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Seguindo a mesma linha de pesquisa do PAISM, revisitamos os dados do Censo Demográfico de 2000, especificamente os indicadores sociodemográficos e de saúde do Brasil, de 2009, e verificamos que, nos anos de 2000, a população brasileira era de 169.799.170 milhões de pessoas,89 sendo que a proporção de mulheres era de 97.342.162, ou seja, 57,32%; e que “no período entre 1980 e 2000, constatou-se que as taxas específicas de fecundidade reduziram-se em todos os grupos etários, considerando- se o período fértil da mulher (15 a 49 anos), exceto o segmento de 15 a 19 anos.” Esses estudos demográficos demonstram que as famílias estão tendo cada vez menos filhos: em 1960, a média era de seis filhos por mulher, caiu para 2,89 em 1991 e, em 2000, para 2,39. A projeção para 2004 é de 2,31 e, em 2023, a média deverá ser de 2,01 filhos por mulher – ou seja, a mera reposição das gerações. A população continuará crescendo, embora a taxas cada vez menores: dos 3% ao ano entre 1950 e 1960, a taxa caiu para 1,44% ao ano em 2004, cairá para 0,24% em 2050 e, finalmente, para zero em 2062, quando a população brasileira começará a se reduzir.

O PNAISM reforça na sua construção o conceito de saúde da mulher, baseado na literatura, onde há

concepções mais restritas que abordam apenas aspectos da biologia e anatomia do corpo feminino e outras mais amplas que interagem

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BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística. Censo Demográfico de 2010. Primeiros resultados – População e Domicílios

recenseados. 2010, p. 3. Disponível em:

com dimensões dos direitos humanos e questões relacionadas à cidadania. Nas concepções mais restritas, o corpo da mulher é visto apenas na sua função reprodutiva e a maternidade torna-se seu principal atributo. A saúde da mulher limita-se à saúde materna ou à ausência de enfermidade associada ao processo de reprodução biológica. Nesse caso estão excluídos os direitos sexuais e as questões de gênero (COELHO,2003 apud BRASIL, 2009, p.11) Nas Diretrizes da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, consta que:

o Sistema Único de Saúde deve estar orientado e capacitado para a atenção integral à saúde da mulher, numa perspectiva que contemple a promoção da saúde, as necessidades de saúde da população feminina, o controle de patologias mais prevalentes nesse grupo e a garantia do direito à saúde. Que a Política de Atenção à Saúde da Mulher deverá atingir as mulheres em todos os ciclos de vida, resguardadas as especificidades das diferentes faixas etárias e dos distintos grupos populacionais (mulheres negras, indígenas, residentes em áreas urbanas e rurais, residentes em locais de difícil acesso, em situação de risco, presidiárias, de orientação homossexual, com deficiência, dentre outras). (BRASIL, 2004, p. 65).

Na PNAISM, a elaboração, a execução e a avaliação das políticas de saúde da mulher nortearam-se pela perspectiva de gênero, de raça e de etnia, e pela ampliação do enfoque, rompendo-se as fronteiras da saúde sexual e da saúde reprodutiva, para alcançar todos os aspectos da saúde da mulher (BRASIL, 2004, p. 65).

A PNAISM indica a ação Intersetorial com outros setores governamentais, dando destaque à segurança, à justiça, ao trabalho, à previdência social e à educação (BRASIL, 2004). Também amplifica o conceito de saúde ao afirmar que a atenção integral à saúde da mulher faz referência ao conjunto de ações de promoção, proteção, assistência e recuperação da saúde, que é executado em diferentes níveis de atenção à saúde, desde o básico até a alta complexidade.

Indica também a participação efetiva das três esferas de governo com responsabilidades, de acordo com as competências de cada um, de garantir as condições para a execução da Política de Atenção à Saúde da Mulher.

Considerações

Os dados sobre a participação da mulher no Congresso Nacional e no Conselho Nacional de Saúde demonstram que há muito que se avançar na ocupação de espaços de poder por parte das mulheres.

Mesmo assim, essas duas décadas de intensa formulação e articulação dos movimentos nesses espaços do CNS e Cismu, nos conselhos de direitos da mulher, nas conferências e nos cargos de comando do Ministério da Saúde geraram importantes conquistas para a saúde das mulheres, tendo como basilares a integralidade da atenção, a atenção à diversidade e a igualdade somando-se aos princípios de universalidade e equidade.

Portanto, a história do movimento feminista e a ação contundente desses movimentos em favor da saúde da mulher produziram impactos favoráveis e resultados positivos para as mulheres brasileiras, tanto no processo de conscientização de sua saúde, na ampliação do conhecimento sobre contracepção, prevenção de câncer e doenças sexualmente transmissíveis, quanto na projeção de importantes lideranças femininas à frente desses movimentos e dessas lutas.

As conquistas pressupõem mobilização, pois sem ação coletiva e organizada os direitos sociais não saem dos textos legislativos, para se conformarem como políticas efetivas, e esse trajeto exige estratégias de ação e de mobilização que explicitem e confrontem os interesses diferenciados e opostos para a consolidação de políticas públicas efetivas, como foi o PAISM e como é, hoje, o PNAISM.

Essa recuperação do processo de construção do PAISM, sua implantação e dificuldades, bem como a construção da PNAISM, determina a análise dos dados de pesquisa que trataremos no próximo capítulo, de forma a demonstrar as estratégias de mobilização que geraram essas conquistas e que mantêm as políticas de saúde da mulher sob olhar cuidadoso e acompanhamento atento e crítico dos movimentos feministas.

CAPÍTULO IV

ESTRATÉGIAS DE MOBILIZAÇÃO DO MOVIMENTO FEMINISTA – ANÁLISE DOS DADOS

O estudo sobre as estratégias de mobilização do movimento feminista para aprovação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM) foi feito sob uma base de dados selecionados a partir de pesquisa documental e de entrevistas. Essas informações permitem afirmar que desde a criação do PAISM, em 1983, há mobilização pela construção da PNAISM por parte do movimento feminista.

Nas duas décadas que separam o PNAISM do PAISM, diversas ações foram realizadas para elevar o patamar de atenção à saúde da mulher, do status de programa para o status de política, que podem ser verificadas no relatório da 1ª Conferência Nacional de Saúde da Mulher, em 1986, nos diversos documentos da Rede Feminista, nas atas de reuniões do CNS, nos relatórios de reuniões da Cismu e de conferências nacionais de saúde.

Conforme indicado no marco teórico, o desenvolvimento deste estudo acompanha os conceitos de movimentos sociais, ação coletiva e identidade coletiva de Melucci (1989), Tarrow (2009) e Diani e Bison (2010), e a teoria de repertórios de interação, de Abers, Serafim e Tatagiba (2014).

A pesquisa sobre movimentos sociais organizados em redes e o estudo sobre o funcionamento da Rede Feminista acompanhou a concepção de movimentos sociais de Diani e Bison (2010, p. 220), de “redes de interação informais, grupos ou associações engajados em um conflito político ou cultural, com base em uma identidade coletiva compartilhada”.

A partir desse conceito de movimentos sociais, pesquisamos a participação das mulheres no movimento feminista, de acordo com Tarrow (2009, p. 38), para quem “as pessoas se engajam em confrontos políticos quando mudam os padrões de oportunidades e restrições políticas ou, então, empregando estrategicamente um repertório de ação coletiva”.

Consolidamos a estrutura da análise dos dados pesquisados com a consideração de Melucci (1989), de que

uma ação coletiva não pode ser explicada sem levar em conta como os recursos internos e externos são mobilizados, como as estruturas organizacionais são constituídas e mantidas, como as funções de

liderança são garantidas. O que é empiricamente chamado “movimento sociais” é um sistema de ação que liga orientações e significados plurais. (MELUCCI, 1989, p. 56).

A organização das informações sobre o processo de formulação e aprovação da PNAISM foi feita a partir das estratégias de mobilização do movimento feminista para aprovação da referida política, considerando: a) criação do PAISM, como a “oportunidade política” (TARROW, 2009), de avanços na atenção à saúde da mulher, no Brasil; b) disputa de concepção sobre o conceito de atenção à saúde da mulher, entre o materno-infantil e a saúde integral, como “conflito político e cultural” (DIANI; BISON, 2010), que gera tensionamentos entre os atores políticos envolvidos nessa trama; c) a construção da PNAISM na Cismu e a apresentação dessa política no CNS, no contexto de participação institucionalizada, dos repertórios de interação Estado-sociedade; e d) monitoramento da PNAISM pela Rede Feminista, com base nos repertórios de confronto, de Tarrow (2009).

Dentre essas estratégias identificadas e descritas, e retomando as pesquisas sobre direito à saúde, movimento feminista e a construção do PNAISM, e diante dos resultados da pesquisa que apontou que a PNAISM foi discutida na Cismu, mas não foi votada no CNS, identificamos que ressaltaram os conflitos políticos e culturais advindos da concepção de liberdade e dos sistemas de dominação postos na sociedade.

A organização das informações e análise sobre as estratégias de mobilização seguiram a teoria dos repertórios de interação, com a organização das informações sobre as ações mobilizadoras do movimento feminista identificadas e analisadas a partir das rotinas comuns do repertório de interação Estado-sociedade, indicadas por Abers, Serafim e Tatagiba (2014), que são: “a) as ações diretas, como protestos, marchas ou passeatas; b) participação institucionalizada; c) a política de proximidade; e d) ocupação de espaços na burocracia” (ABERS; SERAFIM; TATAGIBA, 2014, p. 5).

Sobre as rotinas comuns dos repertórios de interação Estado-sociedade, as ações diretas, como protestos, marchas, ou passeatas, que surgiram na pesquisa documental ou que foram relatadas pelas entrevistadas, dizem respeito a ações gerais em defesa da saúde pública e direitos femininos, e serão descritos. A política de proximidade, não constou das estratégias de mobilização pesquisadas.

Ademais, de acordo com os conceitos de identidade coletiva e redes, de Diani e Bison (2010), de ação coletiva e recursos internos e externos de sustentação dos movimentos, de Melucci (1989), e de enquadramentos interpretativos, de Tarrow (2009), organizamos mais três grupos de estratégias de ação, complementares entre si, para a organização e interpretação das ações mobilizadoras do movimento feminista, quais sejam: a) formação de uma identidade coletiva; b) formas de sustentação política e técnica das representantes da Rede Feminista nos espaços de participação institucionalizada; e c) enquadramentos interpretativos de mídia para difusão da PNAISM.

Assim, analisamos as rotinas comuns de ação, de Abers, Serafim e Tatagiba (2014), destacando protestos, marchas ou passeatas; participação institucionalizada e ocupação de espaços na burocracia, em articulação com as estratégias identificadas e aqui incluídas como estratégias complementares entre si, para a adequada organização e análise das informações pesquisadas.

Assim, a disputa de concepções sobre o conceito de atenção à saúde da mulher gera tensionamentos e perpassa os movimentos sociais e entidades da sociedade civil e governos e é definidor de alinhamento entre as pessoas que ocupam esses espaços no que tange ao papel da mulher na sociedade.

O corpo feminino continua como espaço de intervenção de outrem, e a autonomia feminina depende das condições de democracia que determinada sociedade vivencia. Conquistas importantes nas CIPDs retrocedem, devido à intervenção de países cujos preceitos religiosos suprimem o Estado laico, e, nos contextos religiosos, os direitos femininos caem para a segunda linha, as ações pela igualdade perdem espaço e a diversidade desaparece.