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4.3 POLÍTICAS PÚBLICAS DE DESENVOLVIMENTO LOCAL: DO CAPITAL

4.3.3 ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS

A partir da crise econômica mundial dos anos 1970, cresceu consideravelmente na literatura econômica os estudos sobre a importância dos aspectos locais para o desenvolvimento econômico. Esses estudos voltaram sua atenção para experiências bem sucedidas de desenvolvimento local, em regiões como os distritos industriais italianos e o Vale do Silício nos Estados Unidos. Regiões que cresceram a taxas muito elevadas se comparadas à média de seus países, gerando enormes quantidades de empregos e chamando à atenção para a elevada renda per capita dessas regiões. Nesse contexto, foi criado um novo conceito para denominar determinados tipos de concentrações de empresas. O conceito de Arranjo Produtivo Local (APL) surge tendo como modelo essas experiências bem sucedidas (SANTOS; DINIZ; BARBOSA, 2004).

Segundo Santos, Diniz e Barbosa (2004) o sucesso do conceito se deve ao fato de ter sido praticamente o único nicho de política governamental aceito dentro da ideologia neoliberal, reconhecidamente avessa a qualquer intervenção estatal. A política industrial baseada nos APLs, para os entusiastas do neoliberalismo, é aceitável porque é focada no aproveitamento de externalidades positivas21 produzidas, muitas vezes, por entidades de direito privado e por isso aceitas pelo mainstream22. O mesmo não pode ser dito em relação à intervenção estatal de forte impacto fiscal ou financeiro, tido como inaceitável pelos entusiastas do livre comércio e do “Estado Mínimo”.

Os Arranjos Produtivos Locais (APLs) são aglomerações de empresas geralmente de pequeno e médio porte, nas quais os atores econômicos

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21 Externalidades se referem a benefícios obtidos por empresas em decorrência da implantação de um serviço público ou de outra empresa. A existência de extenalidades positivas permite a redução de custos para empresas e uma importante alavanca para o desenvolvimento econômico. Como é o caso da construção de estradas ou infraestruturas pelo governo. Quando as externalidades causam prejuízos às empresas, são denominadas de externalidades negativas. É o caso de uma indústria química que contamina com chumbo pastagens e águas adjacentes e por esse motivo os consumidores se negam a consumir o leite produzido na região (SANDRONI, 1999).

22 Termo em inglês que significa a corrente central ou mais importante do pensamento econômico em uma determinada época.

compartilham uma atividade econômica e relacionam-se com agentes sociais e políticos vinculados a essa atividade (KELLER, 2006).

Segundo Lastres e Cassiolatto (2003), existem diferenças entre Arranjos Produtivos Locais (APLs) e Arranjos Produtivos e Inovativos Locais (APILs).

Arranjos Produtivos Locais (APLs) são:

Aglomerações territoriais de agentes econômicos, políticos e sociais - com foco em um conjunto específico de atividades econômicas - que apresentam vínculos mesmo que incipientes. Geralmente envolvem a participação e a interação de empresas - que podem ser desde produtoras de bens e serviços finais até fornecedoras de insumos e equipamentos, prestadoras de consultoria e serviços, comercializadoras, clientes, entre outros - e suas variadas formas de representação e associação. Incluem também diversas outras organizações públicas e privadas voltadas para: formação e capacitação de recursos humanos, como escolas técnicas e universidades; pesquisa, desenvolvimento e engenharia; política, promoção e financiamento (LASTES; CASSIOLATO, 2003, p.3-4).

Já Arranjos Produtivos e Inovativos Locais (APILs) são aqueles arranjos produtivos em que “a interdependência, articulação e vínculos consistentes resultam em interação, cooperação e aprendizagem, com potencial de gerar o incremento da capacidade inovativa endógena, da competitividade e do desenvolvimento local” (LASTRES; CASSIONALTO, 2003, p.4).

As constituições destes arranjos geralmente estão associadas às trajetórias de construção de identidades e fortes ligações com o território tendo como ponto de partida uma base social, cultural, política e econômica comum. Os Arranjos Produtivos são mais propícios a se desenvolver em ambientes favoráveis à cooperação. A cooperação entre os atores econômicos gera interdependência e vínculos baseados na confiança e formam uma rede enraizada no tecido social local (LASTRES; CASSIOLATO, 2003; KELLER, 2006).

Um dos Arranjos Produtivos mais famosos são os distritos industriais da Terceira Itália (região nordeste da Itália). A partir da década de 1950, iniciou-se uma série de ações empresariais privadas com empresas de pequeno porte, cujo objetivo era desenvolver uma base industrial a partir das condições sociais e econômicas locais. Essas ações resultaram na formação de diversos distritos industriais compostos por pequenas e médias empresas. Essas pequenas e médias empresas, ressentidas pela falta de canais de financiamento e pelos entraves da burocracia

estatal, buscaram na cooperação uma forma de superação das dificuldades comuns (FARAH Jr, 2001).

A importância do processo cooperativo, na ampliação da atividade empresarial e da ação pró-ativa da comunidade local, é tida como um dos principais elementos alavancadores do desenvolvimento destes distritos. Conforme os distritos industriais foram se fortalecendo, passaram a buscar outros mercados, inicialmente na própria Itália e depois no exterior. A cooperação nesses distritos é considerada tão importante que é considerado um dos principais fatores que diferenciam este tipo de aglomeração produtiva de qualquer outro. A cooperação dos distritos italianos é uma cooperação bilateral e é caracterizada pelas relações formais e informais de troca de conhecimentos, compra de tecnologias, desenvolvimento conjunto e relações de longo prazo entre clientes e fornecedores (SANTOS; DINIZ; BARBOSA, 2004).

O objetivo da cooperação local era a de construir melhores condições de competir globalmente. As mudanças sociais e técnicas na Terceira Itália dependeram de um grande esforço da comunidade local em aplicar produtivamente esforços conjuntos em busca da eficiência coletiva. Dessa forma, para atingir maior competitividade, empresas privadas e públicas, instituições de ensino e de pesquisa, instituições financeiras e órgãos governamentais de apoio, passaram a sustentar um processo de desenvolvimento tecnológico e social (FARAH Jr, 2001).

Devido ao seu sucesso, a experiência dos distritos industriais da Terceira Itália se tornou paradigmática no que se refere ao conceito de Arranjos Produtivos Locais. No Brasil, segundo a Rede de Pesquisa em Sistemas e Arranjos Produtivos e Inovativos Locais - REDESIST (2012) existem dezenas de Arranjos Produtivos, entre eles os do vinho, fumageiro, moveleiro, máquinas e implementos no Rio Grande do Sul, têxteis e vestuário, cerâmica, software e turismo em Santa Catarina, soja no Paraná, móveis, aeronáutica, tecnologia e telecomunicações em São Paulo. Praticamente em todos os estados brasileiros existem Arranjos Produtivos.

Segundo Lastres e Cassiolato (2003), um Arranjo Produtivo Local é geralmente composto pelos seguintes elementos: dimensão territorial; diversidade de atividades e atores econômicos, políticos e sociais; conhecimento tácito; inovação e aprendizados interativos; governança; grau de enraizamento.

O que os caracteriza:

Dimensão territorial - Na abordagem dos APLs, a dimensão territorial constitui recorte específico de análise e de ação política, definindo o espaço onde processos produtivos, inovativos e cooperativos têm lugar, tais como: município ou áreas de um município; conjunto de municípios; microrregião; conjunto de microrregiões, entre outros. A proximidade ou concentração geográfica, levando ao compartilhamento de visões e valores econômicos, sociais e culturais, constitui fonte de dinamismo local, bem como de diversidade e de vantagens competitivas em relação a outras regiões·. Diversidade de atividades e atores econômicos, políticos e sociais – Os APLs geralmente envolvem a participação e a interação não apenas de empresas – que podem ser desde produtoras de bens e serviços finais até fornecedoras de insumos e equipamentos, prestadoras de serviços, comercializadoras, clientes, entre outros - e suas variadas formas de representação e associação, como também de diversas outras organizações públicas e privadas voltadas para: formação e capacitação de recursos humanos; pesquisa, desenvolvimento e engenharia; política, promoção e financiamento. Aí se incluem, portanto universidades, organizações de pesquisa, empresas de consultoria e de assistência técnica, órgãos públicos, organizações privadas e não governamentais, entre outros.

Conhecimento tácito – Nos APLs, geralmente verificam-se processos de geração, compartilhamento e socialização de conhecimentos, por parte de empresas, organizações e indivíduos. Particularmente de conhecimentos tácitos, ou seja, aqueles que não estão codificados, mas que estão implícitos e incorporados em indivíduos, organizações e até regiões. O conhecimento tácito apresenta forte especificidade local, decorrendo da proximidade territorial e/ou de identidades culturais, sociais e empresariais. Isto facilita sua circulação em organizações ou contextos geográficos específicos, mas dificulta ou mesmo impede seu acesso por atores externos a tais contextos, tornando-se, portanto elemento de vantagem competitiva de que o detém.

Inovação e aprendizado interativos – Nos APLs, o aprendizado interativo constitui fonte fundamental para a transmissão de conhecimentos e a ampliação da capacitação produtiva e inovativa das empresas e outras organizações. A capacitação inovativa possibilita a introdução de novos produtos, processos, métodos e formatos organizacionais, sendo essencial para garantir a competitividade sustentada dos diferentes atores locais, tanto individual como coletivamente.

Governança – No caso específico dos APLs, governança refere-se aos diferentes modos de coordenação entre os agentes e atividades, que envolvem da produção à distribuição de bens e serviços, assim como o processo de geração, disseminação e uso de conhecimentos e de inovações. Existem diferentes formas de governança e hierarquias nos sistemas e arranjos produtivos, representando formas diferenciadas de poder na tomada de decisão (centralizada e descentralizada; mais ou menos formalizada).

Grau de enraizamento – Envolvem geralmente as articulações e envolvimento dos diferentes agentes dos APLs com as capacitações e os recursos humanos, naturais, técnico-científicos, financeiros, assim como com outras organizações e com o mercado consumidor local. Elementos determinantes do grau de enraizamento geralmente incluem: o nível de agregação de valor, a origem e o controle das organizações e o destino da produção (local, nacional e estrangeiro) (LASTRES; CASSIOLATO, 2003, p.3-5).

Becker (2008) levanta questões importantes sobre os Arranjos Produtivos Locais. “Porque algumas regiões conseguem responder positiva e ativamente aos desafios regionais da globalização contemporânea, construindo seus modelos de desenvolvimento, e outras não?” e também “porque há regiões que conseguem combinar eficientemente o desenvolvimento de suas potencialidades locais com o aproveitamento eficaz das oportunidades globais oferecidas pelo processo de desenvolvimento contemporâneo?” (p.37).

Para este autor, a força de expansão do desenvolvimento regional não deve ser medida pela intervenção individual de algumas pessoas em particular, mas sim pelo fato de que essas pessoas singulares compõem conscientemente e organicamente um bloco social regional. Os padrões de desenvolvimento “longe de surgirem totalmente armados da cabeça de um só homem ou de um grupo de tecnocratas, nascem entre os homens que os organizam juntos, no processo de uma troca dialógica fundada na cultura de diversos grupos” (BECKER, 2008, p.52).

As estratégias de desenvolvimento regional, que foram bem sucedidas, estão associadas a vigorosas ações reestruturantes da vontade coletiva executadas pelas organizações e instituições locais. Devemos entender que o desenvolvimento regional como um processo de transformações econômicas, sociais e políticas que tem sua dinâmica executada de dentro para fora por sujeitos (inovadores tecnológicos e criadores ideológicos) coletivos regionais, que se manifesta nas mudanças estruturais ou qualitativas que uma região sofre a partir de alterações endógenas (BECKER, 2008).

Segundo Moulier-Boutang (2003), o processo de globalização está intimamente ligado a processos de territorialização e reterritorialização que acompanham processos de deslocamento de combinações produtivas e dos arranjos de poder. A globalização, pela própria força de coerção exterior que se reveste, engendrou uma mobilização local como forma de sobrevivência dos agentes locais perante a pressão das regras da nova economia mundial. O híbrido de economia, de social e de político embaralha completamente as fronteiras clássicas entre o que é próximo e o que é distante, entre o público e o privado, entre a empresa e seu ambiente. Existe uma crescente importância dos atores e administrações locais em face do desenvolvimento local.

Assiste-se, atualmente, à integração operacional da política da empresa e de seu ambiente imediato, da política de organização do território, com seus equipamentos e da sua população, que tem a ver com a política social. A integração destas três dimensões é fator crucial da esfera do desenvolvimento local e da sua capacidade de realizar um crescimento econômico e inovador (MOULIER- BOUTANG, 2003).

Isto ocorre por diversas razões. Uma delas é que a fronteira da empresa já não é tão nítida “A empresa não está mais na empresa, ela está em toda parte, imiscuindo-se graças à penetração mercantil do conjunto da vida criando um novo espaço, o território produtivo” (MOULIER-BOUTANG, 2003, p.40). O território produtivo constitui a empresa-sociedade, na qual “a substância do valor encontra-se na sociedade, na população, nos saberes implícitos, na cooperação social. O que a empresa capitalista fornece é o controle, o modelo de governança” (MOULIER- BOUTANG, 2003, p.41). Não enxergamos mais a grande empresa capitalista, não porque ela desapareceu, mas porque ela se socializou (LAZZARATO; NEGRI, 2001).

Na governança corporativa, a empresa tira sua legitimidade, como forma de controle e administração, da sociedade local e dos indivíduos convidados a se transformar em pequenos empresários e administradores do risco e da incerteza, pois a empresa continua a se apresentar como o lugar por excelência onde se produz a substância do valor. No entanto, o valor extraído pela empresa provém de uma captação de externalidades. Para captar todas as formas de externalidades positivas, a empresa tem que tornar porosas suas fronteiras. Ela externaliza suas funções produtivas materiais e se concentra na detenção dos ativos imateriais e os ativos específicos do trabalho cognitivo. A empresa se confunde o máximo possível com a cooperação social espontânea que existe em um determinado território para retirar o máximo de valor não pago (externalidades positivas) (MOULIER- BOUTANG, 2003).

Um dos produtos deste processo é a precarização do trabalho, que expõe uma parte dos trabalhadores à disciplina do mercado interiorizada na forma de gestão pessoal do risco e da incerteza. Estes trabalhadores passam a experimentar as agruras do estatuto de empreendedores. A precarização representa o custo pago

pelo sistema econômico para conter a fuga dos assalariados por conta própria. O trabalho assalariado e homogeneizado pela grande indústria não constitui mais a estrutura do território. O território produtivo é constituído pela combinação de diversas formas de trabalho, como o trabalho por prazo indeterminado, o trabalho por prazo determinado, o trabalho autônomo e as atividades independentes subordinadas ao mercado. Nesse sentido, as políticas públicas e locais de formação, educação e de assistência se transformam nos principais mecanismos de controle do trabalho assalariado, já que o processo de individualização não é possível no interior da empresa (MOULIER-BOUTANG, 2003).