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O ELEMENTO GRÁFICO LINEAR E O ESPAÇO

7.2. Forma e figuras do cubo

No desenho bidimensional, as figuras bidimensionais do cubo podem ter uma dupla interpretação do espaço tridimensional, ora como objecto sólido, ora como objecto transparente. No desenho de observação, pode haver um conflito entre o que se vê e percebe e o que se sabe e conhece das características do objecto. A convergência aparente das linhas paralelas não é percebida em objectos de pequenas dimensões. A projecção axonométrica, entendida como perspectiva paralela, oferece uma maior semelhança com o modo como vemos os objectos de pequenas dimensões, sem deformações.

A distinção entre «forma» e «figura» implica que uma forma tridimensional pode apresentar uma variedade de desenhos-figuras bidimensionais diferentes na superfície plana. Quando rodamos a forma-objecto no espaço, surgem também diferentes figuras aparentes sucessivas. Para identificar a sua forma, o observador utiliza diferentes

elementos visuais, em conjunto ou em separado, com a textura, a linha de contorno, a cor e o tamanho. Por consequência, a forma tridimensional pode ser representada na superfície plana através de múltiplas figuras bidimensionais. No desenho tridimensional os elementos construtivos são os vértices, as arestas e as faces, e as relações espaciais são a posição, a direcção, o espaço e a gravidade (Wong, 1993).

A inteligência visual permitiria aos observadores construírem o espaço tridimensional a partir do espaço bidimensional através de regras visuais implícitas e utilizadas pelo observador de modo automático. Algumas figuras bidimensionais sugerem um maior efeito tridimensional do que outras, já que a informação sobre a estrutura e a massa da forma tridimensional está no modo como os diferentes planos, superfícies e faces se ligam entre si, e da sua interacção.

A forma do cubo pode ser entendida como contorno das figuras aparentes das duas superfícies visíveis do objecto, veja-se por exemplo, a fotografia da Fig. 7.2. Trata- se de um objecto tridimensional com uma forma poliédrica. Para o observador da fotografia ou para qualquer pessoa que esteja na mesma posição do fotógrafo, são vistas apenas duas faces ao mesmo tempo. A analogia entre a visão humana tridimensional com a fotografia, ou o desenho em perspectiva, era usada como metáfora da visão nos manuais escolares — «Diz-se que o olho humano vê em profundidade, isto é, com perspectiva» (Magalhães e Areal, 1991: 16). Apesar de apelativa, actualmente esta analogia é enganadora e é inconsistente com as teorias da percepção visual e da visão artificial.

O desenho de memória foi considerado com interesse para o «desenho à vista, pois é necessário que as imagens fiquem retidas no cérebro, para que possam em seguida ser reproduzidas no papel. Devem, pois, os alunos exercitar a sua memória visual, realizando desenhos de motivos que tenham observado, mas que não estejam presentes. Podem estes ser feitos em qualquer altura e dispondo apenas de lápis e papel» (Abreu e Miranda, s/d: 29).

A forma do cubo, como conceito do espaço tridimensional, do espaço em «extensão», do espaço do objecto em perspectiva, parece ser generalizável a outras construções baseadas em formas de quadrado ou rectângulo.

Fig. 7.2. Hotel Melia Ria. 2005. Aveiro. Fotografia digital do autor.

Considerem-se quatro cubos iguais no espaço desenhados em perspectiva, em diferentes posições em relação ao observador, ver Fig. 7.3.. Há uma linha de horizonte onde se localiza o ponto de fuga para onde convergem todas as arestas dos cubos, e que no espaço são paralelas entre si. O volume interior dos cubos é visto como «transparente». Note-se uma dupla interpretação no espaço tridimensional: os cubos como objectos tridimensionais em «fio de arame» com algumas faces coloridas, e os cubos como figuras bidimensionais na superfície do papel.

Esta dualidade da representação, poderá ter implicações sobre a consciência da diferença entre as características conhecidas dos objectos e o modo como estas são percebidas e vistas. Este fenómeno é reconhecido, por exemplo, no desenho de observação, ao surgir o conflito entre o que se sabe e conhece das características do objecto e o modo como o sujeito o percebe visualmente, ver Fig. 7.4. (McFee, 1971). Um outro exemplo, ver Fig. 7.5., este para ajudar a desenhar correctamente uma forma poliédrica, pode usar-se um método analítico, apresentam-se dois desenhos da mesma forma, um deles com as faces separadas: «embora complexo, pode simplificar-se observando com atenção a forma aparente de cada face: é do conjunto de todas elas que resulta o desenho do objecto» (Abreu e Miranda, s/d: 15).

Fig. 7.3. Desenhos do cubo com as arestas perpendiculares ao plano de projecção convergentes

num único ponto de fuga na linha do horizonte. Manual de Desenho. Ensino Liceal (Leitão, 1909).

Fig. 7.5. Desenho da forma poliédrica. As faces estão separadas à esquerda, e unidas pelas arestas, à

direita. O claro-escuro aumenta o efeito de volume (Abreu e Miranda, s/d: 15).

A convergência aparente das linhas paralelas não é percebida em objectos de pequenas dimensões, ou em determinadas circunstâncias, o mesmo acontece com mesas e cadeiras, quando são vistas sob certos ângulos e distâncias. A explicação para este fenómeno é a seguinte: «Nos objectos de pequenas dimensões é quase insensível a convergência aparente das arestas horizontais e paralelas entre si, pois os pontos de fuga encontram-se muito distanciados» (Abreu e Miranda, s/d:16). Outras vezes, este efeito de convergência é exagerado com uma intenção expressiva, ver Fig. 7.6.

O facto de as arestas das formas poliédricas conservarem o paralelismo permite uma analogia com o caso das perspectivas paralelas. Segundo o manual de Educação Visual e Estética de Luís Gonçalves: «A projecção axonométrica, integrada nas perspectivas paralelas, oferece, dum ponto de vista dominante, o máximo de clareza com pouca deformação e identifica-se muito com o modo de ver, em objectos de pequenas dimensões» (Gonçalves, 1974:112).

A comparação entre as concepções espaciais nas culturas ocidental e oriental, merecem a atenção de Luís Gonçalves sugerindo que, na Índia e na China, as conven- ções para representar o espaço no desenho e na pintura não são determinadas pelo modelo do espaço unificado da perspectiva cónica central: «A identificação do objecto- espaço conseguida pelos artistas do Renascimento vai ser seguida em toda a Europa e perdurará até aos fins do século passado (séc. XIX). Outros povos apresentam tradições e concepções espaciais diferentes» (Gonçalves, 1974: 119).

Fig. 7.6. A aproximação dos pontos de fuga tem como resultado formas com um efeito de

perspectiva muito exagerado para a forma ser mais «expressiva» (Abreu e Miranda, s/d: 16).

Em consequência, aprecia e valoriza esta concepção do espaço: «O artista indiano não procura representar o objecto visto, mas sim o objecto conhecido; não faz uma cópia servil da natureza. Elabora esquemas mentais e procura, numa selecção ideal, uma representação dotada de todo o potencial de evocações que um determinado objecto permite. Procura-se ao mesmo tempo a forma sensível e a forma mental, a análise e a síntese das formas através dos sentidos e do espírito» (Gonçalves, 1974: 119).

Quando se usa o termo «forma», sob a influência de Arnheim (1974), há diferentes conotações possíveis: (i) a forma como estrutura da composição de uma obra de arte; (ii) a forma como o contorno do objecto e (iii) a forma como o meio e modo de expressão da obra de arte.

Frequentemente, confundem-se «forma» e «figura». Uma forma tridimensional pode apresentar uma variedade de figuras bidimensionais numa superfície plana. Quando há uma rotação da forma no espaço, surgem várias figuras sucessivas. Para identificar qualquer forma, o observador utiliza diversos elementos visuais, em conjunto ou em separado: a textura, a linha de contorno, a cor, o tamanho (Wong, 1993: 244).

Segundo Wong (1993), o desenho bidimensional diz respeito aos mundos bidimensionais numa superfície, e é o resultado do conjunto de esforços conscientes de organização de diversos elementos com um propósito, enquanto o desenho

tridimensional implicaria a construção e visualização mental da forma completa no

espaço, a sua rotação em todas as direcções.

A concepção de um cubo imaginário, através de três vistas, a planta — vista de cima, a frontal — vista de frente, e a lateral — vista de lado—, constituem diagramas planos para a descrição da forma tridimensional. A reconstrução da forma original através da observação destas vistas, exige conhecimentos específicos de desenho técnico ao engenheiro, arquitecto ou designer (Wong, 1993).

A figura bidimensional seria assim «a aparência externa de um desenho e a identificação principal do seu tipo. A forma tridimensional pode ser representada sobre uma superfície plana através de múltiplas figuras bidimensionais» (Wong, 1993: 245).

Considere-se o Quadro 7.1. Os elementos conceptuais não existem fisicamente, mas são percebidos, como o ponto, a linha, o plano e o volume.

As formas tridimensionais podem ser vistas como diferentes sob diferentes condições, os ângulos, as distâncias e a iluminação, no entanto, os elementos visuais são independentes da variedade de situações, e dizem respeito à figura, tamanho, cor e textura, ver Quadro 7.1. Estes elementos visuais podem ser vistos, pois são a aparência do desenho.

Por último, os elementos de relação no desenho tridimensional usam o cubo imaginário como marca de referência e dirigem toda a estrutura no seu conjunto e as correspondências internas dos elementos visuais, ver Quadro 7.1.

Quadro 7.1. Elementos do desenho triidimensional

Elementos do desenho bidimensional

Conceptuais Ponto, linha, plano e volume Visuais Figura, tamanho, cor e

textura

Relação Posição, direcção, espaço e gravidade

Fonte: (Wong, 1993).

Segundo Wong (1993: 245), os elementos construtivos podem ajudar a definir precisamente as formas volumétricas, por exemplo, o cubo tem oito vértices, doze arestas, e seis faces; o conhecimento das qualidades estruturais seria necessário para a compreensão dos sólidos geométricos, em particular os elementos construtivos do desenho tridimensional: os vértices, as arestas e as faces.

Considerem-se os vértices, na Fig. 7.7., os planos confluem num ponto conceptual, temos um vértice. Os vértices podem ser projectados para fora ou para dentro.

Fig. 7.7. Vértices.

Considerem-se as arestas na Fig. 7.8., os dois planos paralelos unem-se numa linha conceptual, produz-se uma aresta. As arestas podem produzir-se para fora ou para dentro.

Fig. 7.8. Arestas.

Considerem-se as faces na Fig. 7.9., o plano conceptual presente converte-se fisicamente numa superfície. As faces são superfícies externas que encerram um volume.

Fig. 7.9. Faces.

O marco de referência no desenho 3D é o cubo imaginário que estabelece as relações espaciais. Estas são mais complexas no desenho tridimensional do que no desenho bidimensional: (i) Posição – Qual a relação entre o ponto com os planos de referência do cubo imaginário: frontal/posterior, superior/inferior e os laterais? (ii) Direcção – Qual a sua direcção relativamente aos planos de referência? Pode ser paralela aos planos frontal/posterior e oblíqua aos outros planos do cubo imaginário; (iii) Espaço – Este pode ocupar uma forma sólida ou não, como no caso do vazio interno; (iv) Gravidade – É real e tem efeitos sobre a estabilidade do desenho, matérias leves ou pesados. Todas as estruturas tridimensionais estão sujeitas às leis da gravidade e isto significa que certas disposições são impossíveis (Wong, 1993: 244).

Porque é que vemos alguns desenhos como figuras bidimensionais e outros como figuras tridimensionais? Segundo Hoffman (1998), os observadores constroem o espaço tridimensional 3D a partir do espaço bidimensional 2D. A construção da profundidade espacial seria assim não por um acaso, mas seguindo certas regras que determinam a estrutura em 3D para o observador, seleccionando a configuração do tipo 2D, ou do tipo 3D, ver Fig. 7.10.

Como uma aplicação da inteligência visual, Hoffman sugere ainda que a construção de mundos tridimensionais a partir de imagens ambíguas é baseada num conjunto finito de regras visuais implícitas, utilizadas pelo observador de modo “automático” (Hoffman, 1998).

Fig. 7.10. Para um observador, as configurações A e C, sugerem figuras 2D planas, ao contrário das

configurações B e C, que sugerem figuras 3D tridimensionais.

Em geral, as formas bidimensionais simples não oferecem a impressão do volume. Segundo Goldstein (1984: 3), isso acontece quando duas ou mais formas que representam as superfícies e se ligam ou interagem entre si. Surge então a estrutura e massa do objecto. Nestes casos, as faces direitas ou curvas das superfícies do volume designadas por planos.

Considere-se o esquema A da Fig. 7.11. Não há informação sobre a massa e a estrutura, logo, não se pode afirmar que aquela forma sólida descreva um espaço 3D. No esquema B, o contorno é idêntico, mas foram adicionadas linhas no seu interior, subdividindo uma única região em três mais pequenas. Ao vermos estas três configurações como planos, emerge o efeito de volume. Os três planos visíveis implicam necessariamente os outros três que não são vistos para a nossa compreensão de um volume em forma de caixa. Este volume parece ser sólido porque nós não vemos quaisquer outras linhas limite, que seriam visíveis no caso da estrutura ser de vidro ou arame. No esquema C, separando os planos, criam-se três configurações ou figuras que já não sugerem a massa e a estrutura da forma. Consideradas em grupo, elas formam uma área negativa em Y. Enquanto não completamente fechada nos seus limites, ela é ainda “lida” como forma. Estas formas abertas ocorrem quando as formas positivas fornecem segmentos maiores que os segmentos de separação.

Fig. 7.11. A função dual do plano: como uma face da superfície do volume, e como

forma no plano-imagem.