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A Educação Visual como disciplina curricular

DESENHO, IMAGEM E REPRESENTAÇÃO GRÁFICA

2.6. A Educação Visual como disciplina curricular

Tomando como referência a declaração da National Art Education Association (1965), citada por Gaistskell, Hurwitz e Day (1982), um programa artístico escolar de qualidade deveria ser oferecido a todos os níveis de ensino desde o pré-escolar até ao secundário, embora com ênfases, graus e complexidade diferenciados. O resultado seria um programa de educação visual com quatro linhas essenciais: (i) ver e sentir as relações visuais; (ii) fazer obras de arte (artefactos); (iii) conhecer e compreender os objectos artísticos e (iv) avaliar os produtos artísticos.

6 Ensino Básico 2.º Ciclo. Organização Curricular e Programas. VOL. II. Lisboa: Ministério da Educação.

Direcção Geral do Ensino Básico e Secundário, 1991, p.31.

7Ensino Básico 2.º Ciclo. Organização Curricular e Programas. Vol. I. Lisboa: Ministério da Educação. Direcção Geral do Ensino Básico e Secundário, 1991,p.196.

8 Art.3.º, alínea a). Dec. Lei n.º 6/2001, de 18 de Janeiro, p.259. 9

Estes aspectos e a influência da cultura visual contemporânea sobre a educação foram provavelmente dos principais fundamentos da Educação Visual como disciplina escolar (Rúbio, 1996). Decisivos foram os contributos de Betâmio de Almeida (1976, 1978, 1979) para a introdução da função simbólica das formas artísticas no Desenho do Ensino Liceal e mais tarde na Educação Visual no ensino unificado, a partir de 1975-76. As referências a Charles Peirce, Ernst Gombrich, Susane Langer e Abraham Moles, introduziram a semiótica das artes visuais na Educação Visual. Segundo Betâmio de Almeida (1978: 19), e nas suas próprias palavras, «Desenhar … é fazer surgir um signo. E um signo, mesmo saturado de iconicidade, não é coisa real». De facto, como o desenho é uma representação expressiva do real, Betâmio de Almeida elaborou uma síntese entre a representação visual de Rudolph Arnheim e a expressão de Herbert Read, o que lhe permitiria, como professor metodólogo que era, colocar o problema da representação como o «coração da Educação Visual» (Rúbio, 1996). Ainda no seu artigo

O professor de Desenho, sua função (Almeida, 1979), Betâmio de Almeida defendia a

necessidade de um estudo aprofundado da percepção visual e um conhecimento teórico- prático da noção de projecção de modo que o professor dominasse os processos de representação das formas, quer fossem à mão livre, quer apoiados em sistemas geométricos, quer ainda por dispositivos técnicos de produção de imagens.

Mas a educação visual, como abordagem de ensino, ou como disciplina, poderia ainda oferecer um modo de aprendizagem único da percepção e apreciação visuais, a exemplo do que fazem os artistas, os académicos, e os críticos de arte — o estudo das propriedades sensoriais, formais, técnicas e expressivas dos objectos artísticos — e que a distinguiria assim de qualquer outra disciplina curricular (Broudy, 1987, 1988).

Apesar de se considerar a necessidade de uma educação estética e visual com base na integração das tecnologias da imagem e comunicação no ensino e aprendizagem de uma educação visual para todos no ensino básico (Rubio, 1997, 2002), e de se aceitar o papel crescente da cultura visual no quadro de uma abordagem curricular pós-moderna das artes visuais na educação (Clarck, 1996; Efland, Freedman e Sthur, 1996; Jones, 1997; Charréu, 2003; Eça, 2004), entendemos também que o desenho poderia ter, por si só, um valor educativo e pedagógico específicos na infância e adolescência.

A proposta de uma filosofia da educação visual (Dorn, 1994; Feldman, 1996), ajuda-nos a esclarecer o valor educativo e pedagógico do desenho, tal como o entendemos. Assim, o desenho como educação visual pressupõe o ensino e

compreensão das formas visuais. Neste contexto, um dos papéis dos professores seria observar o que os alunos fazem, como o fazem, e como são influenciados uns pelos outros, através da visão privilegiada que o professor de educação visual tem do processo de percepção artística das crianças e adolescentes (Dorn, 1994; Feldman, 1996).

No contexto cultural pós-moderno, alguns autores defendem uma abordagem pragmática do ensino da educação visual, para a mudança das práticas educativas, devido ao esgotamento da tendência formalista sobre a pedagogia da educação visual, com origem no desenho básico da Bauhaus. Deste modo, as tarefas mais adequadas dos educadores e professores seriam a elaboração de programas que permitissem aos alunos visões significativas sobre o mundo a partir da interpretação das imagens e da cultura visual (Clarck, 1996; Efland, Freedman e Sthur, 1996; Jones, 1997; Wolcott e Gough- Dijulio, 1997; White, 1998; Eça, 2004).

No entanto, segundo Stankiewicz (2000), o futuro da educação visual estaria mais dependente da consciência de que o conhecimento e a investigação são socialmente construídos e situados em contextos sociopolíticos e, por estas razões, estão sujeitos às mudanças do clima intelectual. O que quer dizer que toda a disciplina curricular é socialmente construída pelas práticas e modelada pela sociedade e cultura, logo, as definições de «educação visual» não poderiam ser permanentes: «Durante muito tempo o ensino das Artes, como disciplina curricular, chamou-se Desenho e limitou-se ao

desenho do real e ao desenho rigoroso. Representavam-se normalmente, com rigor e

sombreado, sólidos de formas gométricas simples e memorizavam-se as construções que lhes estão na base» (Silva, SanPayo e Gomes, 1992: 27). De acordo com o conceito de Educação Visual dos anos 70, o aluno deveria «estar na posse de uma linguagem visual que formasse através dessa apreciação e da exploração, na prática, dos elementos

visuais» (Silva, SanPayo e Gomes, 1992). Ou seja, a «linguagem visual» era

instrumental na Educação Visual, no mesmo sentido dado por Betâmio de Almeida, como uma «acção escolar que se deve processar sistematicamente, e tão precisa é para uma apreciação artística esclarecida, como para uma compreensão perfeita da linguagem visual que, hoje, avassala toda a informação» (Almeida, 1976:29). Mas a «linguagem visual» era essencialmente a «linguagem gráfica» do desenho, isto é, o desenho gráfico: «Graphic design is a language. Like other languages it has is own vocabulary, grammar, syntax, rethoric» (Thompson e Davenport, The Dictionnary of Visual Language, de 1974, citado por Newark (2002: 50).

Uma outra abordagem da didáctica da educação visual, foi a de Rocha de Sousa. Como fenomenologia da educação visual, foi influenciada pelas leituras de O Olho e o

Espírito (Merleau Ponty, 1961, 2004); sendo o seu núcleo central a relação entre o

sujeito e o objecto, entre a percepção e a representação, sugere que a educação visual «nos permite passar do domínio das sensações ao espaço estruturado das percepções visuais. O que quer dizer, logo à partida, que o olhar se distingue do ver» (Sousa, 1995: 31). Conceptualmente rigorosa e consistente, assume antes uma radicalidade existencial da expressão visual centrada nos «paradigmas do sentido profundo do nosso ser, da nossa capacidade de ver, refazer, inventar» (Sousa, 1995: 54).