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Após a publicação do Decreto no 99.438, de 1990 – que incluiu a representação da sociedade civil no colegiado –, o Conselho Nacional de Saúde se reuniu pela primeira vez nos dias 25 e 26 de abril de 1991. A pauta de debates foi marcada pela formulação do Regimento Interno, aprovação do Plano Quinquenal do Ministério da Saúde, previsto na Lei nº 8.142, de 1990, e criação de Comissões Permanentes, no intuito de atender ao art. 6º da referida lei.

Assim, o CNS deliberou pela criação de comissões relacionadas aos campos de atuação do SUS, os quais o colegiado deveria acompanhar.42 Tais comissões deveriam ser oficializadas, posteriormente, pelo ministro da Saúde, Alceni Guerra. O Conselho Nacional também indicou a criação de outras comissões permanentes a serem instituídas por resoluções próprias.

O Pleno do CNS, nesse período, demandou ao ministro da Saúde a criação de comissões permanentes por meio das Resoluções nº 01, de 27 de abril, e nº 07, de 24 de julho, ambas de 1991.

Em 31 de outubro de 1991, o Conselho Nacional de Saúde instituiu mais sete comissões (Resolução CNS nº 11/1991): Comissão Intersetorial de Alimentação e Nutrição; Comissão Intersetorial de Saneamento e Meio Ambiente; Comissão Intersetorial de Recursos Humanos para a Saúde; Comissão Intersetorial de Ciência e Tecnologia em Saúde; Comissão Intersetorial de Vigilância Sanitária e Farmacoepidemiologia; Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador; e Comissão Intersetorial de Saúde do Índio.

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De acordo com o art. 6º da Lei nº 8.080, de 1990, estão inseridos no campo de atuação SUS: i) a execução de ações de vigilância sanitária e epidemiológica; de saúde do trabalhador; e de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica; ii) a participação na formulação da política e na execução de ações de saneamento básico; iii) a ordenação da formação de recursos humanos na área de saúde; iv) a vigilância nutricional e a orientação alimentar; v) a colaboração na proteção do meio ambiente, nele compreendido o ambiente de trabalho; vi) a formulação da política de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos e outros insumos de interesse para a saúde e a participação na sua produção; vii) o controle e a fiscalização de serviços, produtos e substâncias de interesse para a saúde; viii) a fiscalização e a inspeção de alimentos, água e bebidas para consumo humano; ix) a participação no controle e na fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; x) o incremento, em sua área de atuação, do desenvolvimento científico e tecnológico; xi) a formulação e execução da política de sangue e seus derivados.

De março de 1992 a abril de 1993, o Conselho Nacional de Saúde atuou pela constituição das demais comissões: Comissão Nacional de Ética em Pesquisa; Comissão de Orçamento e Financimento; Comissão Intersetorial de Saúde Mental; Comissão Intersetorial de Trauma e Violéncia; e Comissão Intersetorial de Assistência Farmacêutica.

As comissões intersetoriais do Conselho Nacional de Saúde são reconhecidamente grandes espaços de formulação política para apoiar as decisões do Pleno do CNS e também de articulação de movimentos sociais em torno de temáticas da área de saúde.

Tendo em vista que a atenção à saúde da mulher não constava explicitamente nas atribuições do SUS listadas no art. 6º da Lei nº 8.080, de 1990, uma comissão para tratar do tema também estava no rol das que caberia ao próprio Conselho Nacional constituir posteriormente.

Assim, a Comissão Intersetorial de Saúde da Mulher (Cismu) foi instituída pelo Conselho Nacional de Saúde, no dia 4 de fevereiro de 1993. De acordo com a Resolução CNS nº 039/1993, a Cismu tem como missão principal: i) subsidiar o Conselho Nacional de Saúde na avaliação das condições de saúde da mulher, e nas questões específicas da saúde das mulheres em sua interface com as demais políticas de saúde; ii) apoiar a mobilização dos conselhos estaduais e municipais de saúde na constituição de Comissões Intersetoriais de Saúde da Mulher; iii) fortalecer o controle social sobre as ações de saúde para as mulheres propostas pelo gestor federal e desenvolvidas pelas três esferas de governo, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS); e iv) garantir uma política de saúde para as mulheres que respeite os direitos humanos, direitos sexuais, direitos reprodutivos e a autonomia delas como cidadãs.

Em meio ao processo de criação das comissões do CNS, o Conselho Nacional de Saúde foi palco de debates sobre temas delicados envolvendo a saúde da mulher, entre eles: planejamento familiar e atendimento às mulheres para a prática do aborto legal.

Diante da proliferação de entidades assistenciais que desenvolviam atividades de controle de natalidade sem a devida capacidade técnica, trazendo sérios riscos à população feminina, o CNS deliberou (Resolução CNS nº 22/1992) pela implementação, por parte do Ministério da Saúde, de ações de planejamento familiar no escopo do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher. Na

mesma resolução, o Conselho Nacional solicitou à Coordenação de Saúde Materno- Infantil (Corsami) o envio de informações atualizadas sobre a situação do programa, especialmente em relação à execução de ações de planejamento familiar, demanda que já havia sido apresentada pelo Pleno do CNS em outras ocasiões.

A Resolução CNS nº 22, de 1992, é uma demonstração da atuação do Conselho Nacional de Saúde como agente fiscalizador das políticas de saúde. Isso fica claro quando observamos que o planejamento familiar já era um aspecto pontuado no Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), em vigor desde 1983, mas que ainda não havia sido implementado de forma efetiva. Então, a Resolução do Conselho Nacional foi um instrumento importante de controle social no sentido de reforçar para o governo a importância de dar mais agilidade à implementação das ações.

[...] em 1983 o Ministério da Saúde elaborou o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM). Este programa foi um grande avanço na formulação de políticas específicas destinadas às mulheres. Pela primeira vez foi preconizado o cuidado ao corpo das mulheres, de forma integral, durante todo o ciclo vital, incluindo as trabalhadoras, mulheres após a menopausa e agregando questões referentes aos direitos reprodutivos. Este programa teve grande dificuldade para ser implementado. Foi questionado por setores da esquerda, ligados ao movimento sanitário, que encobriam o preconceito mediante o discurso das ações integrais de saúde, alegando que o PAISM seria mais um programa vertical. Os setores religiosos, inseridos tradicionalmente no interior do aparelho de Estado, também investiram contra o programa qualificando-o de trazer implícito a possibilidade do aborto. (COELHO, 2008, p.59)

Na 22ª Reunião Ordinária do CNS, realizada nos dias 3, 4 e 5 de março de 1993, o Conselho Nacional de Saúde travou outro debate importante sobre a atenção à saúde da mulher. Ao analisar o conteúdo da Recomendação nº 01/1992, que dispunha sobre a Declaração dos Direitos dos Usuários, alguns conselheiros propuseram a exclusão de do § 5º, que tratava do atendimento em situações de aborto. O texto estabelecia como direito da mulher o atendimento pelo Sistema Único de Saúde para a realização do aborto nos casos previstos em lei. Essa assistência, conforme determinava a resolução, seria dispensada por um corpo clínico especializado.

A ata da reunião demonstra que o tema despertou opiniões diferentes dos conselheiros, como destacado no trecho a seguir:

[...] a conselheira Zilda Arns posicionou-se contrariamente à inclusão do quinto parágrafo por considerar desnecessário e até mesmo temerário explicitar numa declaração de direito dos usuários e, principalmente, por considerar que o teor da proposta representa uma porta de entrada para abortos que não são legais, induzindo, portanto, a adoção indiscriminada desta prática. O conselheiro Nelson Seixas endossou o posicionamento da Conselheira Zilda. José Alberto Hermógenes chamou a atenção para o fato de que a proposta da Comissão Técnica de Usuários buscava reforçar o aspecto legal e a necessidade do atendimento quanto ao aborto legal nas instituições do SUS, garantindo assistência integral à saúde da mulher. Este argumento foi reforçado pela Conselheira Leny, e o Conselheiro Jocélio Drumond lembrou que na prática existem dificuldades quanto ao atendimento à mulher pela equipe de saúde. Destacou que se trata de uma proposta de uma comissão de usuários, com representação dos vários segmentos e se posicionou favorável à inclusão do artigo. Outros Conselheiros manifestaram-se e, apesar de alguns serem contrários ao aborto indiscriminado, posicionaram-se pela manutenção do texto, outros pela rejeição da proposta. A mesa encaminhou a votação sobre a inclusão ou não do parágrafo, obtendo-se sete votos contra a inclusão, cinco votos a favor e uma abstenção. (Ata da 22ªRO/CNS)

Em duas décadas desde sua instalação, a Comissão Intersetorial de Saúde da Mulher passou por algumas recomposições, sempre mantendo os mesmos objetivos. Atualmente, a Cismu é composta por 22 membros titulares e suplementes de entidades ou instituições que representam usuários, trabalhadores, gestores e pesquisadores. A coordenação e a coordenação adjunta são exercidas, respectivamente, pela Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos e pela Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB).43

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De acordo com a Resolução CNS nº 383, de 14 de junho de 2007, a Comissão Intersetorial de Saúde da Mulher é formada por: 11 membros titulares – Associação dos Celíacos do Brasil (Acelbra); Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB); Liga Brasileira de Lésbicas (LBL); União Brasileira de Mulheres (UBM); Ministério da Saúde – Área Técnica de Saúde da Mulher (ATSM/MS); Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos (RFS); Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco); Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Coffito); Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo); Comissão Nacional de População e Desenvolvimento (CNPD-MPOG); e Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM); e 11 membros suplentes – Movimento Nacional de Mulheres com Deficiência (MNMPPD); Central Única dos Trabalhadores (CUT); Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass); Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems); Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais (Contag); Ministério da Saúde – Área Técnica de Saúde da Mulher (ATSM/MS); Rede Nacional de Jovens Feministas; Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB); Associação Brasileira de Enfermagem (Aben); Conselho Federal de Serviço Social (CFESS); Secretaria Especial de Política de Promoção da Igualdade Racial (Seppir).

A Comissão Intersetorial de Saúde da Mulher se fortaleceu, nesses 22 anos, como espaço de mobilização e controle social, sempre buscando acompanhar de perto a execução das políticas formuladas pelo Ministério da Saúde e trazendo para a deliberação do Pleno do CNS pautas relacionadas a aspectos diversos que envolvem a saúde da mulher.

O trabalho desempenhado pela Cismu de análise e consolidação de informações para subsidiar decisões do Conselho Nacional vai ao encontro de uma prática, apontada por Coelho (2008), como indispensável ao exercício do controle social.

O controle social para ser exercido a favor da sociedade exige de seus sujeitos a compreensão do verdadeiro significado das palavras e dos discursos. Como a prática do controle social ocorre nos fóruns onde as ações são predominantemente discursivas, mediante uma retórica argumentativa (técnica e política) para a defesa de idéias e princípios, é necessário que haja competência e conhecimento do significado das palavras, das siglas, das expressões próprias da área de ação, para se obter bons resultados. Na verdade, a confiabilidade das fontes de informação e a clareza na comunicação são condições indispensáveis para bons resultados na luta ideológica. (COELHO, 2008, p. 58)

De forma resumida, podemos dizer que, nos primeiros anos, as representações da sociedade civil e dos movimentos sociais que compunham a Cismu tinham como meta fazer com que a temática de saúde da mulher saísse do patamar de programa e se tornasse uma política de saúde.

Na última década, o foco principal de atuação da Comissão tem sido o fortalecimento e a consolidação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM). A atuação da representação das mulheres no Pleno do CNS também tem sido constante e alerta, bem como a articulação das questões que surgem nesses espaços institucionais com os movimentos feministas.

Considerações

A saúde pública brasileira teve muitos ganhos com a aprovação da Constituição Federal de 1988. O processo de redemocratização do país foi essencial para a determinação de uma unidade de pensamento entre os movimentos sociais e os gestores públicos, o que contribuiu para a construção de propostas unificadas de um sistema público para todos, baseado nos conceitos de atenção integral e acesso

universal. Esse campo de ação unificado já se constituía no período de enfrentamento da Ditadura Militar, a partir de ações de entidades como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) e Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Essas entidades tiveram voz ativa na 8ª Conferência Nacional de Saúde, tanto representando uma gama importante de usuários e trabalhadores da saúde quanto ocupando espaços na burocracia estatal. Isso possibilitou que a ampla participação popular fosse um dos diferenciais da 8ª CNS.

Bons resultados foram conquistados e grandes desafios enfrentados na implantação do Sistema Único de Saúde (SUS). A democratização do Conselho Nacional de Saúde impulsionou a formatação e aprovação da Lei nº 8.142/90, que tornou obrigatória a existência dos conselhos e conferências de saúde. . Atualmente, o Sistema Integral de Acompanhamento de Conselhos de Saúde, do CNS, aponta a existência de 56.752 conselheiros de saúde no Brasil.

O número de conferências também é expressivo. Este ano a Conferência Nacional de Saúde está na 15ª edição, além das conferências temáticas realizadas pelo Conselho Nacional de Saúde. Outro aspecto interessante é que a metodologia das conferências de saúde tem sido adotada em outras áreas, consolidando ainda mais a participação social nas políticas públicas.

O Conselho Nacional de Saúde é um importante vocalizador de interesses da sociedade e tem conseguido manter um funcionamento permanente e atinente às pautas de saúde. Suas comissões assessoras também desempenham papel essencial à formulação das políticas como será demonstrado no estudo de caso desta dissertação, que expressa a articulação da Comissão Intersetorial de Saúde da Mulher do CNS na construção da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher.

CAPÍTULO II

ORGANIZAÇÃO DO MOVIMENTO FEMINISTA, EMANCIPAÇÃO FEMININA E SAÚDE DA MULHER

Introdução

Para estudar as estratégias de mobilização do movimento feminista na aprovação da Política Nacional de Atenção Integral de Saúde da Mulher (PNAISM), foi necessário reconhecer o próprio movimento feminista revisitando sua história, suas políticas de afirmação e interesses gerais e específicos pelos direitos das mulheres, assim, construímos esse breve relato das ações do movimento feminista na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil.

Nesta pesquisa, identificamos as ações coletivas que unificaram as mulheres no vitorioso movimento sufragista, dos séculos XIX e XX. As políticas de confronto das mulheres sindicalistas em suas greves pelas intoleráveis condições de trabalho nas fábricas e, nas mobilizações pelo processo de redemocratização do país, na defesa dos direitos das mulheres da Assembleia Nacional Constituinte, em 1987, e na participação social em conselhos de mulheres, além do movimento transnacional das feministas nos fóruns das Organizações das Nações Unidas (ONU).

Quanto à bibliografia, ressaltamos as avaliações e assertivas de Beauvoir, em o Segundo Sexo, e de Betty Friedan, em a Mística Feminina, que desvelaram um universo de informações objetivas e subjetivas que permitiu compreender a necessidade de uma movimentação de mulheres em favor de seus direitos civis e políticos, direitos sociais e humanos.

No Brasil, a situação de subordinação foi demonstrada, a partir de Maria Amélia de Almeida Teles, em Uma Breve História do Feminismo no Brasil, com Céli Pinto, e Barbára Heller, com sua tese Em busca de novos papéis: imagens da mulher leitora no Brasil (1890-1920).

Apreendemos, então, um caldo de relatos de ações desenvolvidas por diversas mulheres no Brasil, de forma individual ou em grupo, atuando pela emancipação social em lutas pela garantia do direito ao estudo, ao voto, ao trabalho, à creche e à igualdade de condições entre homens e mulheres.

2.1 Ressurgimento do movimento feminista na Europa, nos Estados Unidos e