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4.1 A aprovação do PNAISM no CNS

4.1.3 A construção Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM) e a

4.1.3.2 A construção e implantação da PNAISM, de 2004 a 2006

Conforme explicam Abers e Tagatiba, a partir de 2003, no Governo Lula, o PAISM ganhou impulso quando Maria José de Araújo – uma das fundadoras da Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos – foi nomeada coordenadora da Área Técnica de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde.

She led the effort to transform the program into a “policy”. […] The guidelines also incorporated new ideas, explicitly emphasizing that health policy should address the needs of a diversity of social groups such as black women, rural workers, lesbians, HIV positive women, and so on. The Technical Area would now be responsible not just for implementing particular projects but also for guaranteeing that the policy was implemented throughout the ministry, and, if possible, the health care system as a whole. The Lula period is described by the feminists we interviewed as the heyday of women’s health, a period when the ideal of “integrated” care was taken seriously.”101(ABERS; TATAGIBA, 2014, p. 14).

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Ela liderou o esforço para transformar o “programa” em uma “política”. [...] As diretrizes incorporaram novas ideias, enfatizando explicitamente que a política de saúde deve atender às necessidades de uma diversidade de grupos sociais, como as mulheres negras, rurais, trabalhadoras, lésbicas, mulheres soropositivas, entre outras. A Área Técnica seria responsável pela implementação

As iniciativas em defesa da atenção integral à saúde da mulher no Governo Lula começaram com a publicação da Lei nº 10.778, de 24 de novembro de 2003, que estabelece a notificação compulsória, no território nacional, dos casos de violência contra a mulher, atendidos em serviços de saúde públicos ou privados.102 Após o lançamento da PNAISM, pelo Ministério da Saúde, em maio de 2004, diversas ações se sucederam, especialmente com a edição de normas técnicas que foram gerando algumas garantias para o atendimento das mulheres em situação de vulnerabilidade. Depois do processo de implantação da PNAISM, no ano de 2005 diversas iniciativas para enfrentar a morte materna por abortamento inseguro foram dispostas. Primeiro, a Norma Técnica de Prevenção e Tratamento dos Agravos resultantes de Violência Sexuais contra Mulheres e Adolescentes, que indicava entre outros, que:

A realização do abortamento não se condiciona à decisão judicial que ateste e decida se ocorreu estupro ou violência sexual. Portanto, a lei penal brasileira não exige alvará ou autorização judicial para a realização do abortamento em casos de gravidez decorrente violência sexual. O mesmo cabe para o Boletim de Ocorrência Policial e para o laudo do Exame de Corpo de Delito e Conjunção Carnal, do Instituo Médico Legal.(NT,2011, p.43)103

Em seguida, a Norma Técnica de atenção humanizada ao abortamento. Apresentada pelo ministro Humberto Costa e embasada no reconhecimento do governo brasileiro à

Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada no Cairo em 1994, e a 4ª Conferência Mundial sobre a Mulher, ocorrida em Beijing, em 1995, e que afirmou os direitos sexuais e os direitos reprodutivos das mulheres como direitos humanos e recomendaram aos Estados programas de atenção de

de projetos específicos, para garantir que a política fosse implementada em todo o Sistema Único de Saúde. O período Lula é descrito pelas feministas entrevistadas como o auge da saúde das mulheres, um período em que o ideal de cuidado integrado “foi levado a sério.” (ABERS; TATAGIBA, 2014). (Tradução Livre)

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O cumprimento da medida é fundamental para o dimensionamento do fenômeno da violência sexual e de consequências, contribuindo para a implantação de políticas públicas de intervenção e prevenção do problema. Essa lei foi regulamentada pelo Decreto-Lei nº 5.099 de 03/06/2004 e normatizada pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde através da Portaria MS/GM nº 2.406 de 5 de novembro de 2004, que implantou a notificação compulsória de violência contra a mulher no âmbito do Sistema Único de Saúde. (NT, 2011, p. 24).

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qualidade a todas as pessoas para que possam exercer tais direitos. (NT, 2005, p. 5) 104

Essas ações foram reafirmadas com a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, – também conhecida como Lei Maria da Penha – que

criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, estabelecendo mudanças na tipificação dos crimes e nos procedimentos policiais e jurídicos, [...] incluindo os serviços de anticoncepção de emergência, a profilaxia das DSTs/Aids e outros procedimentos em saúde necessários e cabíveis nos casos de violência sexual. (NT,2011, p.24).

O Plano Nacional de Políticas para as Mulheres elaborado e publicado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres, em 2004, indica, dentre os objetivos, metas, prioridades e plano de ação,105 a implantação da PNAISM. A ATSM publicou, ainda, nos anos de 2004 e 2005, programas de qualificação profissional contendo estratégias de formação de redes de enfrentamento às situações de violência doméstica e sexual e de anticoncepção de emergências e atendimento à anticoncepção de emergência.106

No entanto, verificamos que no documento de Diretrizes do Pacto pela Saúde em 2006107 – Consolidação do Sistema Único de Saúde –, publicado na Portaria/GM nº 399, de 22 de fevereiro de 2006, e aprovado pelo CNS em 9 de fevereiro do mesmo ano, que foi firmado entre as três esferas de gestão, ou seja, em pactuação tripartite, as questões de saúde da saúde da mulher, destacadas como ações

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Disponível em: < http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_humanizada.pdf>.

105 “implantação, na Atenção Integral à Saúde da Mulher, de ações que atendam as necessidades

específicas das mulheres nas diferentes fases do ciclo vital, abrangendo as mulheres negras; com deficiência; índias; presidiárias, trabalhadoras rurais e urbanas; e com diferentes orientações sexuais; contemplando questões ligadas às relações de gênero. [...] a implantação e implementação da assistência em planejamento familiar, para homens e mulheres, adultos e adolescentes, na perspectiva da atenção integral à saúde. [...] promoção da atenção obstétrica, qualificadas e humanizadas, inclusive a assistência ao abortamento em condições inseguras, para mulheres e adolescentes, visando reduzir a mortalidade materna, especialmente entre as mulheres negras e [...] revisar a legislação punitiva que trata da interrupção voluntária da gravidez”. (Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. – Brasília: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, 2004, p. 63)

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Disponível em:

<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/anticoncepcao_emergencia_perguntas_ respostas_2ed.pdf>.

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estratégicas são restritas a: Controle do Câncer do Colo do Útero e da Mama e Redução da mortalidade infantil e materna.

Para a 1ª entrevistada

Aí o PNAISM, na minha opinião, ele sofre um duro golpe, eu acho, quando na Assembleia da ONU foi aprovado os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio, que adapta o país, adaptou o Brasil, pelo menos o mundo inteiro à menina dos olhos das propostas neoliberais, inclusive referendadas no relatório de 1993 do Banco Mundial investido em saúde, que é a focalização, então o PNAISM era uma política nacional integral, cumpria os princípios do SUS, estava dentro do SUS, em um sistema que já estava contra- hegemônico, e aí com o os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio nós voltamos a ser reduzidas a quê? Diminuir a mortalidade materna é um dos objetivos, o outro é o câncer de mama, diminuir a mortalidade infantil, HIV, e não me lembro quais eram os outros, mas eu sei que nós ficamos reduzidas a três objetivos, aí o governo brasileiro fez algum tipo de, não é manobra, um jeito de funcionamento meio estranho na formulação das políticas que acabou formulando o Pacto pela Saúde 2006. (1ª entrevistada).

A partir dessa decisão do Ministério da Saúde, de inserir somente essa duas ações no Pacto pela Saúde, identificamos o prejuízo da não pactuação da PNAISM na CIT.

Outras políticas, como Saúde do Idoso, Programa de combate às DST/Aids e Programa de Saúde da Família, foram citadas na íntegra, e o PNAISM, não. Verificamos, assim, que essa disputa de concepção adentra novamente ao espaço da concepção de atenção à saúde da mulher. Ao menos naquele período, a própria ATSM era a responsável pelo acompanhamento desse pacto de gestão, mas muitas entrevistadas citaram essa fragmentação como o primeiro processo para a desconstrução de uma política de saúde.

Verificamos, assim, que essa disputa entre o materno-infantil e a saúde integral é um “conflito político e cultural”, conforme Diani e Bison (2010), que gera tensionamentos entre os atores políticos envolvidos nesta trama, e definem os rumos da política de saúde a ser desenvolvida, que estão além do Ministério da Saúde, pois a saúde da mulher é pauta do Legislativo, do Judiciário e dos meios de comunicação.