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4.3 POLÍTICAS PÚBLICAS DE DESENVOLVIMENTO LOCAL: DO CAPITAL

4.3.2 O CAPITAL SOCIAL

4.3.2.1 O DESENVOLVIMENTO DO CAPITAL SOCIAL COMO ESTRATÉGIA

A partir da década de 1990, como forma de criar as condições para a produção e reprodução do capital no próximo milênio, foram desenvolvidos novos ajustes políticos expressos nas denominadas Políticas de Desenvolvimento do

Milênio (PDMs), um conjunto de políticas baseadas na teoria do capital social.

(...) as “políticas de desenvolvimento do milênio” são mecanismos de hegemonia de função de direção intelectual e moral, com ações concretas e definições de metas focadas nas camadas de trabalhadores ‘excluídos’ do processo produtivo, mas que ainda possuem condições produtivas, para instaurar um processo mais intensivo de educar para o conformismo (MOTTA, 2007, p.550).

As Políticas de Desenvolvimento do Milênio são um subproduto de um evento denominado de Cúpula do Milênio, promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova York, em setembro de 2000, no qual presidentes e representantes de 191 países, incluindo o Brasil, debateram os principais problemas

que afetavam o mundo no próximo milênio, e produziram um documento denominado Declaração do Milênio composto de vários objetivos, dentre eles o de “desenvolvimento e erradicação da pobreza” (ONU, 2000).

Ao término da Reunião de Cúpula, as principais agências multilaterais trabalhando em colaboração e auxiliados por especialistas de diversas áreas, produziram um documento-compromisso denominado de Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Neste documento, os diversos países

signatários se comprometem atingir até 2015 oito objetivos: erradicar a extrema pobreza e a fome; atingir o ensino básico universal; promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; reduzir a mortalidade na infância; melhorar a saúde materna; combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças; garantir a sustentabilidade ambiental; e estabelecer uma Parceria Mundial para o Desenvolvimento (PNUD, 2012).

Uma das estratégias adotadas pelas agências multilaterais para o combate à pobreza foi o de estimular o desenvolvimento do capital social nas comunidades.

Segundo Motta:

O marco referencial para o desenvolvimento do milênio – gerar “capital social” - é, na concepção dos principais organismos multilaterais, a chave que garante o acesso aos benefícios de um mundo globalizado, altamente produtivo e competitivo e tecnologicamente avançado. Produzir “capital social” é a chave mestra que propicia a condição necessária à subida no degrau da evolução do processo do desenvolvimento, da redução da polarização entre países ricos e pobres, ou desenvolvidos e “em desenvolvimento”, mas sem comprometer a sustentabilidade dos recursos naturais e do meio ambiente (MOTTA, 2007, p.353-354).

Para o consultor da CEPAL, Guillermo Sunkel, o conceito de capital social entrou no debate acadêmico promovido pelas principais agências econômicas internacionais, dentre elas o Banco Mundial, que identificou o capital social como um componente integral do desenvolvimento social e econômico, tanto em nível micro quanto macro. Reconhecendo o potencial do capital social, o Banco Mundial passou a destinar recursos para investigar de que maneira este componente habilita os setores pobres a participar e beneficiar-se do processo de desenvolvimento (SUNKEL, 2003).

Em 2001, a Universidade de Michigan e a CEPAL organizaram uma conferência denominada: Em busca de um novo paradigma: capital social e redução

da pobreza na América Latina e no Caribe. A Conferência realizada na sede da

CEPAL em Santiago do Chile teve os seguintes objetivos:

Examinar como o capital social pode ser utilizado para melhorar a efetividade das políticas destinadas a reduzir a pobreza;

Promover um foro para instigadores e pessoas que trabalham em programas destinados a combater a pobreza e membros de agências internacionais interessados nas aplicações do capital social para a redução da pobreza, bem como em esforços e coordenação para alcançar estes objetivos (CEPAL, 2003, tradução nossa).

José Antonio Ocampo, Secretário Executivo da CEPAL, em sua fala na abertura da Conferência, disse que, para a CEPAL, o capital social é entendido como o conjunto de relações sociais baseadas na confiança e nos comportamentos de cooperação e reciprocidade.

Ocampo (2003) considera que a pobreza se constitui em um grande obstáculo para o êxito da igualdade. Também enfatiza o importante papel da educação da força de trabalho para a solução deste problema. A educação é um requisito prévio para o desenvolvimento equitativo e democrático, e para a consolidação da cidadania e desenvolvimento pessoal. Devido às importantes e permanentes inovações tecnológicas, a adaptação da mão de obra a essas mudanças é outro fator decisivo que requer consideração. A mobilização do capital social dentro de setores mais pobres deverá pôr-se em marcha conjuntamente com um sistema econômico dinâmico e inclusivo.

Segundo Gustavo Yamada, economista sênior do Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID, o fortalecimento dos processos de governabilidade e desenvolvimento participativo é necessário para uma redução sustentada da pobreza. O aumento da “voz” dos pobres, por meio da construção do seu capital social e o fortalecimento de sua capacidade organizativa, é fator de promoção da mudança política e do apoio necessário para a redução da pobreza (YAMADA, 2001).

Ao longo de toda a história, as populações construíram diversas formas de organização social que incluem instituições comunitárias, autoridades tradicionais,

redes de parentesco e vizinhos, organizações religiosas e outras formas de associação voluntária e de autoajuda, que por anos têm sido utilizadas pelas populações para mobilizar recursos e atender fins de ordem social, econômico e político. Todas essas formas de organização fazem parte da riqueza dos povos e representam um importante acervo de capital social, para a construção de economias competitivas, sistemas políticos democráticos e sociedades mais solidárias, sem pobreza ou exclusão (YAMADA, 2001).

O Banco Mundial no documento intitulado, Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 2000/2001 - Luta Contra a Pobreza - Panorama Geral

(BIRD, 2001), sugere:

Reforçar o capital social dos pobres. As normas e redes sociais são uma forma importante de capital que as pessoas podem usar para sair da pobreza. Assim, é importante colaborar com os grupos que representam os pobres e aumentar seu potencial, vinculando-os com organizações intermediárias, mercados mais amplos e instituições públicas. Para tanto, será preciso melhorar o contexto normativo e institucional em que esses grupos atuam. Já que os pobres geralmente se organizam no âmbito local, também será necessário empreender ações para fortalecer sua capacidade de influenciar as políticas estaduais e nacionais, vinculando as organizações locais a organizações mais amplas (p.10).

Segundo Motta (2007), as estratégias de combate à pobreza no Brasil, no governo Lula, pautaram-se nos documentos das agências multilaterais, dentre eles o documento, Brasil Justo, Competitivo, Sustentável: contribuições para o debate (BIRD, 2002). O documento reúne uma série de textos preparados pela equipe do Banco Mundial, com o objetivo de “contribuir à análise e discussão sobe políticas públicas a serem formuladas pelos governos brasileiros durante o período de 2003 a 2006 e daí em diante” (BIRD, 2002, p.5).

O documento do Banco Mundial (2002) traz discussões sobre diversos temas, dentre eles “os desafios para o capital humano e social” (Idem, p.6). Segundo o Banco Mundial, “investir em pessoas significa construir capital humano. Investimentos em pessoas podem ser considerados estoques pessoais de ativos incorporados individualmente que refletem a capacidade das pessoas produzirem bem estar (...)” (Idem, p. 37). Outro investimento segundo o Banco Mundial é o

capital social, compreendido como “capacidade de sociedades de se reunirem para cumprir compromissos, controlando, assim outros ativos” (Ibidem).

No mesmo documento, o Banco Mundial (2002) enumera uma série de “estratégias brasileiras de construção e proteção dos ativos do capital humano e social de sua população (...)” (p.37). Dentre as diversas estratégias está a educação:

Os investimentos em educação podem transmitir mensagens culturais e construir a coesão social, mas podem também elevar a capacidade de geração de renda dos indivíduos e a produtividade da economia (p.38). (...)

A educação é reconhecida virtualmente por todos os formuladores de políticas como central em quase todos os aspectos do desenvolvimento, do crescimento econômico à proteção ambiental. Desempenha também uma função essencial no aumento do capital social e no estímulo à inclusão da população pobre na sociedade (p.97).

Para Negri (2003), a pobreza no capitalismo atual se constitui uma atividade geral, uma potência irresolvida e bloqueada. Se a função da exploração é sufocar, reduzir o espaço e a mobilidade, a cooperação e a produção de valor, o pobre é o modelo de exploração. “O êxodo da pobreza, consiste em lutar, exatamente como o fazem os operários, para destruir o poder capitalista” (p.112).

Neste sentido, conforme Hardt e Negri, a pobreza se torna força positiva e o pobre “livre como pássaro”, torna-se o paradigma do trabalhador.

Dentro deste reino de produção global, o pobre já não se distingue apenas por sua capacidade profética, mas também por sua presença indispensável na produção da riqueza comum, sempre mais explorado e sempre mais estritamente indexado aos salários do mando. O pobre é, em si mesmo, poder. Existe uma Pobreza Mundial, mas existe acima de tudo uma Possibilidade Mundial, e só o pobre é capaz disso. (...) O pobre, cada pessoa pobre, a multidão de pessoas pobres, comeu e digeriu a multidão de proletários. Só por esse fato os pobres já se tornaram produtivos. Mesmo o corpo prostituído, a pessoa indigente, a fome da multidão – todas as formas do pobre se tornaram produtivas. E os pobres tornaram-se, portanto, cada vez mais importantes: a vida do pobre cobre o planeta e o envolve com seu desejo de criatividade e liberdade. O pobre é a condição de toda produção (HARDT; NEGRI, 2001, p. 175-176).

Sendo assim, uma das maiores preocupações do capitalismo leve e solto é de buscar formas de fixar as populações para mais bem explorá-las. Alguns

governos tentam evitar o êxodo de suas populações e, outros, evitar que hordas de pobres vindos de outros lugares penetrem suas fronteiras (BAUMAN, 2001).

Inúmeras iniciativas procuram apresentar alternativas materiais e humanas para as populações pobres. Denominadas de “economia solidária”, “economia do trabalho”, “novo cooperativismo”, “empresas autogestionárias”, dentre outras. Estas formas de produção buscam configurações inovadoras de realização, associadas a novos valores e princípios que se opõe às práticas excludentes, social e ambientalmente predatórias (CATTANI, 2009).

Na atualidade, a economia solidária, como política pública, surge como vetor do desenvolvimento solidário e sustentável e como estratégia governamental de enfrentamento à pobreza na medida em que possibilita o empoderamento dos sujeitos e da sociedade civil.

4.3.2.2 ECONOMIA SOLIDÁRIA COMO VETOR DE DESENVOLVIMENTO