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4.1 A aprovação do PNAISM no CNS

4.1.3 A construção Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM) e a

4.1.3.1 Apresentação da PNAISM ao CNS

Depois de analisar documentos do CNS, da Cismu, do Ministério da Saúde e da Rede Feminista, pudemos comprovar que a PNAISM não foi aprovada no CNS, em 2004.

Nas entrevistas, esse fato, a princípio, foi refutado, mas diante da pesquisa documental foi também foi aos poucos sendo elucidado. De início, todas falavam dessa aprovação, porém o que se lembravam, ao final, era dos debates na Cismu e da apresentação da PNAISM no CNS, em 2006. Para a 7ª entrevistada,

Então, a primeira pergunta é sobre por que a Pnaism não foi aprovada no Conselho Nacional de Saúde. Então, é assim, eu acho que tem algum tipo pode problema nessa história do Conselho, porque quando a gente elaborou a política tinha duas coisas, uma que passou pelo Solla (secretário de Atenção à Saúde 2003-2005). O Solla fez uma leitura cuidadosa, passou pelo ministro Humberto Costa. Fora o processo com as mulheres (grupo de discussão formado pela ATSM). Estou falando mais do ponto de vista institucional. E aí eu fui no Conselho, isso foi discutido muito na Cismu, todo mundo aprovou, deu opinião, e eu fui no Conselho Nacional de Saúde apresentar a política. Dona Zilda Arns estava sentada na segunda cadeira, do lado esquerdo de quem está na mesa falando, me lembro desse detalhe. E a política foi apoiada, menos por ela mais dois ou três que acompanhavam ela. O resto, todo mundo achou a política ótima e tal. Foi o pleno do Conselho. Então, na minha cabeça, essa história é complicada, porque ela foi apresentada no Conselho, foi debatida no Conselho e, teoricamente, eu acho que quando passa no Conselho é porque o Conselho... Não teve ninguém que dissesse eu não aprovo, eu desaprovo. Foi o contrário, foi assim. Então eu entendo que ela passou pelo Conselho. Eu não sei se tem algum mecanismo especial, se tinha, se tem, que

considera aprovada ou desaprovada. Ela não foi desaprovada. Não teve uma recusa. (7ªentrevistada)

Verificamos também alguns documentos da ATSM, como o Relatório de Gestão da PNAISM, de 2003 a 2006, que indica que o MS,

[...] submeteu a referida Política à apreciação do Conselho Nacional de Saúde e à Comissão de Saúde da Mulher (Cismu) desse Conselho. Trata-se, portanto, de um documento legitimado por diversos setores da sociedade e pelas instâncias de controle social do Sistema Único de Saúde (SUS). (BRASIL,2004, p. 29)

Naquele ano de 2004, porém, a PNAISM não constou de pautas de discussão do CNS. Isso pode ser verificado na apuração das atas que indicam que nas reuniões de julho de 2004, julho de 2005 e agosto de 2005, a conselheira Silvia Dantas, representante das mulheres, recorreu diversas vezes ao Plenário do CNS demandando agendar o debate e aprovação da PNAISM, mas o tema só foi apresentado e discutido na reunião de março de 2006.

As entrevistadas relataram que a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher – Princípios e Diretrizes foi lançada em 28 de maio de 2004. No entanto, nas atas do CNS e relatórios da Cismu não há menção a essa atividade.

A PNAISM só foi apreciada pelo CNS em 2006, por isso alguns documentos do MS, como o citado e os relatos de entrevistadas, indicam a apresentação, debate e aprovação.

Na 163ª Reunião Ordinária do CNS97 em março de 2006, a PNAISM, princípios e diretrizes foram apresentados ao Pleno do CNS, e todos os que se pronunciaram fizeram falas favoráveis ao programa, mas não houve votação.

A Coordenadora da Área Técnica de Saúde da Mulher/SAS/MS, Maria José Oliveira, apresentou a PNAISM, ressaltando,

a Política de Atenção Integral à Saúde da Mulher havia sido elaborada pela Área Técnica de Saúde da Mulher, em parceria com os movimentos sociais de mulheres, secretarias estaduais e municipais de saúde e contemplava um breve diagnóstico sobre a situação da saúde da mulher no Brasil, a partir de dados secundários das políticas realizadas na gestão anterior, dos indicadores de saúde da mulher e considerando as reivindicações dos movimentos

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organizados na área, e descreve as ações que realiza em todas as áreas de atenção à saúde da mulher.(163ª RO/CNS, alíneas 333 a 522)

Conselheira Silvia Dantas, representante das mulheres, também se pronunciou, e consta da ata desta reunião que iniciou avaliando que,

apesar do esforço do Ministério da Saúde, a repercussão das ações voltadas à saúde da mulher nos municípios estava aquém do esperado. Que os métodos contraceptivos não chegavam às usuárias do SUS e que havia problemas na garantia do acesso aos métodos de prevenção de colo de útero. Nessa ótica, disse que seria importante definir processo de avaliação, monitoramento e auditoria da Política de Saúde da Mulher. Além disso, manifestou preocupação com o fato de a Política de Saúde da Mulher nem sempre ser pactuada nas negociações das Comissões Bipartites. Disse ainda que seria importante explicitar os recursos destacados para a elaboração das políticas, a fim de avaliar o impacto das ações. (163ª RO/CNS, alínea 609).

Quanto a essa forma de debate e encaminhamentos que o CNS desenvolveu em relação à PNAISM, verificamos que instrumentos como resoluções, recomendações ou deliberações não foram produzidos como forma de dar conhecimento público das posições do CNS sobre a referida política. O debate realizado em março de 2006 demonstrou que o CNS legitimou a referida política, mas esses instrumentos oficiais, em sendo aprovados, contribuiriam para referenciar a PNAISM. Inclusive para posteriores cobranças que o movimento viesse a fazer sobre a implantação dessa política. Quando uma decisão consta como resolução, é instrumento de cobrança dentro e fora do Governo Federal, pois é um documento público que circula entre as diversas áreas de governo e ainda é aceito como denúncia, por exemplo, no Ministério Público.

Ademais, conforme o Regimento Interno do CNS,98 as decisões, do referido Pleno do CNS, quando consubstanciadas em resoluções, são homologadas pelo ministro de Estado da Saúde, e esse procedimento contribui para a institucionalização de políticas, e é utilizado de forma constante. De 1991 até julho de 2015, o CNS produziu 500 resoluções.

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Depois, no que tange ao Ministério da Saúde, essas políticas de saúde, como a de saúde da mulher, são sempre comunicadas por portarias, o que também não aconteceu com relação à PNAISM.

Além das portarias, as políticas aprovadas são levadas pelo Ministério da Saúde a Comissão Intergestores Tripartite (CIT), um fórum que reúne o Ministério da Saúde, representantes dos secretários estaduais e secretários municipais de saúde para pactuação interfederativa, a fim de garantir a implantação da referida política nas três esferas de governo e, com isso, implantar e consolidar a referida ação estratégica no Sistema Único de Saúde. A PNAISM também não foi apresentada na CIT. Para a 5ª entrevistada, isso também não aconteceu com a PNAISM.

A PNAISM não foi pactuada em tripartite, inclusive não tem as responsabilidades pactuadas, não tem portaria, mas ela foi apresentada no Conselho Nacional de Saúde. (5ªentrevistada). Sobre a aprovação de políticas de saúde no CNS, a 6ª entrevistada avaliou:

Eu acho que o fato das políticas terem passado lá pelo Conselho, na minha avalição, elas não estão muito diferentes das políticas que não passaram. Porque, por exemplo, a política nacional de práticas integrativas e complementares, ela foi elaborada por uma comissão junto com pessoas do Ministério da Saúde, mas ela avançou muito pouco. Conseguiram a duras penas um recurso dentro de uma secretaria, para implementação dessa política, mas não teve avanços [...] quando você compara o que avançou mais, eu considero que a saúde da mulher avançou um pouco mais. (6ª entrevistada).

Dessa forma, foi possível identificar que a PNAISM foi lançada pelo ministro da Saúde em maio de 2004, constou do Plano Plurianual 2004-2007, desse período e dos períodos subsequentes, do Plano Nacional de Saúde de 2004 e dos anos posteriores e passou a ter rubrica orçamentária, mas não consta em resolução do CNS, portaria do Ministério da Saúde e pactuação tripartite.

Ao compararmos a institucionalização do PNAISM com a do Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal, identificamos que esse segundo foi lançado pelo presidente Lula em março de 2004, conforme afirma a ATSM na 28ª Reunião da Cismu, em fevereiro de 2004. Foi apresentado ao Pleno do CNS, em abril de 2004. Foi pactuado na Comissão Intergestores Tripartite, em 18 de março de

2004. Foi consignado na Portaria nº 386, de 6 de julho de 2005,99 e fez parte dos Pactos pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão, aprovados no CNS, em 9 de fevereiro de 2006.

Outra questão sobre saúde da mulher que recebeu tratamento diferenciado, por iniciativa do CNS, foi o debate sobre Antecipação Terapêutica do Parto por Anencefalia,100 realizado na 152ª RO, em março de 2005. O CNS aprovou a proposta favorável a esse procedimento, por meio da Resolução CNS 348, de 10 de março de 2005, que foi homologada pelo ministro Humberto Costa e encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (STF). Em 2012, o STF incluiu esse caso entre as situações de aborto considerado legal e realizado pelo SUS.

Assim, a pesquisa demonstrou que a participação social e a influência dos movimentos sobre as decisões do Estado foram decisivas para a formatação da PNAISM, que é resultado de muitos anos de discussão e empenho do movimento feminista, e o auge de sua implantação aconteceu no início do Governo Lula, quando, de acordo com Abers, Serafim e Tatagiba (2014), “o mote de participação da sociedade abriu espaço para a comunicação mais criativa de diferentes práticas e rotinas, ampliando as chances de acesso e influência dos movimentos sobre o Estado” (ABERS, SERAFIM, TATAGIBA, 2014, p. 3).

Assim, a pesquisa demonstrou que a participação social e a influência dos movimentos sobre as decisões do Estado foram decisivas para a formatação da

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Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2005/prt0386_06_07_2005.html/>.

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Silvia Dantas fez uma apresentação sobre o que é a anencefalia como sendo na perspectiva de subsidiar o debate da matéria. Explicou que a anencefalia é uma malformação fetal congênita por defeito de fechamento do tubo neural durante a gestação, de modo que o feto não apresenta os hemisférios cerebrais e o córtex, havendo apenas resíduos do tronco encefálico, acarretando a inexistência de todas as funções superiores do sistema nervoso central, responsável pela consciência, cognição, vida relacional, comunicação, afetividade e emotividade e que controla parcialmente a respiração, as funções vasomotoras e a medula espinhal. Esclareceu que é possível fazer o diagnóstico da malformação no início da gestação, uma vez que na primeira ecografia já se pode visualizar a imagem do grave achatamento da cabeça do feto pela ausência dos hemisférios cerebrais. Disse que o prognóstico apresentado na literatura médica sobre a sobrevivência de fetos anencefálicos é de no máximo duas horas fora do útero e que aproximadamente 65% dos fetos anencefálicos morrem ainda no período intrauterino. Ressaltou que a anencefalia pode trazer várias complicações obstétricas, dentre as quais se destacam: poli-hidramínio (aumento do volume do líquido amniótico); doenças hipertensivas específicas da gestação; puerpério com maior incidência de hemorragias maternas por falta de contratilidade uterina; associação com vasculopatia periférica de estase; maior incidência de infecções pós-cirúrgicas devido às manobras obstétricas do parto de termo; dificuldades obstétricas e complicações no desfecho do parto de anencefálicos de termo; e alterações psicológicas e de comportamento da gestante. Informou que, segundo a Organização Mundial da Saúde, o Brasil é o quarto país no mundo em número de casos de anencefalia. (Ata 151ª RO CNS, alínea 763).

PNAISM, conforme os autores supracitados. A elaboração da PNAISM teve efetividade e legitimidade com o grupo de discussão criado pela ATSM e com a Cismu.

Investigamos possíveis motivos para essa falta de consolidação da política de saúde da mulher, em votação e resolução do CNS. Foram as disputas de concepções, conforme citamos, que impediram uma votação? A falta de articulação entre os movimentos que compõe o CNS? Algum movimento político momentâneo que indicasse que a apresentação seria uma tática mais adequada que a votação, já que, naqueles dias, o MS estava passando por mudanças na gestão? Todas essas elucubrações foram refutadas pelas entrevistadas. De pronto, a maioria delas considerou que a apresentação feita pela ATSM, em 2006, legitimou a PNAISM. Depois, ao reconhecerem a pesquisa documental realizada e apresentada durante as entrevistas, para uma possível confirmação da fidedignidade desses documentos, avaliaram que não ter acontecido uma votação ou ter sido editada uma resolução pode ter gerado um hiato nessa construção da política de saúde da mulher.