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As críticas aos estágios de desenvolvimento artístico

O DESENVOLVIMENTO GRÁFICO

4.4. As críticas aos estágios de desenvolvimento artístico

A influência de Herbert Read e Viktor Lowenfeld foi determinante sobre os educadores e professores de expressão plástica a partir de 1945, consolidando uma tendência que deu ênfase à expressão plástica no desenho e arte infantis. Esta tendência, ou corrente, na educação artística foi marcada por três ideias fundamentais: a visão do carácter «expressionista» e «moderno» da «arte infantil», a liberdade individual através da «auto-expressão» na «arte infantil» e a descoberta da analogia entre os valores de inocência e espontaneidade das formas plásticas infantis, em especial no seu carácter gráfico e gestual e de alguns pintores modernos — Picasso, Klee, Miró ou Chagall, por exemplo (Efland, 1990). Esta interpretação da arte infantil está representada entre nós por Eurico Gonçalves (1976), ao prosseguir e desenvolver estas ideias. No entanto, o

com a «arte moderna» desde sempre foi posta em causa, em primeiro lugar, pelos próprios artistas, assim como por muitos outros autores. Howard Gardner afirmava mesmo que os desenhos das crianças reflectem processos e capacidades que estão longe daquelas que caracterizam as obras dos artistas adultos, e sublinha esta ideia citando André Malraux — «Though a child is often artistic, he is not an artist»; Nancy Smith — «The child and the artist have different approaches to the relation of form or composition to subject matter...»; e até o próprio Paul Klee — «Don´t translate my works to those of children... They are worlds apart ... Never forget the child knows nothing about art…» (Gardner, 1980: 8). De acordo com Arthur Efland (1988) os trabalhos artísticos realizados pelos alunos nas escolas deveriam antes ser considerados como exemplares do estilo de arte escolar (school art style). Afinal, esta analogia entre «arte infantil» e «arte moderna» é apenas superficial ao nível das formas, mas não pode ser continuada ao nível do seu conteúdo. De facto, nem os artistas adultos são crianças, nem as crianças são artistas, no sentido que é dado ao artista adulto. Não parece ser, assim, legítimo usar os mesmos critérios para apreciar a «arte» infantil e a arte primitiva ou moderna. Na verdade, esta terminologia de «arte infantil» não deixa de ser um produto da mentalidade Ocidental do séc. XX (Gardner, 1980).

Uma das críticas mais severas ao desenvolvimento artístico foi a de Howard Gardner, ao sugerir que o «desenvolvimento natural» não tinha em conta o papel dos factores sociais e culturais quer na linguagem verbal, quer na expressão gráfica, influência que não seria apenas de conteúdo, mas também de estrutura, o que viria a ter implicações nas diferenças de género, resultantes assim do processo de socialização (Gardner, 1991). De acordo com Wilson e Wilson (1977), citados por Freedman (1997), as crianças aprendem a desenhar a partir de diferentes fontes de ordem cultural (cultural sources), como sejam os desenhos de outras crianças, os livros, jornais, revistas, cinema e televisão (mass media), assim como de outras formas de representação próprias dos adultos. Deste modo, muitos aspectos dos desenhos estão ligados à cultura e à socialização, pondo em causa, assim, a noção vulgarizada de estágios sequenciais num contexto de crescente diversidade nas populações escolares. Segundo Cox (1992), as formas de desenvolvimento do desenho das crianças não são universais, antes em alguma medida, apresentam diferenças de ordem histórica e cultural. Como a teoria da aprendizagem construtivista revela, a relação entre a vida social e a aprendizagem é influenciada pelo contexto e circunstâncias em que ocorre. Assim, a situação em que a informação é ou não é consistente com os conhecimentos já adquiridos, é ou não é

assimilada, tem a maior importância. Por fim, as concepções associadas ao desenvolvimento do tipo experiente-principiante, têm como base as convenções e culturas das comunidades dos profissionais que detêm o domínio de certas áreas do conhecimento. E estas não deixam de ser construções sociais do conhecimento, ou seja, as representações do conhecimento que são as mais adequadas e convenientes a essas comunidades.

Uma das principais críticas aos estádios do desenho infantil é a que defende que aqueles não são mais do que uma simples indicação do que as crianças costumam produzir em resultado dos seus próprios expedientes: «The stages are merely convenient ways of describing perceptibly different orientations and the organizations of the drawing as the child moves from his first pencil strokes to quite elaborate productions» (Eisner, 1972: 19)

Na sua revisão crítica aos estádios do desenho infantil, Eisner (1972) reconheceria a importância das ideias de Lowenfeld sobre a arte infantil — o desenvolvimento criativo e mental da criança através da arte — mas chamava também a atenção para a ausência de estudos empíricos que assegurassem a objectividade das suas teorias e o carácter dogmático das suas conclusões retiradas da sua própria experiência pessoal de trabalhar com crianças (Barrett, 1979).

Consideremos então o estudo empírico de Elliot Eisner sobre o desenvolvimento da capacidade para representar a ilusão do espaço nos desenhos infantis, utilizando uma escala de 14 graus para classificar os desenhos, entre crianças favorecidas e crianças desfavorecidas e que viviam em zonas urbanas distintas (Eisner, 1972; Barrett, 1979). Neste estudo, foram seleccionados 1300 alunos dos 1.º, 3.º, 5.º e 7.º anos, tendo como fundamento a convicção, do próprio investigador, de que as crianças de classe média alta seriam menos criativas e os seus desenhos menos estimulantes do que os das crianças de famílias desfavorecidas que viviam em bairros degradados. Ora, a crença de que os bairros degradados eram visualmente mais estimulantes do que os bairros bem organizados, não foi sustentada pelos resultados desta investigação (Eisner, 1972).

No entanto, este estudo teve enormes implicações. Segundo Barrett (1979: 97), «Eisner põe em causa os princípios do desenvolvimento ao introduzir as influências da cultura e da personalidade», já que, segundo as suas palavras: «cada indivíduo definirá o seu próprio caminho, influenciado pela sua experiência cultural, ambiental e pessoal», o que teria consequências a partir das décadas de 60 e 70 do séc. XX nas correntes de

Uma revisão das críticas ao desenvolvimento artístico, permite-nos destacar duas principais correntes: (i) a expressionista, tal como foi entendida por Efland (1990), baseada em métodos subjectivos e na análise fenomenológica, como fez Rhoda Kellog (1969) com os desenhos das crianças até aos 8 anos como linguagem simbólica, Arno Stern (1973a, 1973b) e Eurico Gonçalves (1976, 1979, 1991), que prosseguiram no essencial as ideias de Luquet, Read, ou Lowenfeld, e mais recentemente Winner e Gardner (1988) e Davis (1997a, 1997b)); e (ii) a cognitiva, iniciada por Goodenough com a análise da figura humana como medida da inteligência e mais tarde com o desenho como modo de conhecimento visual e actividade perceptivo-cognitiva (Arnheim, 1974; Freeman, 1980; Piaget e Inhelder, 1966; Eisner, 1972; Goodnow, 1977; Willats, 1997; Cottinelli-Telmo, 1986, 1991).

Finalmente, o desenvolvimento artístico do desenho infantil tem sido objecto de controvérsia. O que é colocado em causa é a hipótese da sensibilidade estética e artística da criança, ou as ideias dos investigadores que não levariam em conta os contextos sociais e culturais da «arte infantil» (Wohlwill, 1988; Freedman, 1997; Pearson, 2001).