições, uma vez que colocam-se como agentes da própria mobilidade social.

A partir dos conteúdos trazidos pelos alunos entrevistados acerca de seu grupo de pertença, o protótipo relatado pelo outgroup e a percepção dos professores já discutidos nessa categoria, foram criado perfis comparativos entre grupos, buscando-se as divergências e intersecções da imagem do endogrupo e do exogrupo, conforme expresso na Figura 1.

Figura 1: Composição dos conteúdos discursivos

Fonte: Elaborado pela autora.

As descrições da autoimagem dos alunos prounistas, as similaridades, ou denominadores comuns entre grupos, bem como os aspectos que os distinguem foram comparados conforme sintetizado no Quadro 5.

Prounista

Professor

Não

Quadro 5: Similaridades e diferenças “Nós” e “Eles”

Fonte: Elaborado pela autora.

Estando diversidade relacionada às diferentes categorias a partir das quais pessoas são agrupadas em função de denominadores comuns existentes entre elas (MOR-BARAK, 2005), ao pensar os alunos entrevistados nesta pesquisa buscou-se apontar as diferenças visíveis ou invisíveis percebidas entre grupos, uma vez que elas podem trazer consequências negativas ou positivas para eles. De acordo com Loden e Rosener (1991), as dimensões secundárias de diversidade existentes entre prounistas e não prounistas referem-se principalmente ao

background cultural, à classe social e às experiências pessoais. Uma vez que a diversidade de

classe social, fator mais enfaticamente apontado pelos alunos prounistas, secundariamente priva esses alunos de oportunidades de viagens, de engajamento em atividades sociais com outros alunos, reduz a possibilidade de acesso aos mesmos bens de consumo, a frequentar os mesmos ambientes sociais, ocorre significativa redução dos denominadores comuns entre grupos. Considerando a lógica do contato social e do pressuposto de que havendo uma maior interação entre pessoas ou grupos há também um aumento da atração entre eles, a conexão e a compreensão entre as pessoas (PETTIGREW, 1982 et al. MANNIX; NEALE, 2005), a condição de diverso implica uma menor interação social, estabelece fronteiras entre grupos, criando maiores distâncias entre “Nós” e “Eles”.