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A PERCEPÇÃO VISUAL E AS IMAGENS

6.7. A óptica ecológica de Gibson

Consideremos os conceitos da óptica ecológica: a luz ambiental (ambient light), o

quadro ambiental (ambient array), e a atenção visual exploratória (exploratory visual

attention), esta última como interacção entre os olhos, a cabeça e o corpo com o ambiente externo:

«First, the eyes are stabilized relative to the ambient array, being compensated for movements of the head or the head-and-body. Second, they are fixated on parts or details of the ambient array. Third, they selectively sample this array by jumping from one fixation to another. The body can be stationary or moving with reference to the environment, the head can be stationary or moving with reference to the body, and the eyes can be stationary or moving with reference to the head» (Gibson, 1966: 259).

De acordo com a teoria ecológica da percepção visual, as imagens seriam, assim, produtos artificiais elaborados pelos seres humanos em superfícies pré-existentes com a intenção de serem vistas:

«Like any other surfaces of the world, they must be illuminated (or transilluminated or self-luminous) in order to convey information to the eye. They cannot be seen in the dark. They are sources of optical stimulation. But the peculiar fact about displays and images is that they are modifications of pre-existing surfaces, made for the special purpose of being looked at» (Gibson, 1966:224).

Apresenta-se ainda outra definição de imagem, a do quadro óptico que contém informação estruturada em substituição de um outro quadro óptico:

«A representative display, an image, provides stimulus information about something other than it is. More exactly, as I have suggested elsewhere, its optic array yields some of the structural information as would the optic array from another part of the environment at a distance place or a different time. It is a substitute or surrogate, and thus provides a kind of perception mediated instead of direct, a perception at second hand» (Gibson, 1966: 225).

Na verdade, o contributo de Gibson para desmontar a metáfora do olho como câmara que regista instantâneos guardados na memória, foi decisivo e determinante para o paradigma computacional de Kosslyn (1980) ou de Marr (1982):

«The fallacy of supposing that the eye is a picture-taking instrument employed by the brain, or by a homunculus in the brain, is almost unquestioned by physicists and physiologists, and it equally confuses psychologists. They are accustomed to talking about visual afterimages, memory images, and mental images  still another extension of the original meaning. This metaphorical usage leads to the theory that memory is the ‘storing’ of images so as to permit later ‘retrieval’ and that thinking consists of the little photographer in the brain looking at his collection of snapshots.The cerebral image in the brain, the physiological image in the nerve, and the retinal image in the eye are all fictions» (Gibson, 1966: 226). Se todos os desenhos são imagens, nem todas as imagens são desenhos. No sentido comum, as experiências de ver imagens, fotografias, desenhos, confundem-se todas numa só experiência. Por exemplo, a experiência de ver a fotografia de um local conhecido será um reconhecimento de um lugar, através da identificação de certos elementos que foram reconhecidos como tal.

De facto, vermos as coisas em imagens será o mesmo que vermos as coisas directamente sem nenhuma forma de representação intermediária? Vermos as coisas será o mesmo que as vermos representadas nas imagens? Se estivermos a falar da nossa experiência perceptiva de estar num lugar e apreciar o que estamos a ver, por exemplo, a Torre de Belém com o sol poente, e «tirarmos» uma fotografia nesse momento, ao compararmos a fotografia com a lembrança do que sentimos nesse momento, facilmente concluímos que se trataram de duas experiências diferentes: ver a fotografia e ver mentalmente o que foi visto naquele momento. Esta é muito mais do que uma

Quando observamos imagens ou desenhos o que estamos a ver é o espaço

figurativo ou pictórico (pictorial space). Mas nem sempre estamos conscientes desse

estatuto especial que as imagens têm, pois elas também são objectos materiais, ou seja, elas são imagens mentais percebidas através das imagens materiais. De facto, por um lado, as imagens são coisas que são vistas e, por outro lado, são coisas elaboradas intencionalmente para serem percebidas. Em simultâneo, elas são objectos perceptivos e

artefactos produzidos elaborados para serem percebidos  «Pictures seem to be as easy to see as anything else, but this fact reflects the special character of pictures as made man objects, as human artefacts» (Rogers, 1995: 158).

As imagens tornam disponível o mesmo tipo de informação que as cenas reais, sendo a percepção das relações espaciais figurativas determinada pelo mesmo processo de detecção directa da estrutura óptica ambiental (Gibson, 1979; Rogers, 1995).

Numa crítica à teoria da percepção directa de James Gibson, Sheppard (1990a) afirma que os fenómenos da ilusão e da ambiguidade visuais só dizem respeito às condições artificiais, sejam as experiências de laboratório dos psicólogos, a mala do mágico, a caixinha da perspectiva ou o quarto de Ames, em que o ponto de vista está determinado à partida. Em condições ecologicamente válidas, ainda segundo a terminologia de Gibson (1966, 1979), as informações de que dispõe um sujeito livre de se deslocar e alterar o seu ponto de vista permitem-lhe apreender uma configuração ambiental tendo como base a percepção directa.

Apesar das informações recolhidas a partir de um único ponto de observação poderem vir a ser compatíveis com uma enorme variedade de mundos possíveis, os diferentes pontos de vista pelo observador móvel só são verdadeiramente compatíveis com um único ponto de vista (Sheppard, 1990a).

Para Sheppard (1990a), apesar desta tese ser indiscutível relativamente à percepção visual em condições naturais e favoráveis, ela não responde às outras questões colocadas pelos investigadores da cognição, do comportamento e sistema nervoso: (i) sob qual forma é que as informações pertinentes estão contidas na configuração de raios luminosos captados pela retina do observador em movimento? (ii) De que modo são extraídos, pelo sistema visual, os processos neuronais? (iii) O que acontece, de facto, quando se olha rapidamente uma cena pouco iluminada ou parcialmente escondida? Ora, ainda segundo Sheppard (1990a), a caracterização da percepção «directa», de Gibson, e a sua rejeição da construção de uma representação interna do mundo exterior pelo

sistema visual, só respondem à primeira questão, mas deixam sem resposta as outras duas.

Em alguns casos ocorrem situações com alinhamentos improváveis de objectos devido à iluminação ser insuficiente ou à ocultação parcial de objectos por outros objectos. Por outro lado, o ambiente visual da sociedade contemporânea é caracterizado pela exposição frequente aos estímulos visuais das técnicas da comunicação visual, onde a imagem é omnipresente. De facto, segundo Sheppard (1990a), a teoria de Gibson não consegue explicar porque é que o ponto de vista fixo, quando imposto artificialmente ao observador, não deixa de identificar apenas um dos muitos mundos possíveis compatíveis com a projecção obtida a partir desse ponto. Propõe a hipótese de que a escolha de uma solução rectangular nos dispositivos de Ames, entre todas as outras interpretações possíveis, talvez tenha origem num conhecimento inconsciente e interiorizado das propriedades geométricas gerais e abstractas do mundo, através de princípios interiorizados subjacentes, e o mesmo se passa com a interpretação das imagens (Sheppard, 1990a).

Contrariamente a uma pessoa que observa o interior de uma caixinha de perspectiva ou um quarto de Ames, o observador de um desenho, tal como contempla uma cena tridimensional natural, é livre de adoptar pontos de vista diferentes. Mas as transformações da projecção de um desenho devidas às mudanças de posição do observador não são as mesmas se o desenho tivesse sido substituído pela cena correspondente. Isto poderia explicar, em parte, porque é que nós percebemos o desenho como uma representação bidimensional, contrariamente a um quadro em trompe l’oeil (Sheppard, 1990a). Um quadro que representa uma cena em três dimensões oferece, implicitamente, o seu próprio ponto de observação. A imagem na retina que ele produz não será, assim, idêntica àquela que engendraria esta cena se ela fosse vista segundo o ângulo único adoptado pelo pintor. Surpreendente é que haja tão poucas distorções, mesmo quando estamos longe do ponto de observação do artista ou da câmara, por exemplo, na projecção cinematográfica. De início, o sistema visual calcula, a partir das informações dadas pela textura e os bordos da superfície plana sobre a qual a imagem está pintada, impressa ou projectada, qual é a distância e a inclinação relativas em relação ao campo visual. Em seguida, com os dados relativos do suporte da imagem no espaço, ele compensa a distorsão da projecção retiniana determinada pelo desvio do observador em relação ao ponto de vista implícito da imagem. Finalmente, uma vez

tridimensional pintada ou projectada, como se estivesse a ver a imagem com o ângulo visual correcto (Sheppard, 1990a). Este processo complexo da interpretação visual tem várias etapas e pode ser confirmado pelo que se passa na pintura em trompe l’oeil. Um quadro em trompe l’oeil, parecendo perfeitamente realista e tridimensional em boa perspectiva, pode parecer pouco realista e até deformado sob um ângulo visual fortemente inclinado (Sheppard, 1990a). Segundo Pirenne (1970), esta impressão de distorção é devida ao facto de que, não dispondo das informações sobre a disposição da superfície bidimensional na pintura em trompe l’oeil, o sistema visual não consegue corrigir e restabelecer a cena tridimensional pintada quando se muda de ponto de vista. Em condições normais de observação da imagem, as informações visuais relativas à superfície pintada, impressa ou projectada produzem efeitos opostos: por um lado, elas reduzem a ilusão espacial da cena em relação àquela que temos no trompe l’oeil visto sob um bom ângulo; por outro lado, reforçam os elementos invariantes da interpretação tridimensional ao mudar a perspectiva (Sheppard, 1990a).

Em todos os casos, a representação da perspectiva em «plano» de uma cena tridimensional implica, necessariamente, um ponto de vista particular pré-definido. Claro que, em imagens normais, os observadores não são obrigados a adoptar esse ponto de vista, mas as suas reacções sensoriais não deixam de estar assentes num cálculo inconsciente dos seus sistemas visuais e, o resultado é que, independentemente do modo como a imagem é vista, aquilo que sentem seria o mesmo se a contemplassem sob o ponto de vista seleccionado pelo artista (Sheppard, 1990a).