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Após um refluxo de 30 anos, durante o período marcado pela 2ª Guerra Mundial e o avanço de regimes ditatoriais, o movimento feminista ressurgiu com força nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil, na década de 1960. Como descreve Pinto (2010), as mulheres, pela primeira vez, passaram a falar diretamente sobre a questão das relações de poder entre homens e mulheres.

A “grande onda’” da movimentação feminista iniciada nos anos sessenta e setenta produziu a politização da “vida privada”. Junto à revolução simbólica pela igualdade no domínio público e privado, levantou uma demanda de penalização dos agressores em atos de violência física e de violência sexual contra as mulheres até então explicitados como se fossem atos de correção. Em um outro sentido, demandou a despenalização do aborto e a do adultério e o fim do casamento indissolúvel. Enquanto nos Estados Unidos a força dos argumentos pela descriminalização do aborto se assentou na liberdade da vida privada e da intimidade, na França e no Brasil, os argumentos se sustentaram na defesa da saúde pública e nos direitos sociais à igualdade das mulheres pobres e vulneráveis com menor acesso aos equipamentos médicos e as formas de contracepção. (MACHADO, 2011, p. 134)

Essa nova chamada pela igualdade de direitos entre homens e mulheres foi fortemente influenciada por um livro lançado em 1949, O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir. Lançado quatro anos após o término da Segunda Guerra Mundial, a obra contribuiu para o reconhecimento da figura da mulher, de suas histórias e dos mitos que as acompanham e as submetem.

Beauvoir defendia que era essencial demarcar as diferenças entre homens e mulheres, mas que isso não poderia significar, de forma alguma, “subordinação do feminino ao masculino”. “A representação de que o homem é o positivo e a mulher o negativo prejudica as mulheres em seu processo de emancipação” (BEAUVOIR, 1970, p. 9).

Adentrar a realidade das mulheres com vistas à emancipação e questionar a submissão posta pela socieade à mulher propiciou uma abordagem biológica, psicanalítica, histórica e mitológica sobre o sexo feminino.

As mulheres demandavam ampliar seus direitos dentro de uma sociedade patriarcal e machista. Esse reconhecimento dos limites, dos desafios e das

possibilidades as mobilizava para a organização do movimento feminista. Ao denunciar os dilemas que cercavam a situação da mulher na cultura ocidental, Simone de Beauvoir contribuiu para a afirmação das mulheres como sujeitos políticos, impulsionando as organizações e os movimentos feministas.

Nos anos de 1950 e 1960, a escritora Betty Friedan denunciou, no livro Mística Feminina, a resignação das mulheres americanas diante do seu destino de viverem recolhidas aos seus lares. Esse diagnóstico foi realizado a partir de uma pesquisa com as ex-alunas do Smith College, em Massachussets, nos Estados Unidos, colégio onde a própria Friedan estudou. Lá ela identificou o quanto as mulheres estavam insatisfeitas com suas vidas domésticas e, principalmente, com a falta de expectativa de se encontrarem dentro desse modo de vida que era tido como o único destino possível para elas.

As feministas se envolveram com as questões de liberdade e independência postas em seu tempo, como a questão da abolição da escravatura nos Estados Unidos e no Brasil; o acesso à educação; a superação da submissão da esposa ao marido tratada na Convenção em Prol dos Direitos da Mulher, realizada em Seneca Falls, Nova York, em 1848; e a alteração do Estatuto da Mulher Casada, no Brasil, em 1962. Ressalta-se também uma luta permanente, até os nossos dias, que é a disputa de concepção de Estado, sendo sempre a de um estado laico versus um estado confessional, em que a primeira visualiza a mulher cidadã, provida de direitos, e a outra, que espera uma mulher sempre saída da costela de Adão. Para Beauvoir (1970):

[...] em qualquer parte, em qualquer época os homens exibiram a satisfação que tiveram de se sentirem os reis da criação. “Bendito seja Deus nosso Senhor e o Senhor de todos os mundos por não me ter feito mulher”, dizem os judeus nas suas preces matinais, enquanto suas esposas murmuram com resignação: “Bendito seja o Senhor que me criou segundo a sua vontade”. (BEAUVOIR, 1970, p. 16)

Uma das primeiras mulheres a falar em público sobre os direitos da mulher na América foi Ernestine Rose, filha de um rabino, que se revoltou contra a doutrina de sua religião, a qual decretava a inferioridade da mulher em relação ao homem. Tornou-se livre pensadora, graças à influência do filósofo utópico Robert Owen, e desafiou costumes religiosos ortodoxos casando com o homem a quem amava. Nos

tempos da luta mais acirrada pelos direitos da mulher, insistia sempre em que o inimigo não era o homem. “Não combatemos o homem e sim os maus princípios”. (FRIEDAN, 1971, p. 76-82).

As feministas tiveram um importante momento com a Convenção em Prol dos Direitos da Mulher,44 na qual foi tratada e demandada a superação da situação da mulher casada, submetida a seu marido, que “lhe tirava o nome, o direito à propriedade, à educação, impingia seu código de conduta moral e exigia obediência, podendo, inclusive, castigar sua esposa”.45

A própria convenção foi iniciativa de uma mulher, Elizabeth Cady Stanton,

uma senhora culta, abolicionista, que se viu frente a frente com as realidades do tédio e do isolamento, como dona de casa de cidade pequena. [...] na cidadezinha de Séneca Falis, sentia-se insatisfeita naquela vida de cozinhar, costurar, lavar e criar um filho após outro. O marido, líder abolicionista, ausentava-se com frequência. (FRIEDAN, 1971, p. 82).

Foi de Elizabeth a chamada para a primeira Convenção em Prol dos Direitos da Mulher. Ela discursou sobre as dificuldades das mulheres que viviam num ambiente isolado. Seu discurso dizia “Não sabia o que fazer, nem por onde começar. Minha única ideia era uma reunião pública para protesto e discussão".46

Elizabeth apenas colocou um anúncio nos jornais e donas de casa e moças que jamais haviam conhecido outro tipo de vida acorreram em grandes grupos, vindas de um raio de cinquenta milhas, para ouvi-la falar. (FRIEDAN, 1971, p. 82).

Nas lutas abolicionistas do século XIX, nos EUA, Friedan (1971), destaca Lucy Stone, que era anunciada como uma mulher masculinizada, uma personagem escatológica divulgada para ridicularização das feministas e diminuição de seu papel à frente das causas das mulheres. A história de Lucy Stone resume a história das feministas do século XIX, os preconceitos sofridos por elas e a capacidade de

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Realizada em Seneca Falls, Nova York, em 1848, como um marco do nascimento do movimento feminista nos Estados Unidos.

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Id., 1971, p. 74.

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superação e enfretamento das disputas sociais por ideais libertários descreve sua história47. (FRIEDAN, 1971, p.78 e 79)

A participação das mulheres nas lutas sindicais no início do século XX também foi destacada. Jane Addams e Hull House travavam

combate pelas reformas socialistas, [...] ao despertar do movimento sindicalista e das grandes greves e contra as intoleráveis condições de trabalho nas fábricas. Para as moças operárias, trabalhando a seis dólares por semana até 10 horas da noite, multadas por falar, rir ou cantar, a igualdade era mais uma questão de educação que de voto. Fizeram passeatas sob frio intenso, em meses de fome geral; muitas foram agredidas por policiais e levadas nos carroções da polícia. E as novas feministas conseguiam dinheiro para a fiança e o alimento das grevistas. (FRIEDAN, 1971, p. 86.)

Com seu trabalho, Friedan desvendou essa redoma em que viviam as mulheres americanas e gerou impactos importantes para uma segunda onda do movimento feminista americano. Na primeira onda, descrita anteriormente, as mulheres lutavam por direitos civis e políticos, e, nessa segunda onda, passaram a lutar por igualdade.

O movimento feminista questionou fortemente o papel designado às mulheres e enfrentou os preconceitos, a redução de suas pautas políticas pela mídia, novamente a disseminação do espírito de abominação da feminista travando a disputa do imaginário social em que estas eram tomadas como agressivas, mal- amadas e descomprometidas com a família.

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A mulher masculinizada era a imagem das feministas do século XIX. Lucy Stone era vista como esse personagem escatológico divulgado para ridicularizacão das feministas e diminuição de seu papel à frente das causas das mulheres. A história de Lucy Stone resume a história das feministas do século XIX, os preconceitos sofridos por elas e a capacidade de superação e enfretamento das disputas sociais por ideais libertários descreve sua história: “Ela nasceu em Massachusetts, em 1818, aos dezesseis começou a lecionar ‘a um dólar por semana, economizando durante nove anos a fim de conseguir o bastante para ingressar na universidade’. ” (FRIEDAN, 1971, p. 78).

“ Em Oberlin, foi uma das primeiras mulheres a se diplomar no “curso regular”. “Lucy Stone era pequenina, tinha voz suave e cristalina, capaz de acalmar uma multidão enfurecida. Discursava sobre a abolição aos sábados e domingos, como agente da Sociedade Anti-Escravagista. Casou-se com Henry Blackwell, e escreveram juntos um pacto antes de trocarem as promessas conjugais: "Depois de reconhecer nossa mútua afeição assumindo publicamente a relação de marido e mulher... consideramos um dever declarar que este ato não implica, de nossa parte, em nenhuma sanção ou promessa de obediência voluntária às atuais leis do casamento, que não reconhecem a esposa como um ser independente e racional e conferem ao marido uma superioridade injuriosa e contra a natureza.” “Lucy conservou o nome de solteira, num temor mais que simbólico de que se tornando esposa morreria como pessoa humana. ” (FRIEDAN, 1971, p. 79).

(A Faculdade de Oberlin (Oberlin College) é uma instituição particular fundada em 1833 e localizada em Oberlin, no estado de Ohio. Disponível em: <http://www.hotcourses.com.br/study/us-usa/school- college-university/oberlin-college/115359/international.html>

Uma das mais significativas manifestações do movimento feminista na década de 1960 foi a “queima dos sutiãs” em praça pública, em 1968. Embora a queima propriamente dita não tenha se concretizado, o ato chamou a atenção da sociedade. Miranda (2008), indica que

durante os desfiles de Miss America 1968, (as) mulheres levaram vários objetos como vidros de laquê, sapatos de salto alto e sutiãs e os jogaram em uma lata de lixo. Se a performance teve o objetivo de simbolizar o repúdio dessas mulheres a uma única alternativa de “ser mulher”, ou seja, de um universo feminino construído pela indústria e sociedade de consumo, a manchete do jornal do dia seguinte nomeava o ato como Bra-burning (queima do sutiã). (MIRANDA, 2008, p. 139).

Até hoje a queima dos sutiãs causa polêmica, escárnio e piadas, e é tratada como um ato radicalizado das feministas. Carol Hanisch, uma das organizadoras da ação, comentou, em setembro de 2008, quarenta anos depois do protesto, ainda teria de explicar:

a “distorção” do ato feita pelo jornal New York Post, repetida posteriormente por inúmeras mídias. Sintomático, talvez, a perpetuação dessa imagem – um fragmento de notícia que erotiza uma performance feita contra a objetificação do corpo feminino, restabelecendo, perversamente, a representação das mulheres como objetos sexuais. Ao recontar/recriar a performance, a mídia criou outra representação da mulher: a da fêmea indomável, feminista que num strip-tease arranca o objeto de fetiche para queimá-lo em praça pública. (MIRANDA, 2008, p. 139).

O resultado desse movimento entrou para a história como um momento de liberação feminina. Outros eventos vieram acompanhar essa virada, como a adoção da pílula anticoncepcional, que permitiria à mulher escolher o melhor momento para ter ou não ter filhos.48 A ocupação dos postos de trabalho por mulheres em busca de carreiras profissionais, e não somente em busca dos antigos empregos de meio

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No final da década de cinquenta, o índice de natalidade nos Estados Unidos aproximava-se do da Índia. O movimento em prol do controle de nascimentos, rebatizado de Planejamento Familiar, recebeu o encargo de descobrir um método segundo o qual as mulheres que haviam sido desaconselhadas de ter um terceiro ou quarto filho, que poderia nascer morto ou deficiente, pudessem tê-lo, de qualquer maneira. Os especialistas em estatística surpreendiam-se, principalmente com o fantástico aumento do número de filhos entre as estudantes universitárias. Onde antigamente havia famílias com duas crianças, viam-se, então, quatro, cinco ou seis. As jovens que nas décadas anteriores desejavam seguir uma carreira preferiram a maternidade. Era o que publicava, jubilante, a revista Life em julho de 1956, num hino de louvor ao movimento da mulher americana de regresso ao lar (FRIEDAN, 1971, p. 18).

período, descritos por Friedan (1971) como ocupações feitas nos intervalos entre a vida de solteira e a de casada.

Para Tarrow (2009), as “mobilizações por ampliação de direitos encontram na história a importância do movimento feminista nos últimos séculos, que, com sua mobilização, fez ampliar o espectro de cidadania em diversos países”. Tarrow analisa esse movimento nos Estados Unidos, nos anos de 1960 a 1990, com organização e resultados positivos, vejamos:

a participação em movimentos não era apenas politizante; ela dava poder, tanto no sentido psicológico, de dar uma crescente disposição a assumir riscos, como no sentido político, de dar acesso a novas habilidades e a perspectivas ampliadas.[...] entrevistadas vinte anos mais tarde, mulheres ex-voluntárias da Freedom Summer49 estavam mais frequentemente envolvidas com movimentos sociais contemporâneos que seus companheiros masculinos e mais propensas a pertencer a organizações políticas. (McADAM, 1998, p. 222 apud TARROW, 2009, p. 209-210).

Tarrow (2009), ao analisar os resultados dos movimentos de 1968 na França e nos Estados Unidos da América, demonstra que “durante os anos de 1970, quando a cultura americana declinou, o movimento feminista ficou mais forte, dando a elas ‘um veículo para manter seu ativismo e uma comunidade que apoiava um

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O auge do movimento pelos direitos civis foi no início dos anos 1960, quando dois democratas liberais – John F. Kennedy e Lyndon Johnson – ocuparam a Casa Branca. Dados do período mostram que o otimismo na comunidade negra [...] A ideia de que Kennedy e Johnson eram simpáticos ao movimento foi fundamental para a dinâmica estratégica que impulsionou as principais campanhas pelos direitos civis durante o período. [...] os principais líderes dos direitos civis concordaram com uma moratória sobre a ação direta antes da eleição presidencial de 1964. O objetivo era evitar a alienação do sul branco às vésperas da eleição. Mas a mais radical das organizações dos direitos civis – Student Nonviolent Coordinating Committee – SNCC (Comitê Não- Violento de Coordenação Estudantil) – viu a eleição como uma oportunidade para criticar o veto ao direito de voto dos negros nos estados do sul. O comitê rejeitou o acordo informal e engajou-se em uma forma inovadora de mobilização eleitoral proativa: na esperança de registrar eleitores negros antes da eleição, levou ao Mississippi 1.000 estudantes universitários do norte, na maioria brancos, no verão de 1964. Muito rapidamente, no entanto, os brancos sulistas vetaram os registros e deixaram bem claro que isso não seria permitido, o que levou o SNCC a mudar de tática. Se o estado do Mississippi não permitisse aos negros participarem do processo eleitoral regular, o SNCC criaria um sistema paralelo. Eles fundaram o Mississippi Freedom Democratic Party – MFDP (Partido Democrático da Liberdade de Mississippi), com “registro livre” para milhares de eleitores negros, e naquele verão reuniram uma delegação do MFDP para ir a Atlantic City desafiar os candidatos do Estado, a delegação branca oficial. Por um tempo, parecia que o desafio teria sucesso; mas, às vésperas da eleição geral em novembro, Johnson repeliu o desafio e ofereceu as vagas à delegação oficial do Mississippi, para evitar o antagonismo da ala sulista do partido. [...] Em uma das grandes ironias da história americana, aquela que é talvez a maior realização da luta pelos direitos civis – a restauração do direito de voto dos negros no sul – preparou o cenário para a ressurreição do Partido Republicano e a remarginalização da questão racial na política dos EUA. (TARROW; McADAM, 2011, p. 39-41).

estilo de vida em geral feministas’.50

O resultado foi um crescimento espetacular do número de mulheres eleitas para cargos públicos e aprovação no Congresso de leis de interesse para as mulheres.” (COSTAIN, 1992, p. 10-11; TARROW, 2009, p. 216).