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O Conselho Nacional de Saúde (CNS) foi criado em 13 de janeiro de 1937, durante o governo de Getúlio Vargas, como órgão técnico e consultivo do Ministério da Educação e Saúde que debatia apenas questões internas à pasta, com a função de assessorar o ministro de Estado da Saúde, e continuou com as mesmas funções após a separação dos ministérios da Saúde e da Educação Pública, definida pelo Decreto no 34.347, de 8 de abril de 1954. Portanto, até 1990, a atuação do Conselho Nacional de Saúde (CNS) se restringia a colaborar com o gestor federal no estudo de assuntos pertinentes ao setor saúde.

Após a promulgação da Constituição de 1988, o Movimento pela Reforma Sanitária deu início à jornada pela regulamentação do Capítulo da Saúde. A Lei no 8.080, de 19 de dezembro de 1990, foi, então, elaborada com o objetivo de organizar as ações e serviços de saúde, consignados nas diretrizes do SUS.

Quando da publicação da Lei nº 8.080, 19 de setembro de 1990, o texto proposto inicialmente pelos dirigentes do Ministério da Saúde sofreu cortes. Mantiveram-se os itens relativos à descentralização dos serviços e à atenção integral, mas os referentes à participação da comunidade foram vetados pelo então presidente da República, Fernando Collor de Melo.

Uma grande mobilização da sociedade civil contra os vetos fez com que, em 28 de dezembro de 1990 – passados apenas três meses da publicação da Lei 8.080, de 1990, fosse publicada a Lei no 8.142, tratando especificamente: da participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde; das transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde; e da obrigatoriedade de o Poder Executivo apresentar relatórios de gestão aos conselhos de saúde.

No processo de mobilização social pela regulamentação do Capítulo da Saúde da Constituição Federal, o Movimento pela Reforma Sanitária havia conseguido estabelecer uma frente de negociação com o então ministro da Saúde, Alceni Guerra. Assim, antes mesmo da aprovação das Leis nºs 8.080/1990 e 8.142/1990, a composição do Conselho Nacional de Saúde foi alterada, possibilitando a entrada de representantes da sociedade civil no colegiado.

O resultado dessa negociação entre o movimento social e o governo se materializou na aprovação do Decreto nº 99.438, de 7 de julho de 1990, que

incorporava as decisões da 8ª Conferência Nacional de Saúde e da Constituição Federal e estabelecia novas atribuições para o Conselho Nacional de Saúde. Esse fato foi decisivo para superar os vetos descritos na Lei nº 8.080, de 1990, pois o CNS já estava reforçado com a participação popular.

A nova legislação fixou na composição do CNS representantes dos usuários, trabalhadores da saúde, gestores federais, estaduais e municipais e prestadores de serviço de saúde. Os usuários passaram a contar com 50% das vagas; os outros 50% seriam divididos entre trabalhadores, gestores e prestadores de serviço.

Nesse contexto, os conselhos gestores de políticas públicas, como o CNS, constituíram-se em “espaços públicos de composição plural e paritária entre Estado e sociedade civil, de natureza deliberativa, cuja função é formular e controlar a execução das políticas setoriais” (TATAGIBA, 2002, p. 54).

O Conselho Nacional de Saúde (CNS) passou a compor a estrutura do Ministério da Saúde e os conselhos e conferências previstos na Lei nº 8.142, de 1990, incorporaram o SUS na missão de formular, fiscalizar e deliberar sobre as políticas de saúde, e atua em questões que dizem respeito “à dimensão da cidadania, à universalização de direitos sociais e à garantia ao exercício desses direitos” (p. 54).

A participação popular organizada na área da saúde foi uma das propostas defendidas e aprovadas na 8ª Conferência Nacional de Saúde entre as ações consideradas primordiais, e foi aprovado que:

Para assegurar o direito à saúde a toda a população brasileira é imprescindível: [...] estimular a participação da população organizada nos núcleos decisórios, nos vários níveis [de governo], assegurando o controle social sobre as ações de estado. (BRASIL, 1986, p.8) No texto constitucional, a participação da comunidade está inscrita como uma das três diretrizes de organização do SUS:

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

Essa indicação de participação da comunidade na Constituição Federal, como dissemos, veio atender à proposta da 8ª Conferência Nacional de Saúde, que defendia o estímulo à participação da população organizada nos núcleos decisórios da saúde.

De 1990 a 2004, a atuação do Conselho Nacional de Saúde foi marcada: pela condução de quatro edições da Conferência Nacional de Saúde; pelo incentivo à criação de conselhos de saúde nos municípios e estados; pelo acompanhamento da Plenária Nacional de Saúde e estímulo à instituição de uma Plenária Nacional de Conselhos de Saúde; pela aprovação da Resolução no 33, de 1992, que democratizou a composição dos conselhos no país, incorporando o princípio da paridade (50% das vagas para usuários do Sistema Único de Saúde; 25% para trabalhadores da área; e 25% para gestores e prestadores de serviços).

As entidades que compunham o Conselho Nacional de Saúde nesse período reforçaram as ações pela democratização do controle social no SUS e dentro do próprio colegiado, buscando aumentar a participação de entidades da sociedade civil e dos trabalhadores de saúde nas decisões sobre as políticas de saúde.

Os anos 1990 foram marcados por muitos enfretamentos contra tentativas de desconstitucionalização do Sistema Único de Saúde. Em 1995, um projeto do governo federal, aliado à Reforma do Estado de 1995,40 propunha que, após o artigo 196 da Constituição Federal – no qual a saúde está assegurada como “um direito de todos e dever do Estado” –, fosse acrescentada a expressão “conforme a Lei”. Essa medida alteraria os quóruns de votação no Congresso Nacional para fazer

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Segundo Bresser-Pereira (2000), muitos foram os resultados positivos dessa reforma para a gestão pública “As principais mudanças legais previstas foram transformadas em leis: a reforma constitucional que ficaria chamada de ‘reforma administrativa’ foi aprovada praticamente na forma proposta pelo governo, flexibilizando o regime de estabilidade e terminando com o regime jurídico único; as agências reguladoras foram criadas e dotadas de autonomia previstas para agências executivas; foram definidas em lei e estabelecidas as primeiras organizações sociais destinadas a executar no setor público não-estatal atividades sociais e científicas que o Estado deseja financiar mas não quer executar diretamente; foi criado o regime de emprego público como alternativa ao cargo público quando não se tratar do exercício de atividade exclusiva de Estado; alterações substanciais na lei regulando o regime de trabalho dos servidores públicos foram introduzidas eliminando privilégios e distorções, os contratos de gestão e o conceito de indicadores de desempenho foram claramente definidos; e uma nova política de recursos humanos foi colocada em prática com ênfase no fortalecimento do núcleo estratégico do Estado e na realização de concursos anuais com pequeno número de vagas de reposição para as carreiras de Estado. Por outro lado, uma estratégia gerencial de administração – a gestão pela qualidade total – foi adotada e passou a ser consistentemente aplicada na Administração Pública Federal e em diversas administrações estaduais e municipais. Finalmente, o apoio recebido pela reforma junto à alta administração pública revelou uma clara mudança de uma cultura burocrática para uma cultura gerencial. Houve, assim, êxito nos três planos da reforma: no institucional, no cultural, e no da gestão.”

alterações na legislação da área da saúde, reduzindo a responsabilidade do Estado. Ao mesmo tempo, abriria a possibilidade de que o Executivo relativizasse o cumprimento dessa conquista social.

O CNS se posicionou contrário ao Plano Diretor da Reforma de Estado de 1995, proposto pelo governo FHC, por considerar que o projeto caminhava na contramão da diretriz de acesso universal aos serviços de saúde. Para Dowbor (2012):

As reformas do Governo de FHC avançaram com base no “expressivo fortalecimento do controle exercido pelo âmbito federal”, e as áreas sociais do governo nacional, nas quais se visava à redução de pobreza, foram submetidas a insulamento. (DOWBOR, 2012, p.201). Como se vê, a concepção neoliberal orientou o planejamento e a execução das políticas de saúde na década de 1990, em dicotomia ao descrito no art. 198, inciso III da Constituição Federal, que determina a participação da comunidade como diretriz de funcionamento do SUS. No entanto, a sociedade civil se manteve firme na luta em defesa da manutenção do SUS, conforme estabelecido na letra constitucional.

A partir de 2003, no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o diálogo entre os movimentos sociais e a gestão foi revitalizado, permitindo à sociedade civil uma participação mais ativa na avaliação do conjunto de políticas públicas, com destaque às pactuações sobre o modelo assistencial à saúde. “A gestão Lula criou novos conselhos nacionais de políticas públicas e fortaleceu aqueles criados anteriormente. Além disso, foram realizadas mais de 70 conferências nacionais em suas duas gestões” (ABERS; SERAFIM, TATAGIBA, 2014, p. 2).

Em novembro de 2003, com a aprovação do Decreto nº 4.878, de 2003, o Conselho Nacional de Saúde pôde se recompor de acordo com o critério da paridade: 40 membros titulares, sendo 50% representantes de usuários, 25% de trabalhadores da saúde e 25% de gestores e prestadores de serviço. Apesar de a recomposição paritária de forças nos conselhos de saúde já ser uma realidade em várias localidades do país, até aquele momento – numa situação bem paradoxal –, o próprio autor da resolução ainda não havia conseguido cumpri-la. Nos anos de 2003 e 2004, diversas políticas de saúde, que até hoje estão em vigor, foram debatidas e aprovadas no CNS, entre elas: financiamento das ações e serviços de saúde;

reinstalação da Mesa Nacional de Negociação Permanente do SUS; Política Nacional de Assistência Farmacêutica; Política Nacional de Educação Permanente no SUS; e Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher.

Outra importante conquista foi alcançada em 2006, em relação à composição do Conselho Nacional de Saúde. O Decreto nº 5.839, de 11 de julho de 2006, constituiu processo eleitoral para incorporar outros movimentos e entidades ao Pleno do CNS, bem como para escolha do presidente entre os conselheiros. Pela legislação anterior, o presidente do Conselho Nacional de Saúde era o Ministro da Saúde.

Nesse novo processo de recomposição, segmentos sociais relevantes passaram a compor o colegiado, como os movimentos de negros, populações indígenas, estudantes, mulheres, meio ambiente, entre outros, conforme estabelecia a Resolução CNS nº 361, de 2006.41

Segundo Dowbor (2012, p. 224), em 2003, uma oportunidade nova se abriu para a consolidação do Sistema Único de Saúde, com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva e a nomeação de Humberto Costa para o Ministério da Saúde, que indicou diversos sanitaristas para os principais cargos de gestão federais.

Para a autora, “os sanitaristas instrumentalizaram a ação pública de modo a fomentar a mobilização do próprio movimento. Se o movimento se tornou governo, a ação pública deste foi carregada de conteúdo e forma movimentista.” (DOWBOR, 2012, p. 258)

O Conselho Nacional de Saúde, motivado pelo compromisso das entidades que o compõem, configurou-se ao longo dos anos como um dos principais conselhos de políticas públicas do país, buscando cumprir com mais qualidade seu papel de formulação e deliberação sobre as políticas de saúde. Cada vez mais o colegiado tem expressado opinião sobre temas essenciais à saúde no Brasil, atuando, ao mesmo tempo, com a conjuntura política, econômica e social.

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