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4.1 A aprovação do PNAISM no CNS

4.1.1 A criação do PAISM

As lutas do movimento feminista pela saúde da mulher, no Brasil, têm como marco o Programa de Assistência à Saúde (PAISM), criado em 1983. Identificamos, conforme capítulo III, que as ações programáticas aprovadas como sustentação a esse programa eram consignadas a uma base de planejamento de ações de saúde

pautadas nos determinantes sociais90 e atenção integral à saúde para a superação do modelo materno-infantil.

Quando a gente descobriu que a política de saúde da mulher colocada no Brasil era uma política materno-infantil, nós metemos a mão naquilo, e não era nossa política, e colocando de uma forma muito clara, a mulher não é apenas uma barriga reprodutiva, nós temos peito, temos perna, cabeça, tudo, e cadê esse outro todo? Nós brigamos para tirar esse materno-infantil e ficar saúde da mulher. Isso aí nos possibilitou, deu um grito de guerra muito grande. (2ª entrevistada).

No início dos anos de 1980, o PAISM confrontou políticas de controle da natalidade infundidas no país, naquele momento de ditadura militar, que desafiava a ação dos profissionais de saúde e, ao mesmo tempo, impulsionava a autodeterminação das mulheres sobre seu próprio corpo e sobre sua saúde.

A 3ª entrevistada nos contou que, à época, Mozart de Abreu e Lima, que era o secretário-geral do Ministério da Saúde, com Ana Maria Costa, da Divisão de Saúde Materno-infantil, elaboraram o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher com base nos determinantes sociais e integralidade da atenção, e o ministro da Saúde, Valdyr Arcoverde o apresentou ao presidente da República, João Figueiredo, como resposta à demanda posta pela Presidência da República, de uma política de controle demográfico ou controle da natalidade.

Aprovado o programa, foi necessário enfrentar as instituições internacionais com essa intenção controlista. A 3ª entrevistada relata

nós tínhamos uma distribuição indiscriminada de contraceptivos orais, feitos pelas BEMFAMs (Sociedade Civil de Bem-Estar Familiar), que chegavam nas municipalidades e montavam seus postinhos, tinha instalação sem autorização de DIUs, e o grande escândalo das laqueaduras sem permissão das mulheres, quer dizer, tudo isso, tinha um mecanismo que era extremamente perverso (3ª entrevistada).

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De acordo com definição da Organização Mundial de Saúde (OMS), os determinantes sociais da saúde estão relacionados às condições em que uma pessoa vive e trabalha. Também podem ser considerados os fatores sociais, econômicos, culturais, étnico-raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e fatores de risco à população, tais como

moradia, alimentação, escolaridade, renda e emprego. Disponível em:

Todas as entrevistadas relataram essa ação invasiva sobre os corpos das mulheres, como as laqueaduras sem permissão, e se recordaram de pesquisa desenvolvida na Unicamp-SP, nos anos de 1980, coordenada por Anibal Fagundes, de um anticoncepcional chamado NORPLANT, que estava em fase de testes, e mulheres vinham sendo utilizadas como “cobaias humanas”. Essa denúncia perpassou o Conselho dos Direitos da Mulher, a 8ª Conferência Nacional de Saúde e a 1ª Conferência de Saúde da Mulher, e essa mobilização fez suspender a pesquisa.

Com essa bandeira do PAISM nas mãos, as feministas atuavam em frentes de ação nos serviços de saúde. As entrevistadas indicam que era importante institucionalizar e divulgar o PAISM. Para a 2ª entrevistada

Então a gente queria entrar no serviço público, além de conversar com dirigentes se tivesse condições, tentar tirar aquela plaquinha dali (da saúde-materno infantil) e tentar colocar a plaquinha do PAISM, era uma coisa importante para gente.(2ª entrevistada).

Ainda a 2ª entrevistada fala das mobilizações feministas dos anos de 1970, pelo direito das mulheres sobre seu próprio corpo,

a gente gritava muito na década de 70 era “nosso corpo nos pertence”, que corpo é esse que me pertence, se eu não conheço corpo, se eu não tenho intimidade com esse corpo, eu não sei quem ele é quem conhece esse corpo, é o médico, é o meu homem? Eu não sei qual é o meu corpo. E aí as mulheres foram sentando e se ajudando a conhecer o seu corpo. (2ª entrevistada).

Para a 5ª entrevistada, o PAISM, mobilizou as mulheres, pela sua autonomia,

então eu posso falar do PAISM a partir da minha experiência na época e vivência, [...] nós trabalhamos muito com a questão da autonomia das mulheres, da força das mulheres do campo, e das questões de saúde que atingiam as mulheres muito nessa visão sistêmica, de um sistema capitalista, de um sistema nacional que também bloqueava direitos das mulheres. (5ªentrevistada).

A 3ª entrevistada avalia as dificuldades que o PAISM teve para sua implantação,

o PAISM nunca se consolidou como um programa [...] dentro do que era preconizado, que era muito, o serviço de saúde e seu lugar da

construção de autonomia de saúde das mulheres, seu lugar onde repassa a informação e empodera, para usar um termo, empodera as mulheres para elas serem ativas na intervenção e no cuidado da sua saúde, inclusive no questionamento da assistência, no combate à medicalização, é uma perspectiva muito ousada, muito moderna. Os métodos deveriam ser todos e as mulheres deveriam ter autonomia de escolha. A questão da laqueadura teria que ter uma vigilância permanente. O câncer de colo uterino deveria ser foco de mudança, mama idem, DST devia, enfim... (3ª entrevistada).

Portanto, a criação do PAISM e as ações para sua implantação apontaram oportunidade políticas e ações coletivas de confronto (TARROW, 2009). As oportunidades políticas vinham dos avanços na possibilidade de construção do programa de assistência integral à saúde da mulher, no Brasil. A primeira estratégia de mobilização era a luta pela implantação do próprio PAISM, e os relatos apontam diversas ações entre os profissionais de saúde com as comunidades. Também as ações de confronto no enfrentamento dos governos e instituições internacionais que desenvolviam ações de controle da natalidade em favor dos direitos femininos como direitos humanos.

4.1.2 As disputas de concepção sobre a atenção à saúde da mulher. Entre o