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O relatório final da 1ª Conferência Nacional de Saúde e Direitos da Mulher, de 10 a 13 de outubro de 1986 (sete meses após a 8ª Conferência Nacional de Saúde), demonstra que todas as propostas debatidas e para os quais foram formuladas políticas constam da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, de 2004, excetuando a saúde da mulher lésbica.

O movimento feminista fez um esquema estratégico ao realizar essa conferência temática num momento de ebulição política, já que se aproximava a

eleição da Assembleia Nacional Constituinte, que ocorreu em 15 de novembro de 1986 e todos os movimentos sociais, de então, preparavam-se para uma intervenção qualificada no Congresso Nacional, na expectativa de apresentar e aprovar suas propostas no texto constitucional.

A 1ª Conferência ocorreu apenas dois anos após a aprovação do PAISM, portanto, o indicativo é de que as propostas que constam da referida conferência, mas que não compuseram o programa, não encontraram correlação de forças favorável para tal.

Os movimentos de mulheres e os movimentos feministas demonstram a articulação da pauta que, diante das condições políticas favoráveis, em 1986, fizeram repercutir o conjunto das demandas de atenção integral a saúde da mulher incluindo a concepção, a diversidade e a organização dos serviços. Mais ainda, indicam que espaços como as conferências de saúde são qualificados para a produção e alinhamento políticos em torno de temas como a saúde da mulher.

Os temas discutidos na conferência da mulher foram: Assistência à saúde da mulher na perspectiva do sistema único de saúde; Direitos da reprodução humana; Aborto; Saúde mental da mulher; A mulher adolescente; A mulher e a velhice; Mulher, trabalho e saúde; Saúde e trabalho da mulher camponesa; Identidade feminina; Identidade da mulher negra; Identidade da mulher índia; Sexualidade feminina; Mulher, mãe de deficientes; e Mulher, saúde e cidadania.

Consta da abertura do relatório final que a Conferência Nacional Saúde e Direitos da Mulher, entre 10 e 13 de outubro de 1986, contou com a participação de 900 representantes de todos os estados e territórios da Federação, dos quais 549 credenciadas como delegadas, que trouxeram para o fórum de debate as propostas consolidadas nas pré-conferências realizadas em suas respectivas regiões.

A concepção posta para discutir as questões específicas da saúde da mulher discorreu sobre as condições de vida, trabalho e saúde na qual a mulher está inserida, com a

compreensão de que a saúde está associada a existência de um trabalho estável e condignamente remunerado, assim como moradia, educação, alimentação, saneamento básico e meio ambiente livre de contaminação. Saúde, enfim, passa a ser compreendida como o direito a uma vida digna e plena, sem discriminação de sexo, raça, idade ou classe social. [...] é, ainda possível verificar que devido a conjuntura de redemocratização do país, a demandas por mudanças

na estrutura econômica social e a superação das desigualdades é priorizada.(RELATÓRIO, CNSDM, p.7).

O texto sobre Assistência Integral à Saúde da Mulher na perspectiva do Sistema Único de Saúde estava altamente sintonizado com o momento político em favor da criação do SUS aprovado na 8ª CNS, tanto que a primeira proposta aprovada é o referendo as conclusões da 8ª CNS e

a necessidade de continuar lutando pela efetiva realização de uma profunda reforma sanitária no Brasil. Foram feitas propostas de funcionamento do futuro sistema e de democratização dos espaços constituídos junto ao INAMPS, como a CIPLAN – Comissão Interinstitucional de Planejamento e Coordenação na área de Saúde (instância federal); para onde se reivindicou a participação do Conselho nacional dos Direitos da Mulher, CGT, CUT, CONAN, CONTAG, UNE, Conselho das Igrejas, movimento popular de saúde, representação de movimentos autônomos de mulheres e entidades de trabalhadores de saúde. (RELATÓRIO, CNSDM, p.9).

No que tange à construção do SUS, no Relatório foram feitas propostas sobre financiamento e reforma tributário, planejamento e gestão, capacitação de recursos humanos para a implantação do PAISM e o SUS, controle social de políticas públicas (com a criação, em nível local, de Comitês de Defesa da Saúde da Mulher, que veiculassem as demandas e participassem do planejamento, implantação e execução dos programas, assim como da fiscalização dos serviços), incremento da atuação do Conselho da Condição Feminina e dos movimentos de mulheres com o Parlamento, acompanhando o que acontece nas comissões de justiça (e outras comissões), inclusive propondo projetos de lei, produção de medicamentos. Para as delegadas da 1ª CNSDM, a reforma sanitária deveria ser acompanhada das demandas e reivindicações das mulheres.

Um tema destacado no Relatório foi o trabalho da mulher – nesse período, o mundo do trabalho emergia num processo de organização sindical importante para o país e para a democracia. Na área da saúde ocupacional, a primeira demanda era proibir os testes de gravidez e apresentação dos certificados de esterilização, para ingresso nas fábricas (isso foi conquistado na Constituição Federal de 1988). Respeito à gestante e reorganização dos serviços de saúde em horários compatíveis com as jornadas de trabalho das mulheres. Essa demanda é reiterada até hoje, mas a gestão dos serviços de atenção básica a ambulatoriais pouco se movimenta na

integração entre os serviços e os trabalhadores. E a luta que já mobilizava todo país pelo direito a creche para a trabalhadora urbana e rural.

Sobre anticoncepção, planejamento familiar e controle da natalidade, diversos campos de ação foram esmiuçados e propostas apresentadas, como: estimular a produção nacional e distribuição, pela CEME, dos instrumentos de contracepção (anovulatórios orais, DIUs, diafragmas, geleias espermicidas, condons-camisinhas); proibir a experimentação de drogas contraceptivas e outras, que atentem contra a dignidade e a saúde física e mental das mulheres;

[...] reforçar o PAISM do Ministério da Saúde, a Resolução 12387 do INAMPS, pois constituem avançadas conquistas das mulheres. Para tanto, propõe-se uma mobilização vigilante das mulheres para que essas políticas: não sejam reduzidas a meros mecanismos de controle da natalidade. (RELATÓRIO, CNSDM, p. 10).

Ademais, a atenção para com a saúde da mulher em todas as fases de sua vida, contemplando apoio as seguintes áreas:

a saúde mental; a saúde ocupacional; os direitos reprodutivos e o tratamento da infertilidade; a prevenção do câncer e o autoexame das mamas; a saúde na adolescência; a saúde no climatério e na velhice; as doenças sexualmente transmissíveis. Uma concepção abrangente do planejamento familiar, no sentido do pleno exercício, por parte da mulher ou do casal, do direito de ter ou não ter filhos, aí incluindo o acesso à informação e a métodos contraceptivos, com o devido acompanhamento médico. (Relatório da CNSDM, p. 11).

As propostas aprovadas pela 1ª CNSDM em relação ao aborto demonstraram uma composição de forças progressistas no evento, pois indicaram o cumprimento da lei, a descriminalização e a legalização dessa ocorrência que agrava a saúde da mulher, consideraram o aborto como um problema de saúde pública; reafirmaram que o aborto não deve ser considerado como um método contraceptivo;

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O Instituto Nacional de Assistência e Previdência Social, através da Resolução 123/INAMPS, de maio de 1986, incorpora o PAISM na sua política de atendimento e amplia as formulações do Ministério da Saúde, acrescentando à concepção de atenção integral à saúde da mulher a necessidade de um atendimento amplo: "às especificidades da mulher, em todas as fases de sua vida, em todos os níveis institucionais, dos serviços próprios da Instituição (INAMPS), até os contratados e conveniados com terceiros". São considerados como riscos a que estão expostas as mulheres, os "oriundos do processo produtivo, do trabalho doméstico, do exercício da maternidade ou da exposição a quaisquer violências, tendo em vista assegurar a resolutividade do atendimento na sua abrangência médico-social". Propõe, ainda, a integração da mulher ao sistema, considerando-a “participante ativa das ações executadas, no âmbito dos cuidados perinatais, respeitando suas características sociais, culturais e psicológicas”. (BRASIL, 1986 apud MANDU et al., 1999)

demandaram a agilização dos processos ético-legais que autorizariam o aborto nos casos de gravidez resultante de estupro, como medida que executaria e viabilizaria a legislação vigente e a garantia plena de atendimento dos casos de aborto previstos na lei,88 por parte dos serviços públicos de saúde. As propostas de descriminalização e legalização não foram aprovadas na Constituição Federal de 1988, esse tema continua em disputa e ainda é fortemente defendido pelos movimentos feministas e combatido pelos setores conservadores da sociedade brasileira. Além disso, a 1ª CNSDM aprovou como ação fundamental fazer com que a sociedade conhecesse dos métodos contraceptivos existentes.

Sobre o planejamento familiar, a 1ª CNSDM indicava que a anticoncepção obedecerá aos seguintes critérios: respeito a liberdade de escolha; acesso a todos os métodos existentes, com orientação quanto a cada um deles; critérios de avaliação clínica e acompanhamento pelos serviços de saúde, antes, durante e depois do seu uso. Como nos dias de hoje, a demanda pela ação de medidas urgentes de controle das cesáreas compulsórias e indução ao parto foram destacadas.

Todas as temáticas mereceram atenção e planos de mobilização com a descrição das estratégias de implantação por parte dos municípios, estados e União.

O tema da “Identidade feminina”, muito subjetivo, perpassou todos os demais temas, no relatório, como se pode observar no seguinte trecho: “a identidade

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De acordo com o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, artigo 128, inciso II do Código Penal brasileiro, o abortamento é permitido quando a gravidez resulta de estupro ou, por analogia, de outra forma de violência sexual. Constitui um direito da mulher, que tem garantido, pela Constituição Federal e pelas Normas Internacionais de Direitos Humanos pelo ECA, no Capítulo I: do Direito à Vida e à Saúde, o direito à integral assistência médica e à plena garantia de sua saúde sexual e reprodutiva. Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes o código penal não exige qualquer documento para a prática do abortamento nesse caso, a não ser o consentimento da mulher. Assim, a mulher que sofre violência sexual não tem o dever legal de noticiar o fato à polícia. Deve-se orientá-la a tomar as providências policiais e judiciais cabíveis, mas caso ela não o faça, não lhe pode ser negado o abortamento. O Código Penal afirma que a palavra da mulher que busca os serviços de saúde afirmando ter sofrido violência, deve ter credibilidade, ética e legalmente, devendo ser recebida como presunção de veracidade. O objetivo do serviço de saúde é garantir o exercício do direito à saúde, portanto não cabe ao profissional de saúde duvidar da palavra da vítima, o que agravaria ainda mais as consequências da violência sofrida. Seus procedimentos não devem ser confundidos com os procedimentos reservados a Polícia ou Justiça. Caso revele-se, após o abortamento, que a gravidez não foi resultado de violência sexual, o Código Penal brasileiro, artigo 20, § 1º, afirma que “é isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima”. Assim, se todas as cautelas procedimentais foram cumpridas pelo serviço de saúde, no caso de verificar-se, posteriormente, a inverdade da alegação de violência sexual somente a gestante, em tal caso, responderá criminalmente pelo crime de aborto. (Normas e Manuais Técnicos do MS, Caderno n. 6, p. 68-69).

feminina é uma construção cujo processo se faz no dia-a-dia, desde a concepção até a morte, sendo, portanto, mutável e contínua... como dizia Simone de Beauvoir ‘não se nasce mulher, torna-se mulher’". (RELATÓRIO 1ª CNSDM, p. 29).

Desde a realização da 1ªCNSDM até a aprovação da Política Integral de Atenção à Saúde da Mulher, PNAISM, foram-se 18 anos, e a própria conferência, até hoje não contou com uma segunda edição, enquanto temas como saúde do trabalhador e saúde indígena já se encontram na 4ª edição.

3.5 A Política Nacional de Atenção Integral a Saúde da Mulher como Resultado