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ESTUDO CAPÍTULO

10.2. Opções metodológicas

Primeira fase do estudo

Questão principal: Como é que os adolescentes desenham de memória uma determinada fotografia, previamente concebida, de acordo com o seu nível etário?

Tendo como ponto de partida a definição dos termos «desenho escolar» e «desenho», com base na revisão da literatura e na definição das questões da investigação, prossegue-se aqui a tradição dos estudos empíricos sobre o desenvolvimento gráfico com a análise quantitativa no que diz respeito ao método de recolha, análise, tratamento e interpretação dos dados.

No processo de investigação, os dados quantitativos são tratados, no contexto de uma metodologia que segue um processo linear, desde a formulação das hipóteses gerais, até às conclusões, seguindo-se a fase final da teoria/declaração/revisão/ confirmação da teoria.

Segundo Burton (1981:7), «o desenvolvimento da capacidade de desenhar faz-se numa interacção entre as ideias sobre o conteúdo do tema a desenhar e as ideias sobre a linha e a sua manipulação» (Cottinelli-Telmo, 1991:472). Prosseguindo as ideias de

horizontes em relação à aceitação de outros sistemas ou estratégias de o desenhar» (Cottinelli-Telmo, 1991:507), nesta investigação, desenhar é uma actividade de representação gráfica que tem como ponto de partida uma «imagem» percebida ou imaginada pelo sujeito, ou seja, um produto da «percepção visual» ou da «imaginação». O ponto de chegada será outra «imagem», sob a forma de «desenho» e produto final das actividades de representação. Deste modo, podemos sugerir que a «imagem percebida ou imaginada» está na origem do processo de tratamento da informação visual na actividade de representação gráfica e que este processo, prolonga-se durante a fase de elaboração do desenho, concluindo-se na «imagem desenhada», ver Fig. 10.2.

Fig. 10.2. Processo de representação entre a fotografia e a solução gráfica do desenho.

A utilização da fotografia de um objecto tridimensional permite também controlar o tipo de tarefa e a forma do objecto a desenhar, como tinha sido sugerido por Willats (1985:77), ao chamar a atenção para «a importância dos efeitos de perspectiva descoordenada que podem não ser resultado de uma incapacidade de representar o volume mas sim de uma escolha de acordo com o tipo de tarefa ou com a forma do objecto desenhado» (Cottinelli-Telmo, 1991: 192-193), e ainda «a escolha de pontos de vista diferentes» dos sujeitos (Cottinelli-Telmo, 1991:504).

Os resultados das investigações acerca das imagens mentais demonstraram que as imagens mentais podem conservar as mesmas propriedades espaciais das imagens vistas ou percebidas (Kosslyn, 1980; Sheppard 1990; Johnson-Laird, 1983, 1989). Quer o desenho, quer a imagem mental, quer a fotografia (Dubois, 1983; Schaeffer, 1987), não são mais que representações de determinadas configurações materiais ausentes e que correspondem a realidades muito distintas: (i) uma disposição de objectos materiais tangíveis numa situação e independentes do observador, e (ii) os produtos cognitivos

elaborados com a finalidade de conservarem os traços característicos e propriedades formais que permitam a sua identificação e reconhecimento. Em consequência, quando o sujeito se lembra de uma fotografia que viu, ele está a elaborar e a reconstruir uma «imagem» mental dessa fotografia e do que está nela representado. Como produto cognitivo da transformação da informação visual — os traços figurativos do objecto representado — aquele produto cognitivo é usado pelo sujeito como um «modelo» mental para o desenho.

No entanto, os estudos empíricos sobre o desenho que utilizaram o método clínico para recolha da informação não levam em conta o contexto escolar e as condições reais. Por esta razão, escolheu-se a testagem em grupo, sob a orientação e controlo directo do investigador, em contexto de sala de aula.

Os estudos empíricos anteriores sobre a representação gráfica do espaço assumem- na como uma construção e idealização mental, teórica e objectiva. No entanto, não levam em conta as atitudes ou percepções dos sujeitos relativamente ao desenho em geral, nem a satisfação, nem os seus critérios do que é um «bom» ou um desenho «correcto». Sem negar a objectividade da representação gráfica, que, igualmente se assume, considera-se importante a recolha de informação sobre a atitude e percepções dos adolescentes, embora com uma finalidade exploratória.

Segunda parte do estudo

Questão principal é a seguinte: Quais são as diferenças de estratégias utilizadas pelos adolescentes entre o desenho de memória e o desenho de observação, ao desenharem a mesma fotografia?

Na investigação em educação, apesar de haver uma tradição dos métodos quantitativos usados pelos psicólogos, estes métodos têm vindo a ser gradualmente substituídos por métodos qualitativos, estudos de campo, entrevistas, estudos etnográficos, de observação e de inquérito naturalista.

Deste modo, na primeira parte desta investigação acerca da representação gráfica, um dos objectivos foi elaborar e validar um instrumento para classificar o espaço do objecto nos desenhos. Contudo, foram detectadas algumas limitações na análise dos desenhos dos adolescentes, quanto à compreensão da relação entre o espaço do objecto e o espaço global da composição.

Como na primeira fase não foi possível analisar cada desenho na sua especificidade e no que cada um pode ter de singular, pois a atenção estava nas características gerais dos modelos gráficos para classificar o espaço do objecto. Ora, cada sujeito desenha à sua própria maneira. Por esta razão, se a informação relativa ao espaço do objecto pode ser objectiva e mensurável, o mesmo não acontece com a qualidade da composição global, da combinação entre a qualidade visual do traço, o sentido de equilíbrio e a fluência no delinear das formas. Em consequência, o número de desenhos deverá ser reduzido para uma análise mais profunda, impondo-se uma mudança na opção metodológica para o estudo de caso e análise e interpretação qualitativa dos desenhos.

Na actividade de observação da imagem fotográfica pretende-se que o sujeito elabore uma imagem mental da imagem fotográfica que foi vista. Mas isto coloca várias questões: Qual será a estratégia que o sujeito vai usar para se lembrar da imagem? Terá em atenção a superfície plana da fotografia e a sua organização bidimensional? Terá em atenção o espaço e os objecto reais representados, imaginando que está no local da fotografia, esquecendo o seu carácter bidimensional? Poderá preferir usar as duas estratégias em alternativa entre o espaço tridimensional e o espaço bidimensional? Em que medida o sujeito conhece ou está consciente da realidade dual das imagens? Segundo Reith (1997), a compreensão da realidade dual das imagens (dual reality of pictorial representations), é determinante para o desenvolvimento do desenho (drawing development). Esta realidade dual já tinha sido sugerida por Gibson (1966, 1979): a realidade entre o conteúdo da imagem e a superfície da imagem, entre plano e superfície. Como a actividade de imaginar, mentalmente, a imagem fotográfica não é mais do que a elaboração de um modelo interno ou modelo mental da fotografia de papel, considera-se haver uma tendência para a reduzir à sua estrutura mais simples, eliminando pormenores, acentuando os traços distintivos da estrutura e favorecendo a sua simetria ou regularidade. Acrescente-se que diversas experiências demonstraram que os sujeitos a quem se apresenta uma figura e se lhes pede para a memorizarem o mais fielmente possível, esforçam-se por preservar as características da figura (Arnheim, 1969).

No estudo do desenho de memória, realizado na primeira parte, tínhamos como objectivo elaborar e validar um instrumento para classificar as diferenças soluções gráficas observadas nos desenhos, para conseguir representar o espaço do objecto principal da fotografia. Uma das limitações foi o de não permitir uma compreensão da

articulação entre o espaço do objcto e o espaço da composição global do desenho, nem uma análise daquilo que pode ser singular nos desenhos de cada sujeito.

Por outro lado, do mesmo modo que a fotografia é um equivalente do real, a experiência de ver a fotografia de uma coisa é equivalente à experiência de ver a coisa real, seguindo o mesmo raciocínio, então, as tarefas de desenhar a fotografia de memória ou por observação, serão equivalentes.

Na Fig. 10.3., o diagrama das tarefas de desenho de memória e de observação da mesma fotografia apresenta o esquema conceptual subjacente ao processo da recolha dos desenhos.

Pretende-se descobrir as diferenças nas estratégias utilizadas pelos adolescentes entre o desenho de memória e o desenho de observação, ao desenharem a mesma fotografia.

Fig. 10.3. Processo de representação entre a fotografia e a solução gráfica do desenho, primeiro no

desenho de memória, segundo no desenho de observação.

De acordo com Yin (1994: 2), a opção pelo estudo de caso do tipo simples ou múltiplo depende da questão da investigação, dos propósitos do investigador em saber o

significativas dos eventos em contexto real. Como no desenho escolar a actividade de desenhar está ligada e faz parte integrante do contexto real da sala de aula, considera-se esta metodologia de caso múltiplo adequada às questões de investigação formuladas: o «quem», o «quê», o «porquê» e o «como».

O estudo de caso é uma investigação empírica sobre um fenómeno contemporâneo num contexto real — o desenho da representação gráfica do espaço no desenho escolar — e além disso, deve exigir uma formulação teórica prévia para orientar a recolha e análise dos dados. Note-se que, para Yin (1994), o enquadramento teórico é essencial para a opção do estudo de caso, assim como o plano de acção da investigação, desde as questões iniciais até à fase final das conclusões. Este plano tem de ser consistente com os dados empíricos recolhidos. Assim, os pontos críticos são as questões do estudo, as proposições, as unidades de análise — «information about relevant individual would be collected and several such individuals or “cases” might be included in a multiple-case study” —, a lógica entre os dados e as proposições, e os critérios para interpretar as descobertas (Yin, 1994: 23).

Os estudos de caso podem incluir provas do tipo quantitativo. Não é a estratégia de investigação que distingue a prova quantitativa da qualitativa; nem se pode confundir estudo de caso com investigação qualitativa. Ao contrário dos métodos do tipo etnográfico, o estudo de caso exige uma formulação teórica preparatória, antes da recolha de dados (Lincoln e Guba, 1985, 1986; Van Mannen e Alt.,1982), citado por Yin (1994: 27).

A opção pelo estudo de caso múltiplo, deveu-se à necessidade em conseguir preencher as duas condições seguintes: um número reduzido de casos individuais, e manter o contexto real da sala de aula. A disponibilidade de um grupo intacto de 14 adolescentes, na mesma escola onde investigador tinha feito a primeira parte da investigação, veio a satisfazer as condições necessárias e suficientes.