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4.3 POLÍTICAS PÚBLICAS DE DESENVOLVIMENTO LOCAL: DO CAPITAL

4.3.1 O CAPITAL HUMANO

O termo capital humano tem sido empregado em diversas áreas do conhecimento como na economia, na sociologia, dentre outras. O capital humano representa “o conjunto de investimentos destinados à formação educacional e profissional de determinada população. O índice de crescimento do capital humano é considerado um dos indicadores do desenvolvimento econômico” (SANDRONI,

1999, p. 80). O termo também é utilizado para “designar aptidões e habilidades pessoais que permitem ao indivíduo auferir uma renda. Esse capital deriva de aptidões naturais ou adquiridas no processo de aprendizagem” (Ibidem).

Nas últimas décadas, o desenvolvimento do capital humano tem se constituído uma prioridade na maioria das economias mundiais, especialmente nos países industrializados. O crescente interesse se reflete nas mudanças estruturais, nas quais as sociedades estão baseando sua economia no conhecimento, na informação e, consequentemente, na educação e desenvolvimento de competências humanas. As vantagens comparativas estão mais dependentes dos recursos humanos e da produção de conhecimento e inovações contínuas, do que da posse de capital físico e/ou monetário. No contexto da sociedade atual, o conhecimento passou a ser vital para o crescimento econômico e para o desenvolvimento regional (BRITO DA SILVA, 2008).

A teoria do capital humano surgiu na década de 1960, por meio dos trabalhos de economistas neoclássicos da Escola de Chicago. Na década de 1970, Theodore Willian Schultz (1902-1998) recebeu o Prêmio do Banco Central da Suécia (erroneamente chamado de Prêmio Nobel de Economia), juntamente com Arthur Lewis (1915-1991), pelo seu trabalho sobre a importância dos recursos humanos no desenvolvimento econômico e social (CATTANI, 2006; SANDRONI, 1999).

A teoria do capital humano teve um impacto expressivo, tanto na literatura econômica quanto na ação política da área educacional, sendo rapidamente divulgada pelas principais agências multilaterais e incorporada aos programas de expansão educacional, inicialmente nos países integrantes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e, mais tarde, em outros programas como os da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e pelo Banco Mundial, tornando-se central nas políticas e estratégias dos países não desenvolvidos, sendo considerada uma alternativa a ser utilizada para o desenvolvimento econômico (BRITO DA SILVA, 2008; FRIGOTO, 2003).

Schultz (1973), analisando as transformações da agricultura entre as décadas de 1950 e 1960, destaca a importância da educação como investimento e da preparação dos recursos humanos para o enfrentamento dos constantes

desequilíbrios econômicos e sociais. Schultz defende a ideia de que se o capital é uma fonte de rendimentos, o homem também poderia ser um capital, embora de natureza diferente:

Embora seja óbvio que as pessoas adquiram capacidades úteis e conhecimentos, não é óbvio que essas capacidades e esses conhecimentos sejam uma forma de capital, que esse capital seja em parte substancial, um produto do investimento deliberado, que se tem desenvolvido no seio das sociedades ocidentais a um índice muito mais rápido do que o capital convencional (não humano), e que o seu crescimento pode muito bem ser a característica mais singular do sistema econômico. Observou-se amplamente que os aumentos ocorridos na produção nacional têm sido amplamente comparados aos acréscimos de terra, de homens-hora e de capital físico reproduzível. O investimento do capital humano talvez seja a explicação mais consentânea para esta assinalada diferença (SCHULTZ, 1973, p. 31).

Schultz (1973) ressalta a importância dos investimentos públicos em educação e pesquisa. Segundo ele, tais investimentos devem ser avaliados e comparados em seu retorno econômico com os tipos de investimentos tradicionais. "Os trabalhadores transformaram-se em capitalistas, não pela difusão da propriedade das ações da empresa (...), mas pela aquisição de conhecimentos e de capacidades que possuem valor econômico" (p.35).

Para defender o investimento público em educação, Schultz (1973) argumenta que “(...) as opções educacionais privadas são ineficientes com respeito à escolarização elementar e secundária” (p.157). Os investimentos privados, por serem mais focados nos processos de qualificação profissional, são de curta duração, sendo que a produção de capital social “exige um longo horizonte, porque as capacitações que o estudante adquire são parte dele próprio durante o resto da duração da sua vida” (Ibidem).

No Brasil, as ideias de Schultz inspiraram diversos autores vinculados à área econômica dos governos militares do pós-1964 como Langoni (1976) e Simonsen (1969). Os tecnocratas do regime militar defendiam a aplicação da teoria do capital humano como fundamentação teórica para o aumento da produtividade econômica da sociedade. Filiada à escola econômica da Universidade de Chicago, a tecnocracia brasileira adotou a teoria do capital humano estabelecendo relações

entre planejamento, modernização acelerada das relações capitalistas de produção e a educação (FERREIRA JR.; BITTAR, 2008; FRIGOTTO, 2003).

Conforme Ferreira Jr. e Bittar (2008), a tecnocracia brasileira tinha como tarefa a criação de um sistema nacional de ensino, baseado em aparelhos estatais que desse curso à ligação orgânica entre a educação e o aumento da produtividade da economia brasileira. Portanto, era necessário planejar a educação de acordo com os interesses socioeconômicos do mercado capitalista.

Segundo Frigotto (2003):

No plano da política, de forma autocrática, o economicismo serviu às forças promotoras do golpe, de base conceptual e técnica à estratégia de ajustar a educação ao tipo de opção de um capitalismo associado e subordinado ao grande capital. A Reforma Universitária de 68 e, sobretudo, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1971, corporificam a essência deste ajuste (FRIGOTO, 2003, p. 43).

Nas décadas de 1980-1990, em pleno avanço do neoliberalismo, a teoria do capital humano é revitalizada com as mudanças na organização do trabalho devido à reestruturação produtiva e com a contribuição de outro ganhador do prêmio em economia do Banco Central Sueco, Gary Stanley Backer (1930 -). A teoria do capital humano de Backer, fazendo uso de microfundamentos, considera que o agente econômico (o indivíduo) no momento que toma a decisão de investir em sua educação (seguir, ou não, estudando) arbitra, entre os benefícios que obterá no futuro, se deve seguir sua formação e os custos do investimento (horas extras que deixara de fazer por estar estudando, gastos com o ensino, gastos com transporte, alimentação, etc.). O agente econômico seguirá estudando se o resultado líquido entre os benefícios e os custos for positivo. A teoria do capital humano considera que o agente econômico tem um comportamento racional, investe em si mesmo e esse investimento se realiza com base em um cálculo econômico (DESTINOBLES, 2006, CATTANI, 2006).

Por outro lado, a teoria do capital humano de Backer faz distinção entre formação geral e formação específica. A primeira é adquirida pelo sistema educativo e tem por objetivo incrementar a produtividade dos indivíduos. Esses indivíduos, por sua vez, incrementam a produtividade média e marginal da economia. O financiamento dessa formação é realizado pelos próprios indivíduos, a empresa não

tem nenhum incentivo para financiar esse gasto, uma vez que esta não tem garantias de que o capital humano será efetivamente utilizado a serviço da empresa. Dado isso, a educação, em nível de formação geral, deveria ser financiada pelo próprio indivíduo ou por algum órgão público. Agora, no que se refere à formação específica para o trabalho, essa só tem sentido no caso de existir uma relação de trabalho duradoura entre a empresa e o trabalhador, existindo essa condição, o empresário financia a formação ou então compartilha seus custos com o trabalhador (DESTINOBLES, 2006).

A teoria do capital humano, principalmente na versão de Backer, acabou produzindo o que ficou conhecido como teoria da empregabilidade, compreendida como a capacidade de um indivíduo de conseguir um emprego levando em conta a interação entre suas capacidades pessoais e as necessidades do mercado de trabalho. A empregabilidade também pode ser compreendida como a preparação para o trabalho por meio do aprendizado contínuo e da aquisição de competências e habilidades que o tornem necessário para as organizações. Trata-se da responsabilização do próprio trabalhador pela sua condição de desempregado. Um trabalhador não empregável é um trabalhador não formado para o emprego, que por escolha própria decidiu não investir na sua educação e na formação de novas competências (HIRATA, 1997).

O relatório da OCDE (1998) sobre o investimento em capital humano,

Human Capital Investiment: An International Comparison, traz que o capital humano

se refere ao “conhecimento, habilidades e outros atributos incorporados nas competências dos indivíduos que são relevantes para a atividade econômica” (p.9) e apresenta quatro fontes principais para o desenvolvimento desse tipo de capital:

A educação formal em diferentes níveis: pré-escolar, ensino fundamental, ensino médio, educação profissional, ensino superior, educação de jovens e adultos, etc.

Educação não formal na empresa e no mercado de trabalho.

Experiência adquirida na vida e no mundo do trabalho em diferentes tipos de organizações e contextos laborais.

Também deve ser levada em consideração a aprendizagem em ambientes informais como, por exemplo, na família e comunidades, nas redes de amizades e que pode ser potencializado com o acesso aos meios de comunicação e informação que proporciona a expansão das redes de aprendizagem (OCDE, 1998, p.9-10, tradução nossa).

A OCDE (1998) considera que o nível de competências, habilidades e conhecimentos dos indivíduos podem ser utilizados para representar o estoque de capital humano de um determinado país. O estoque total de capital humano pode influenciar a prosperidade e a competitividade internacional. A distribuição de conhecimentos e competências tem um peso importante no acesso ao emprego e à renda pela população. Entretanto é importante reconhecer que, na prática, o capital humano é mais do que a soma das partes. A simples identificação e medição de um número finito de habilidades e competências específicas não fornecem uma explicação para o estoque de capital humano em uma sociedade. A capacidade de indivíduos e grupos para unir suas habilidades e transformá-las em algo produtivo está relacionada a outro fator: o capital social (OCDE, 1998, p.14).

A abordagem da teoria do capital humano centrava-se no nível individual, nas características dos indivíduos e nas ofertas educativas existentes. No entanto, partir dos anos 1990, inicia-se uma nova fase da teoria do capital humano com aproximação do capital humano individual com o capital humano social, por intermédio dos trabalhos do economista Paul Romer (1955 -). Sua teoria do crescimento endógeno estabelece uma relação entre o capital humano e o desenvolvimento econômico baseado no conhecimento (ROMER, 1990).

Nesta teoria, o desenvolvimento econômico passa a ser visto como produto de forças econômicas endógenas20. As forças internas dos sistemas econômicos é que comanda o processo de desenvolvimento, mais do que qualquer inovação tecnológica externa sobre as quais o mercado não tem qualquer tipo de controle. Para que haja tal tipo de crescimento, é necessário que fatores como inovação tecnológica endógena (que surgem como resultado do esforço dos agentes produtivos para maximizarem seus lucros), capital humano (como estoque de conhecimento dos agentes econômicos) e os arranjos institucionais (incluindo aí a política governamental e a organização da civil) passem a assumir um importante papel no crescimento da renda per capita em qualquer sistema econômico (ROMER, 1990; SILVA FILHO; CARVALHO, 2001).

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20 Endógeno: 1. Originado no interior do organismo, ou por fatores internos; endógena. 2. Mat. Econ. Cujo valor é determinado internamente a um sistema de equações ou modelo considerado: variável endógena [Antôn.: exógeno.] (FERREIRA, 1999).

Opera-se, a partir dos anos 1990, um ajuste de trajetória da ideologia do capital humano, com o seu rejuvenescimento a partir da incorporação de estratégias de desenvolvimento sustentável. Nessa nova fase da teoria, a educação passa a ter a função de “aumentar a produtividade das camadas mais pobres da população através da ampliação do acesso aos bens sociais, isto é, gerando ‘capital social’” (MOTTA, 2007, p.185).

Esse novo paradigma, segundo Motta (2007), vem sendo introduzido pelas principais agências multilaterais (BIRD, BID, CEPAL) como uma alternativa à crise fiscal do estado. O capital social, materializado na colaboração e cooperação entre cidadãos, supostamente visa superar a pobreza e buscar um equilíbrio entre os interesses do mercado e o interesse público, disseminando valores de solidariedade, de pertencimento e de prosperidade.