• Nenhum resultado encontrado

O DESENVOLVIMENTO GRÁFICO

4.2. O desenho escolar infantil

O desenho escolar, considerado como uma linguagem necessária para o desenvolvimento pessoal no quadro de uma educação integral, teve início com Rousseau, prosseguiu com Pestalozzi e Froebel, desenvolvendo-se posteriormente como

desenho linear geométrico na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, em consequência

da Exposição Industrial de 1851 que demonstrou a importância da aprendizagem do desenho na escola, necessário para a formação profissional nas actividades industriais, logo, indispensável ao progresso das nações nessa época.

Mas foi a descoberta dos desenhos espontâneos das crianças que despertou o interesse cada vez maior dos educadores, professores, psicólogos e artistas, com a publicação de L’Arte del Bambini em 1887, pelo historiador de arte Corrado Ricci. O «desenho infantil», a «arte infantil» e também os desenhos dos povos primitivos, viriam a ter repercussões na arte, na pedagogia, e na psicologia.

Os 300.000 desenhos recolhidos e analisados por Kerchensteiner em 1905, de 7.000 crianças nas escolas de Berlim e os desenhos de crianças de diferentes estratos sociais e desenvolvimentos mentais recolhidos por Rouma em 1913 no seu livro Le

Langage Graphique de l’Enfant, marcaram as primeiras tentativas sistemáticas do

estudo do desenho infantil. Mas foi com a análise dos 1700 desenhos da sua filha Simone entre os 3 anos e 3 meses e os 8 anos e meio, publicados em Les dessins d’un

enfant em 1913 por Luquet, e com Le dessin enfantin em 1927, que aquele resumiu e

encerrou assim as investigações mais importantes da sua época sobre o desenho infantil (Luquet, 1927, 1979). A valorização da «arte infantil» durante várias gerações ao longo do século XX por psicólogos, pedagogos e artistas, foi elaborada, segundo Bordes (2001), por Franz Cizek e aprofundada por Viktor Lowenfeld (1954) e Henry Schaeffer- Simmern com The Unfolding artistic activity de 1948.

A revisão crítica dos estádios do desenvolvimento no desenho da criança de Herbert Read (1958), este mantém no essencial a classificação do psicólogo Cyril Burt: (i) rabiscar (2 – 5 anos), (ii) linha (4 anos), (iii) simbolismo descritivo (5 – 6 anos), (iv) realismo descritivo (7 – 8 anos), (v) realismo visual (9-10 anos), (vi) repressão (11-14 anos) e (vii) o renascimento artístico da primeira adolescência. A argumentação de Herbert Read viria a colocar em causa o conceito de «esquema» de Luquet, e a valorizar a correlação entre expressão e temperamento, que não tinham sido consideradas pela teoria intelectualista, e também a suposição de que a fase da «representação» é

inevitável. Deste modo, não teriam razão de ser as diferenças entre «conceitos perceptuais» e «conceitos representacionais». Segundo Herbert Read, só Lowenfeld perceberia a «relação directa e válida entre modos de expressão e as componentes afectivas de cada temperamento e disposição individual de cada criança» (Read, 1958: 170), sugerindo então uma classificação do desenho por categorias de «estilos»: orgânicos, líricos, impressionistas, modelo rítmico, forma estrutural, esquemático, háptico, expressionista, enumerativo, decorativo, romântico e literário (Read, 1958: 171).

Em Portugal, na década de 50, a influência das ideias de Herbert Read foi determinante para a constituição do movimento de Educação pela Arte que incluiu personalidades como João dos Santos, Calvet de Magalhães, Adriano Gusmão, Cecília Menano, Almada Negreiros, e António Pedro, entre outros (Sousa, 2003).Em língua portuguesa e de um ponto de vista pedagógico e didáctico, surgem As artes plásticas na

escola (Souza, 1974), com uma primeira edição de 1968. Alcidio Mafra de Souza

apresentaria, no Brasil, uma abordagem didáctica sistemática da arte na educação, criatividade e artes plásticas escolares, sublinhando o desenvolvimento da expressão gráfica na infância e divulgando as ideias Herbert Read, Viktor Lowenfeld e Rhoda Kellog.

A Educação pela Arte também tinha deixado a sua marca no programa do ensino primário aprovado em 1960. Constituído por um ciclo completo de quatro classes com frequência obrigatória «para os menores de ambos os sexos que tenham idade compreendida entre os 7 e os 12 anos»13, na sua orientação didáctica, designada então por «Instruções», afirmaria o seu carácter interdisciplinar e sublinhava a ênfase dada ao desenho como expressão e como objecto de análise psicológica: «(…) o desenho vale como auxiliar de todas as outras disciplinas, é também para a criança um excelente meio de expressão e, como tal, oferece ao professor excelentes oportunidades para o conhecimento psicológico dos seus alunos»14. Se, nas 1.ª e 2.ª classes, o conteúdo é o

Desenho livre e o Desenho de contorno, nas 3.ª e 4.ª Classes, a ênfase era colocada

exclusivamente no Desenho livre, em que este «admite a modalidade da interpretação directa de objectos simples, cenas ou situações vistas pelo aluno, para se conseguir o progresso do espírito de observação e do acto de expressão gráfica e o desenvolvimento da actividade criadora e do sentimento do belo. Na preparação e execução desta

modalidade de desenho não se usem artifícios e formalismos. E não se dê importância primordial à semelhança com os modelos»15.

De facto, a introdução da Educação pela Arte como corrente pedagógica e abordagem de ensino, não só se pode perceber no desenho livre do ensino primário em 1960, como já anteriormente se encontra no início da década de 50, no programa de Desenho do ciclo preparatório do ensino profissional industrial e comercial, sob influência de Calvet de Magalhães: «(…) o fim principal do desenho, tal como se entende neste curso é de dar ao aluno um meio de expressão pessoal», mas também a «necessidade de fornecer ao aluno um meio de representação», e ainda «como instrumento de cultura estética ou, melhor, como meio de expressão rítmica do sentimento»16. Em síntese, o desenho seria então uma actividade de coordenação entre «o espírito, a vista e a mão», com o «propósito imediato de ensinar a ver e a intenção determinada de preparar, através da expressão gráfica, a educação plástica e artística dos alunos»17.

Em Educação pela Arte na Escola Primária, numa edição da Direcção Geral do Ensino Primário e dirigida aos professores primários, Alfredo Betâmio de Almeida e outros, apresentaram as linhas directrizes de uma didáctica do desenho no ensino primário (Almeida, Santos e Santos, 1971). Sustentada esta didáctica na criatividade da criança, o importante era oferecer-lhe «meios de riscar ou de pintar, outros materiais plásticos, ela é arrastada por um impulso natural a figurar seres e coisas do seu mundo de interesses», insistindo ainda que «o professor do ensino primário não necessita de ser um Artista especializado para orientar as actividades dos seus alunos. Deve, sim, procurar ter na sua aula meios de expressão plástica, criar uma atmosfera de trabalho e estar atento ao desenvolvimento progressivo das capacidades criadoras das crianças. A criança, quando pinta, deve sentir-se livre e alvo do interesse do adulto seu professor» (Almeida, Santos e Santos, 1971: 9); já tendo em conta os professores primários, prosseguia ainda com uma breve descrição das fases do desenvolvimento da representação no desenho: (i) fortuita aos 3 anos, mantendo ainda a terminologia de Luquet; (ii) embrionária (4 anos), ideográfica ou descritiva (6 ou 7 anos); (iii)

visiográfica (a partir dos 10 anos), sob a influência do logicismo mental, segundo a

terminologia de Piaget. Pretender-se-ia então, reavaliar o papel do desenho geométrico,

15 Ibidem.

16Portaria n.º 13.800, do Diário do Governo, I Série, n.º 8 de 12 de Janeiro de 1952, pág. 30. 17

agora num contexto da estética industrial e design, entendido como «escrita» e «leitura», isto é, o desenho como linguagem: «o avanço das ciências da educação, a preponderância dos estudos psicológicos e do conhecimento da criança nas reformas escolares do nosso tempo, foram-no limitando e acabaram por bani-lo da escola elementar, substituído pelo desenho livre e pela pintura infantil» (Almeida, Santos e Santos, 1971: 85).

Com a reforma curricular de 1989, o desenho passa a ser uma técnica de expressão plástica e é entendido como «descoberta e organização progressiva de superfícies» no 1.º Ciclo18. Nos 2.º e 3.º Ciclos, na Educação Visual e Tecnológica19 e na Educação Visual20, respectivamente, é apenas uma «área de exploração».

No entanto, o desenho, como conteúdo disciplinar, parece ter hoje, no currículo da Educação Visual do 3.º Ciclo, mais uma função de integração dos outros meios de expressão visual, artística e técnica, da comunicação gráfica, ilustração e banda desenhada, à arquitectura e ao design (Rúbio, 2002).