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A representação gráfica: da imagem ao desenho e do desenho à imagem

A REALIDADE DUAL DAS IMAGENS

5.4. A representação gráfica: da imagem ao desenho e do desenho à imagem

Na linguagem comum, para as crianças e jovens em idade escolar, quase todas as imagens são «desenhos» porque usam frequentemente este termo quando falam de qualquer tipo de imagem: sejam fotografias, pinturas, gráficos, marcas, etc. No entanto, para um adulto nascido na década de 1950, o «desenho» tem um significado particular, eventualmente devido à experiência escolar pessoal. Assim, recordo-me do desenho «geométrico», «livre» ou ainda «composição decorativa» na disciplina de Desenho. Isto pode significar que as diferentes gerações escolarizadas têm experiências e conceitos diferentes do que é o «desenho». Por consequência o conceito de «desenho», é variável de acordo com a idade, cultura, experiência anterior, e a própria actividade profissional. Os conceitos de desenho têm significados e funções diferentes em cada comunidade, por exemplo, na matemática, física, arquitectura, biologia, engenharia, design ou na arte, mas também variam de indivíduo para indivíduo em cada comunidade.

Na língua portuguesa, a palavra «desenho» pode ter vários sentidos: desenho como plano organizado, diagrama, esquema, símbolo, figura, ilustração, como design, desenho de projecto, composição, comunicação, artes gráficas, ou ainda como desenho

gráfico. Mas o desenho, como representação é também a imagem de algo, daquilo que

está representado. Como representação visual figurativa, tem um corpo de conhecimento teórico notável segundo o qual devemos compreender o desenho, quer como

representação quer como imagem: (i) da teoria da percepção visual e da percepção das

imagens, à história da arte por Ernst Gombrich e Julian Hochberg (Gombrich, 1950, 1959, 1990; Gombrich, Hochberg e Black, 1973); (ii) da psicologia da forma (Gestalt) à arte por Rudolph Arnheim com o seu célebre livro Art and Visual Perception: A

Psychology of the Creative Eye (1954), nas versões actualizadas (1974, 1981);

finalmente, (iii) a teoria da percepção figurativa e representação visual acerca do significado das imagens para o observador, (Kennedy, 1994; Hochberg, 1994, 1996; Vilafañe e Minguez, 1996).

No entanto, os conceitos de representação gráfica e de desenho exigem uma revisão conceptual devido às mudanças das práticas de representação em curso, sob o efeito da utilização da tecnologia digital. Três domínios se impõem hoje ao desenho

gráfico digital: como processo de produção gráfica subordinado à tecnologia de

(Gardner e Fishel, 2003) e como Web Design na Internet (Beer, 2003). Na verdade, as técnicas de produção e de reprodução digitais são particularmente adequadas, por exemplo, às estratégias do desenho pós-moderno: desconstrução, apropriação e citação (Poynor, 2003).

Considerando ainda o desenho como imagem e seguindo a sugestão de Willats (1997) acerca do conceito de representação gráfica híbrida, a perspectiva é um sistema de desenho de projecção, ao mesmo nível que a projecção oblíqua e a projecção ortogonal. E este autor considera a ideia de que as diferenças entre os sistemas de representação nas diferentes épocas e culturas, em especial as suas mudanças, ao longo da história da arte, do mesmo modo que as mudanças no desenvolvimento do desenho infantil, ambas são determinadas pelas diferentes funções que os sistemas de representação desempenham (Willats, 1997: 2).

Em consequência, o desenho seria, na actualidade, um objecto e uma actividade de múltiplas faces e interpretações, dependente do modo como é visto, vivido, compreendido e utilizado em diferentes contextos, entre quem o faz e produz e quem o vê e utiliza no dia a dia. O desenho seria, assim, um produto social e cultural, um produto da cultura visual, isto é, uma imagem concebida numa estratégia de comunicação visual: cartoon, ilustração, publicidade, desenho assistido por computador (CAD), audiovisual, Internet ou banda desenhada. A tecnologia digital não seria tanto uma ameaça à criatividade, como muitos pensam, mas antes uma ferramenta de exploração e de produção visual. Um dos aspectos mais interessantes e criativos da sua utilização poderia ser a renovação e reutilização dos efeitos das técnicas tradicionais, e das múltiplas possibilidades de combinação para concretizar um estilo e uma marca pessoal.

Mas qual seria o significado dos desenhos para quem os faz? Porque é que as crianças e os adolescentes fazem desenhos? O desenho seria assim uma experiência pessoal de carácter autobiográfico. Fazemos desenhos porquê? Podemos desenhar porque nos apetece, para nos divertirmos, porque alguém nos pediu, um professor, um pai ou mãe, um amigo ou familiar, no caso das crianças. Mas independentemente da encomenda profissional de um cliente, ou apenas por gosto pessoal, estaria presente um determinado contexto social e cultural.

A representação visual seria espontânea nas crianças mais pequenas e «não deriva nem depende da imitação de modelos projectivos», (Matthews, 1999: 253) ao contrário do que acontece na infância e na adolescência em que a representação visual

tem um significado. Por outro lado, nos artistas adultos, a representação visual poderia ser essencialmente uma estratégia de autoreconhecimento ou autoconhecimento com um significado fenomenológico (Molina, 1999).

Durante a infância e adolescência, a actividade de desenhar em ambiente escolar pode assumir aspectos distintos do desenho como actividade profissional, o que não quer dizer que as crianças e os jovens não possam conhecer ou não possam ser influenciados pelas imagens da cultura visual presente no seu ambiente social. Os professores poderiam ser assim observadores privilegiados no que diz respeito às condições de produção e de recepção na actividade de desenhar em ambiente escolar, tal como foi sugerido por Barrett (1979).

5.5. Síntese final

Para um observador, a realidade dual da representação visual implicaria uma alternância entre o espaço bidimensional da superfície no suporte material da representação e o espaço tridimensional com a percepção da profundidade e da distância. As representações dos objectos tridimensionais do tipo da caixa podem encontrar-se na arte, em diferentes épocas e culturas, e também nos desenhos das crianças, sugerindo assim uma estratégia de visualização convencional. A ambiguidade entre espaço bidimensional e espaço tridimensional permite, por exemplo, a representação do espaço interior dos objectos e uma visão «transparente» dos corpos, combinada com os desenhos de perspectiva de observação ou intuitiva, quer seja na arte, nas imagens da comunicação visual ou nos desenhos das crianças. A perspectiva convergente ou divergente podem ser usadas na arte, na banda desenhada e no cartoon, quer pelos artistas adultos, quer pelas crianças e adolescentes. A tecnologia digital implica uma revisão dos conceitos do desenho e da representação gráfica. Na comunicação visual, nas tecnologias de impressão e no web design, o desenho seria assim um produto da cultura visual contemporânea, onde as estratégias de des-construção, apropriação e citação fazem parte do desenho pós-moderno.

As diferenças e mudanças nos sistemas de representação em diferentes épocas e no desenvolvimento do desenho infantil, parecem em ambos os casos determinadas pelas diferentes funções desempenhadas pelos próprios sistemas de representação (Willats, 2005).

CAPÍTULO VI