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3.2 A ORGANIZAÇÃO BUROCRÁTICA COMO RACIONALIDADE

3.3.3 A ABORDAGEM SOCIOTÉCNICA

Em 1945, a Fundação Rockefeller12 estava à procura de instituições envolvidas com a medicina de guerra. Seu objetivo era aplicar, no âmbito das empresas do pós-guerra, as mesmas técnicas de psiquiatria social utilizadas no exército durante a guerra. Neste sentido, em 1946 a Fundação Rockefeller faz uma doação de fundos à clínica psiquiátrica Tavistock surgindo, então, o Tavistock

Institute of Human Relations13 (TRIST; HUGH, 1993).

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12 A Fundação Rockefeller é uma organização filantrópica criada em maio de 1913 nos Estados Unidos e que tem como missão histórica “ promover o bem-estar da humanidade em todo o mundo”. Dentre outras contribuições, está a criação do London School of Hygiene and Tropical Medicine, em Londres e a Johns Hopkins School of Public Health e a Harvard School of Public Health, ambas nos Estados Unidos.( http://www.rockefellerfoundation.org).

13 Tavistock Institute of Human Relations, está localizado em Londres e foi criado oficialmente em setembro de 1947 a partir de doações da Fundação Rockefeller com o objetivo de aplicar os conceitos psicanalíticos e de sistemas abertos para o estudo de grupos e organizações. O Instituto dedica-se à educação, pesquisa e consultoria em ciências sociais e psicologia aplicada (http://www.tavinstitute.org/).

Em 1948, a Inglaterra estava em crise. A moeda havia se desvalorizado e a produtividade estava em baixa. Faltavam recursos para investimento em novas tecnologias. Nesse contexto, o governo britânico constitui uma comissão com o objetivo de elevar a produtividade a partir da melhor utilização dos recursos humanos. Nesta Comissão, o Instituto Tavistock propõe três projetos. O primeiro centrou-se sobre as relações internas nas empresas, focando-se no chão de fábrica com o objetivo de melhorar a cooperação entre os trabalhadores e também entre os níveis de gestão. O segundo projeto focou-se nas melhorias organizacionais que poderiam incrementar a produtividade. O terceiro tratava-se de uma pós-graduação para trabalhadores em pesquisa social aplicada (TRIST; HUGH, 1993).

O carvão era a principal fonte de energia na Inglaterra no pós-guerra e a reconstrução industrial dependia de sua oferta abundante e barata. No entanto, a produtividade nas minas não andava no mesmo passo do processo de mecanização. Os operários estavam abandonando as minas em busca de oportunidades mais atraentes nas indústrias. O absenteísmo era endêmico, assim como os conflitos laborais.

O projeto de pós-graduação, com foco nas melhorias organizacionais e na produtividade, foi desenvolvido em minas de carvão, sendo que seis bolsistas foram enviados para pesquisa de campo em diversas minas no país. Após um ano, fizeram relatórios sobre a organização do trabalho nas minas e um deles apresentou indícios que um novo paradigma na organização do trabalho estaria surgindo na mina de Haighmoor (TRIST, 1981).

Em Haighmoor, a organização do trabalho consistia em um conjunto de grupos autônomos que organizavam o seu trabalho com um mínimo de supervisão. A cooperação entre os grupos de trabalho estava em evidência em todo o lugar. Havia um baixo índice de absenteísmo, um nível mínimo de acidentes de trabalho e, ao mesmo tempo, uma alta produtividade. Nas entrevistas realizadas, os mineiros relataram que, com a nova tecnologia utilizada para extração do carvão, desenvolveram uma forma de organização do trabalho baseada na organização de pequenos grupos. Cada grupo era responsável por todo um ciclo de extração. Inicialmente, haviam tentado trabalhar com base nas orientações da divisão técnica do trabalho de Taylor (2010), com os operários divididos em tarefas padrão e com a

supervisão e coordenação externa ao grupo, mas que não havia alcançado os resultados esperados. Entretanto, eles encontraram uma maneira de recuperar a coesão do grupo e a autorregulação que haviam perdido, e fazer avançar o seu poder de participação nas decisões relativas à organização do trabalho (TRIST, 1981).

Com base na pesquisa realizada em Haighmoor, foi verificada a possibilidade uma nova alternativa ao modelo organizacional que predominava até aqueles dias. Rompe-se com a ideia de que havia apenas uma forma de organizar o trabalho, baseada nos princípios tayloristas e burocráticos. O “imperativo tecnológico” poderia ser desobedecido com resultados econômicos e humanos positivos. Surgia, assim, um “novo paradigma do trabalho” no qual a melhor combinação seria procurada entre as exigências do social e dos sistemas técnicos e que foi batizado de sistema sociotécnico (TRIST, 1981).

Os princípios mais importantes adotados pela organização do trabalho em Haighmoor, segundo Trist (1981) foram os seguintes:

a) O sistema de trabalho passou a ser baseado em um conjunto de atividades no lugar de ser decomposto em postos de trabalho individuais;

b) O grupo de trabalho tornou-se mais central do que o trabalho individual; a regulação do trabalho tornou-se uma atividade interna do grupo no lugar da regulação externa executada por supervisores; c) O projeto de trabalho era baseado na redundância de funções com a

tendência de desenvolver múltiplas habilidades no indivíduo e aumentar o repertório de resposta do grupo;

d) A autonomia local era valorizada em lugar da prescrição das funções de trabalho; o homem era tratado como complemento da máquina, e não como uma extensão dela;

e) A diversidade era valorizada tanto para a organização quanto para o indivíduo, ao contrário do modelo burocrático que valoriza a especialização.

Segundo a visão sociotécnica, os aspectos sociais e tecnológicos do trabalho são inseparáveis. Em qualquer sistema técnico, seja uma estrutura organizacional, estilo de gestão ou tecnologia, sempre haverá consequências humanas e vice-versa (MORGAN, 1966).

A compreensão da abordagem sociotécnica passa pela noção da empresa como um sistema aberto. Os sistemas abertos, por definição, são sistemas que espontaneamente se reorganizam em direção a estados de maior heterogeneidade e complexidade e alcançam um estado aparentemente estacionário no qual ainda podem realizar trabalho (EMERY, 1993).

Nessa perspectiva, as empresas, com características de sistemas abertos, crescem por processo de elaboração interna e muitas vezes alcançam um estado estável apesar de continuar a realizar trabalho. As empresas exigem movimentação contínua de produtos e serviços com outras empresas, instituições e pessoas de seu habitat externo. As empresas necessitam de suportes físicos para sua existência, local de trabalho, materiais, ferramentas, máquinas e um grupo de pessoas capazes e dispostas a modificar as taxas de transferência de materiais e serviços necessários (EMERY, 1993).

Como um sistema aberto, a empresa necessita de interação constante com seu ambiente. No entanto, essa interação mesmo que constante é seletiva no seu processo de interação. Nesse sentido, o componente tecnológico da empresa desempenha um importante papel autorregulador funcionando como um limitador e mediador entre o ambiente social interno e externo da empresa. Sendo assim, a empresa, como um sistema aberto, pode ser entendida como constituída por dois subsistemas, o tecnológico e o social (EMERY, 1993).

O componente tecnológico, utilizado na conversão de insumos em produtos, desempenha um importante papel na determinação das propriedades de autorregulação de uma empresa. Ele funciona como uma das condições mais importantes da mediação entre o aspecto social e o ambiente externo da empresa. O componente tecnológico é geralmente definido pelos materiais, máquinas, ferramentas, instrumentos e espaços físicos. Eles representam o “ambiente interno” da empresa. O subsistema técnico é responsável pela eficiência potencial da organização (TRIST, 1981; MOTTA; VASCONCELOS, 2006).

Já o subsistema social é constituído pelas pessoas imbuídas das tarefas a serem realizadas. Esse subsistema também é constituído pelas relações formais e informais no local de trabalho e sua função é transformar a eficiência potencial em eficiência real (MOTTA; VASCONCELOS, 2006).

Desta forma, a abordagem sociotécnica inaugura uma nova visão sobre as organizações, a qual passa a ser vista como um organismo vivo, típico dos sistemas abertos conforme definição de Karl Ludwig Von Bertalanffy (1901-1972). Definição esta que tem os organismos vivos como modelo de entendimento dos sistemas abertos complexos e como forma de compreensão do mundo como um todo.

Inicialmente, as teorias clássicas tratavam as organizações como um sistema mecânico fechado, pois se preocupavam apenas com os princípios internos da organização. A visão da organização como um sistema aberto, traz o ambiente externo como um novo componente que não era levado em conta pela teoria clássica. Outro aspecto importante é a definição da organização como constituída de diversos sistemas inter-relacionados, pois, sistemas são conjuntos de conjuntos. Nesse sentido, as organizações contem os indivíduos, que são sistemas em si mesmo. Os indivíduos participam de grupos. Estes grupos pertencem a departamentos os quais fazem parte de outras divisões organizacionais. A própria organização como sistema interage com outros sistemas produtivos, econômicos, sociais, culturais, financeiros. E, por fim, a abordagem sistêmica das organizações tenta estabelecer a harmonia entre os diversos sistemas, de forma a identificar e a eliminar possíveis disjunções (MORGAN, 1996).