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Os modelos psicológicos do desenvolvimento artístico

O DESENVOLVIMENTO GRÁFICO

4.5. Os modelos psicológicos do desenvolvimento artístico

Os conceitos relativos ao desenvolvimento estiveram subordinadas a dois modelos gerais baseados na relação entre fases ou estágios de desenvolvimento por idades (stage- by-age) e entre o «habilidoso prático com experiência» e o «aprendiz principiante» (expert-novice), de acordo com os psicólogos das tendências históricas do desenvol- vimento artístico (Freedman, 1997).

No campo da didáctica, estas concepções psicológicas do desenvolvimento artístico estiveram na base do currículo centrado na criança (1920-1930) e no currículo centrado na disciplina no período posterior a 1960. Enquanto no ensino básico o currículo centrado na criança era o dominante, no ensino secundário o currículo centrado na disciplina teve uma larga aplicação, com modelos do aluno baseados na oposição entre as proficiências demonstradas por um prático-experiente (expert) e o aprendiz-

principiante (novice). Actualmente, o exemplo paradigmático destes modelos é o das

práticas de resolução de problemas de composição em oficina aberta (open studio design problem solving) (Feldman, 1996).

Nos modelos que têm como base as fases, estádios, ou níveis de intervalos de idades (stage-by-stage), considera-se que o objecto principal das análises dos desenhos

das crianças são as qualidades formais e de representação, partir das quais se poderia inferir o desenvolvimento natural da criança. Este desenvolvimento tem um carácter linear e dirigir-se-ia «naturalmente» para o realismo (Kellog, 1969). As crianças passariam de um estágio para outro, umas mais rapidamente do que outras, mas todas na mesma sequência geral. As principais implicações, ao nível do currículo, desta concepção de desenvolvimento tiveram como resultado uma atenção especial relativamente a uma prescrição de actividades sequenciais desejáveis e determinadas pelo nível etário ou pelos anos de escolaridade.

Por outro lado, depois da década de sessenta, os modelos baseados em «experiências» anteriores das crianças e jovens ou na dimensão linear experiente-

principiante, derivaram ambos de novas teorias de desenvolvimento sobre os processos

psicológicos internos, no âmbito da psicologia, com uma ênfase na importância do conhecimento prévio na aprendizagem (prior knowledge), e nos mecanismos de assimilação e acomodação no sentido de Piaget. No entanto, apesar dos níveis etários e de desenvolvimento artístico na infância e na adolescência serem considerados na organização curricular e no planeamento do ensino desde a expressão plástica até à educação visual no final do ensino básico (Eisner, 1972; Chapman, 1978; Barrett, 1979; Gaistkell, Hurvitz e Day, 1982), pretendia-se, na verdade, uma educação em arte (art education), onde o processo artístico e os conceitos fundamentais da arte, tal como a vivência pessoal desse mesmo processo, que, de facto, é próprio dos artistas adultos, estivesse presente. Mas esta dimensão experiente-principiante sugere que a idade poderia não ser o factor determinante no desenvolvimento e que o conhecimento específico seria dependente da estrutura da informação do domínio, já que, ao contrário dos «principiantes», os «experientes» conseguem usar níveis múltiplos de conhecimento, servindo-se destes para resolver problemas (Feldman, 1996).

Quer os modelos do tipo experiente-principiante, quer os modelos do tipo nível-de-

idade, revelam ter problemas sociológicos e limitações inerentes, pelos menos em quatro

aspectos: (i) classificar, de modo positivo ou negativo, os grupos de pessoas devido às análises comportamentais; (ii) não tomar em consideração a aprendizagem do conhecimento informal; (iii) não dar atenção aos atributos sociais da construção e reciclagem das imagens; (iv) não analisar a relação existente entre construção social das disciplinas artísticas e o desenvolvimento do sujeito que de principiante se torna experiente (Feldman, 1996).

Embora as concepções associadas aos dois modelos apresentados possam ajudar a compreender alguns aspectos do desenvolvimento artístico, nem um nem outro permitem desenhar um currículo eficaz que tenha em conta as condições sociais, que influenciam, quer o desenvolvimento dos alunos, quer a construção dos domínios de conhecimento.

O desenvolvimento e socialização das crianças, ao serem consistentes com os grupos sociais a que pertencem, justificam a influência que a situação social tem nesses processos. De facto, desde o início da infância somos capazes de evocar e integrar um conjunto muito vasto de imagens, associando-as a determinados significados socialmente partilhados (Freedman, 1997).

Assim, todos os desenhos feitos pelas crianças não podem ser vistos apenas em relação aos objectos reais que representam ou evocam, mas também pela relação que estabelecem com outros desenhos, em particular, com o universo de todas as imagens presentes na sociedade, como elementos de uma cultura visual comum. A esta relação que as imagens estabelecem entre si na mente dos observadores que fazem parte de uma mesma cultura visual partilhada, podemos designar como intervisualidade (intergraphically) (Freedman, 1997).

Quando as crianças ou os adultos fazem um desenho, este não é um objecto com um significado isolado. Ao desenharem, há uma referência que convoca todos os outros desenhos vistos ou feitos anteriormente, há evocação de uma experiência pessoal das associações, significados e conhecimentos que essas representações visuais têm para cada sujeito individual:

«Our minds are capable of recalling and integrating a vast array of images and their associated meanings. When confronted with a new visual form, the focus of cognition often involves an interrelationship between dispersed references to other representations rather than a single object or meaning. The images we have encountered become attached to associations related to the context of thoughts about (or the conceptual space between) previous experiences. In a sense, the attached meanings are part of what is known about the images until we restructure or construct new knowledge through more experience. The intergraphicality, then, enables us to commingle images, make associations between them, recycle and chance them, etc, as we restructure knowledge» (Freedman, 1997: 104).

Depois de uma revisão da literatura, Reith (1997) afirma que embora possa haver um acordo generalizado sobre a natureza das fases de desenvolvimento no desenho infantil, o mesmo já não acontece com a explicação sobre o modo como é que essas

mudanças ocorrem com a idade. Em particular, os problemas seguintes não estão resolvidos: (i) o conhecimento sobre os objectos; (ii) a cognição espacial; (iii) os processos perceptivos; (iv) as destrezas figurativas; (v) as capacidades de organização e planeamento. Consideremos em seguida cada um destes problemas de um modo geral.

Conhecimento sobre os objectos — este conhecimento sobre os objectos acaba por ser ambíguo: tanto pode permitir a produção de desenhos cada vez mais diferenciados como, em simultâneo, impedir o realismo visual. Qualquer teoria do desenvolvimento do desenho deveria explicar, o que não acontece, porque é que as crianças mais pequenas são levadas a retratar o seu conhecimento sobre as propriedades relevantes, os traços invariantes e as estruturas dos objectos e porque é que as mais crescidas são levadas a representar as formas variáveis das vistas aparentes dos objectos.

Cognição espacial — no caso da cognição espacial, considera-se que as relações espaciais entre os objectos nos desenhos das crianças mais pequenas começam por relações mais simples como a proximidade, segregação, continuidade, inclusão e exclusão, sugerindo um «espaço topológico». Por outro lado, a construção de relações mais complexas como a construção de representações de objectos a partir de diferentes pontos de vista, sugere um «espaço projectivo». Em consequência, há uma mudança do desenho do tipo «esquemático-simbólico» para um desenho do tipo «realismo-visual».

Processos perceptivos — na verdade, o que parece ser importante é a compreensão da dupla realidade da representação figurativa por parte da criança ou mesmo no adulto quando desenha. São os riscos, as marcas e a tinta sobre o papel que estão na origem da representação mental da imagem visual de um mundo mais ou menos real ou imaginário. Esta realidade dual existe em todas as imagens, desenhos, fotografias ou representações visuais em superfícies: «They are both flat surfaces covered with marks and representations of real or virtual three-dimensional worlds» (Reith, 1997). Deste modo, conseguir identificar o que está representado numa imagem ou num desenho parece ser um processo espontâneo que não exige a diferenciação destas duas realidades, ao contrário do que acontece quando fazemos um desenho, porque temos de riscar e fazer traços sobre a superfície do papel (Reith, 1997).

Destrezas figurativas — aceita-se que a «habilidade» ou o «jeito» para desenhar podem ser factores que aumentam a motivação e interesse numa actividade que envolva o desenho de representação, assim como o «não ter jeito» conduz à inibição e ao insucesso para a mesma actividade, segundo a experiência comum dos professores de

ou menor fidelidade, poderia ser influenciada pela natureza do assunto ou do objecto a desenhar, pelo facto de ser uma tarefa já conhecida ou desconhecida, e ainda pela técnica ou pelo instrumento de desenho usados.

Capacidade de organização e planeamento de um desenho — quando se faz um desenho, a posição e relação que os seus elementos ou partes estabelecem entre si, são especialmente importantes. Qual deverá ser a ordem de colocação desses elementos? Por onde começar? Como se acaba um desenho? Para as pessoas com formação artística, esta ordem e o modo com se organizam as diferentes formas no desenho diz respeito à sua composição. Mas também esta exige um estudo e preparação prévios, esboços, onde se tentam ensaiar diferentes possibilidades de disposição dos mesmos elementos, com diferentes resultados, escolhendo um para ser executado.

Por outro lado, há um aspecto para o qual não há ainda respostas dadas pela investigação: como é que as crianças entendem e compreendem a relação existente entre a estrutura da configuração linear no desenho e as formas dos objectos reais?

Por fim, há técnicas de representação gráfica que provocam um fascínio especial no início da adolescência e, muitas vezes, o sistema de ensino não consegue ou não tem condições para satisfazer esses interesses:

«Although children now show a heightened interest in adult techniques of realistic depiction, such as vanishing-point perspective, foreshortening and shading, it is rare, and usually not until adolescence, that children become skilled in using these pictorial devices to produce something close to a photographic likeness» (Reith,1997: 60).

4.6. Síntese final

O desenvolvimento da representação gráfica do espaço no desenho infantil e juvenil tem sido objecto de estudos empíricos pela investigação.

Um dos aspectos mais referenciados é o da crise da representação visual na adolescência, assim como a perda de interesse do adolescente relativamente ao desenho. As ideias do movimento da Educação pela Arte na educação infantil e na escola primária valorizaram o carácter expressivo do desenho escolar através do desenho livre.

Em Portugal, destacaram-se dois didactas do desenho escolar infantil e juvenil: Calvet de Magalhães e Betâmio de Almeida.

As críticas aos estágios de desenvolvimento artístico, sobretudo por não ter sido dada a atenção devida aos diversos contextos sociais e culturais da arte infantil, levaram

a que o desenvolvimento artístico do desenho infantil tenha sido objecto de controvérsia, e colocada em causa a eventual sensibilidade estética e artística da criança.

A revisão da literatura permitiu identificar as mudanças conceptuais na didáctica do Desenho e da Educação Visual, relativas ao desenho de representação, à perspectiva de observação e à perspectiva intuitiva, através da dicotomia entre desenho livre e

desenho técnico, e nas duas últimas décadas entre expressão gráfica livre e expressão gráfica rigorosa.

Também foram considerados os modelos psicológicos do desenvolvimento artístico, e as concepções curriculares do Desenho e Educação Visual, ora centradas na criança, ora centradas na disciplina, respectivamente, assim como as implicações da abordagem cognitiva para a investigação.

Para compreender a relação existente entre a configuração das linhas no desenho e as formas dos objectos, a investigação aponta novos caminhos, por um lado, o conceito de intervisualidade ou relação que os desenhos e as imagens estabelecem com outros desenhos e imagens na cultura visual contemporânea, e por outro lado, os problemas não resolvidos como o conhecimento acerca dos objectos desenhados, a cognição espacial, os processos perceptivos, as destrezas figurativas, as capacidades de organização e planeamento do desenho.

PARTE II