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A PERCEPÇÃO VISUAL E AS IMAGENS

6.9. A ambiguidade visual da imagem

Em certo sentido, todos as imagens — quadros, fotografias, pinturas, desenhos — são, pela sua própria natureza, simulacros ou substitutos da realidade (Gombrich, 1959; Gibson, 1966,1968,1979). A sua realidade é dual — por um lado, é uma superfície plana com a sua própria realidade física e material, por outro lado, ao ser observada torna-se «transparente» ganhando assim profundidade espacial para lá da superfície que se torna assim como que invisível. Esta realidade dual implicaria necessariamente essa característica de ambiguidade, de se tomar como superfície ou como espaço ilusório e, assim, a terceira dimensão nunca estaria definida com precisão.

Segundo Gombrich (1959, 1990), Ames, inicialmente um artista que se viria a tornar psicólogo, inventou um certo número de dispositivos especiais para estudar, em laboratório, as ilusões visuais. Um destes dispositivos consistia num exemplo de trompe

l’oeil, as cadeiras de Ames. O observador via sucessivamente, através de um furo, três

cadeiras, através de três fotografias e depois, através de furos diferentes, as mesmas três cadeiras na sua verdadeira configuração no espaço. Segundo Gombrich (1959, 1990), a ilusão das cadeiras de Ames, estaria assim na convicção de que só haveria uma única

implicaria a improbabilidade de admitir outras possibilidades, por exemplo, o caso de certos objectos inverosímeis. O que Ames pretendia demonstrar era que a percepção visual não revela imediatamente o que vemos mas, ao contrário, são as expectativas do observador que «interpretam» as imagens projectadas na retina do olho, seleccionando e filtrando a multiplicidade de características reconhecidas às cadeiras pelos observadores. Para que os objectos sejam reconhecidos pelas suas imagens, deve-se associar, de alguma maneira, as características não visuais com a imagem visual.

Os psicólogos acreditam que a aprendizagem perceptiva individual implica a associação de propriedades não ópticas dos objectos com as imagens da retina. Por outras palavras, o processo visual implicaria a associação de certas características não

visuais com a imagem visual.

Segundo Gregory (1968), ver Fig. 6.9., na ilusão de Muller-Lyer, o sujeito interpreta inconscientemente as figuras semelhantes a flechas com estruturantes tridimensionais de esquinas convexas [esquerda] e côncavas [direita] de uma estrutura física. Um mecanismo perceptivo diminui a aresta vertical na esquina convexa, e aumenta na esquina côncava, compensando a distorção causada pela perspectiva.

Fig. 6.9. Ilusão de Muller-Lyer.

Deste modo, a qualidade dos indícios da profundidade revela ser uma adaptação do modelo seleccionado com a informação da profundidade disponível. Quando a informação não é apropriada, como é o caso dos traços da perspectiva no plano, seria feita uma medida à escala errada do modelo perceptivo.

Na ilusão de Ponzo, também conhecida por «ilusão das vias-férreas», ver Fig. 6.10., o efeito sobre o observador é constante. Apesar dos dois rectângulos serem iguais,

o rectângulo superior parece ser maior. Segundo Gregory (1968), esta ilusão é o protótipo das distorções visuais em que o mecanismo perceptivo cerebral tenta conservar a constância de tamanho aproximada para objectos similares situados a diferentes distâncias.

Fig. 6.10. A ilusão de Ponzo.

Como sabemos que, na realidade as travessas mais distantes têm o mesmo tamanho que as mais próximas, quaisquer objectos colocados entre elas, aumenta inconsciente- mente de tamanho. Na verdade, se os rectângulos fossem objectos reais que estivessem colocados na via, automaticamente saberíamos que o mais afastado seria o maior (Gregory, 1968).

No entanto, esta hipótese da inferência inconsciente como interpretação da estrutura tridimensional das esquinas convexas e côncavas (Gregory, 1968), é colocada em causa por Nadir Afonso, na sua interpretação crítica da ilusão de Muller-Lyer, ver Fig. 6.11:

«Para a percepção, o objecto A, prefigura a imagem dos cantos obtusos na extremidade de uma aresta; exprime portanto a imagem do objecto longínquo; o objecto B prefigura a imagem dos cantos agudos na extremidade de uma aresta; exprime portanto a imagem do objecto próximo. Assim, esta lei e a experiência desta lei adquirem um senso: elas engendraram ao longo de milénios uma acuidade perceptiva mais poderosa que o senso retiniano. Apesar da representação se desenvolver em superfície, a habituação ancestral (sob a forma de registo psíquico) sente A longínquo e B próximo. Logo, se a imagem de A aparece simultaneamente mais distante e do mesmo tamanho da imagem de B, a percepção é levada a concluir que o objecto real A é maior que o objecto real B. É o que acontece na ilusão de

comprido que o segmento vertical b (parte integrante de B). A percepção hereditária impõe, uma vez mais, o seu meio tridimensional» (Afonso, 1999).

Fig. 6.11. Adaptação de um desenho de Nadir Afonso (Afonso, 1999: 31).

Nadir Afonso (n. 1920) inicialmente foi um pintor de inspiração abstraccionista geométrica. Com formação em arquitectura, trabalhou com o arquitecto Le Corbusier, dedicando-se, mais tarde, exclusivamente à pintura geométrica figurativa. Em paralelo à sua actividade artística, publicou diversos ensaios de teoria da arte24.

A reflexão filosófica acerca do processo da sua prática artística levou Nadir Afonso a uma crítica fenomenológica da filosofia da arte, da geometria, da percepção visual e do sentido estético: «É certo que ver não é tão simples como se crê e antes de se atingir a compreensão do sentido, como desejam os estetas, é preciso adquirir a prática do sentido» (Afonso, 1999: 24).

Procurando um sentido para o visual, Nadir Afonso considera que ver não é o pensamento consciente, mas antes uma prática visual que é uma adaptação evolutiva da espécie humana: «…o acto de perceber exige mais qualquer coisa, no entanto, essa qualquer coisa não é, como crê a fenomenologia, uma consciência, uma idealidade ou uma boa forma do objecto mas uma habituação, uma adaptação persistente ao objecto ou, melhor, à interacção que se exerce entre sujeito e objecto» (Afonso, 1999: 33).

24

O seu primeiro ensaio de teoria da arte é de 1958, La Sensibilité Plastique, Paris. Em 1970, Les Mécanismes de la Création Artistique, com tradições para inglês e alemão. Em 1983, Le Sens de l’Art, editado em português, com o título O Sentido da Arte, em 1999. Mais recentemente, Da intuição artística ao raciccínio estético, em 2003.