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Por grande parte do século XX, o regime de acumulação capitalista foi baseado na produção em massa de bens padronizados. Após a Segunda Guerra Mundial a abertura dos mercados mundiais ao investimento e ao comércio permitiu que a capacidade produtiva excedente fosse absorvida. A economia mundial do pós- guerra era caracterizada pela produção em massa do fordismo, pelo taylorismo na organização do trabalho e o keynesianismo na promessa de um Estado de Bem- Estar Social, modernizador, paternalista e protetor. “Do ponto de vista do capital, o sonho desse modelo era que todo trabalhador, suficientemente disciplinado, fosse permutável no processo produtivo mundial – uma sociedade-fábrica global e um fordismo global” (HARDT; NEGRI, 2001, p. 268).

O fordismo como modelo de desenvolvimento era baseado em três princípios. Enquanto princípio de organização do trabalho, o fordismo era a aplicação do taylorismo mais a mecanização. O taylorismo, por sua vez, implicava em uma separação entre a administração, que tinha a seu cargo a organização do processo de produção, e o nível da fábrica encarregado da execução das tarefas de forma padronizadas e formalmente prescritos pela administração. Enquanto estrutura macroeconômica, o fordismo pressupunha que os ganhos resultantes da produtividade seriam reinvestidos na produção e na ampliação do poder de compra dos trabalhadores. Enquanto sistema de regras do jogo, o fordismo pressupunha um

contrato de longo prazo da relação salarial, com seus limites rígidos quanto às demissões, e um salário indexado aos preços e à produtividade. O fordismo também dependia de uma extensa socialização da renda promovida pelo Estado-providência, que assegurava uma renda permanente aos trabalhadores. Em contrapartida, o acordo determinava que os sindicatos aceitassem as prerrogativas da direção (LIPIETZ, 1991).

Esses compromissos instalaram-se nos Estados Unidos, no tempo de Roosevelt, e generalizam-se na Europa e Japão, após a Segunda Guerra, por conta da reconstrução (Plano Marshall) e do apoio dos sindicatos norte-americanos aos seus congêneres europeus. O sucesso do fordismo, em nível mundial, foi puxado pelos salários de cada país isoladamente e pela expansão de seu mercado interno.

No entanto, em meados dos anos 1960, este modelo já apresentava sinais de esgotamento. A reconstrução da Europa e do Japão havia terminado e seus mercados internos apresentavam sinais de saturação. A busca de economias de escala induziu à internacionalização dos processos produtivos e dos mercados (LIPIETZ, 1991).

A saturação dos principais mercados consumidores ocorreu em um período que os países do terceiro mundo buscavam aplicar políticas de substituição das importações. A conjunção de um capital local autônomo, com classes médias urbanas relativamente abundantes e bolsões de uma classe operária experiente, abriu a oportunidade para alguns países periféricos de desenvolver uma lógica de um fordismo periférico capaz, de certa forma, de opor resistência ao fordismo dos países centrais (LIPIETZ, 1989).

Neste contexto, a redução do consumo mundial provocado pela crise do petróleo de 1973 encontrou as empresas com grande capacidade ociosa em plena intensificação da competição intercapitalista. A resistência dos trabalhadores dos países centrais à organização do trabalho taylorista-fordista, bem como o regime salarial elevado, limitavam o crescimento da produtividade e das taxas de lucro das corporações que começaram a transferir parte de suas atividades produtivas, principalmente as que requeriam grande mobilização de mão de obra dócil e de baixo custo, para os países periféricos, em busca de regimes de trabalho e salários

mais favoráveis, mas, no entanto, mantendo nos países de origem os seus “cérebros” - os setores de planejamento e desenvolvimento (HARVEY, 1992).

Incapazes de continuar a gerar lucros expressivos com a produção em massa de artigos padronizados, as corporações passam a se dedicar à prestação de serviços a clientes específicos, num processo denominado de acumulação flexível. A produção em massa, que não pode ser transferida para os países periféricos, foi sendo substituída pela fabricação por encomenda de pequenos lotes. Isso foi possibilitado pela substituição das máquinas dedicadas e especializadas, utilizadas na fabricação em série, por máquinas flexíveis, controladas por sistemas informatizados de comando numérico, que permitiram uma aceleração do ritmo de produção (HARVEY, 1992).

Neste processo de reestruturação produtiva, as corporações transnacionais tornaram-se o motor fundamental da transformação política e econômica dos países periféricos. As empresas transnacionais transferiram tecnologias essenciais para a constituição de novos eixos produtivos, mobilizaram as forças de trabalho e capacidades produtivas e, finalmente, coletavam os fluxos de riquezas e as transferiam aos países centrais, num processo que ficou conhecido por globalização econômica (HARDT; NEGRI, 2001).

Nesta fase da história conjunta, o capital, a administração e o trabalho estavam “para o bem e para o mal, condenados a ficar juntos por muito tempo, talvez para sempre – amarrados pela combinação de fábricas enormes, maquinaria pesada e força de trabalho maciça” (BAUMAN, 2001, p.69). Em seu estágio pesado, “o capital estava tão fixado ao solo quanto os trabalhadores que empregava” (Idem, p.70).

Com a reestruturação produtiva, o capital passa para uma fase leve, líquida, fluída. O capital viaja leve e solto “apenas com a bagagem de mão, que inclui apenas uma pasta, um celular e um computador portátil. Pode saltar em qualquer parte do caminho, e não precisa demorar-se em nenhum lugar além do tempo que durar sua satisfação” (BAUMAN, 2001, p.70).

Entretanto, o trabalho continua fixo no território, “mas o lugar em que ele imaginava estar fixado de uma vez por todas perdeu sua solidez de outrora; buscando rochas, as âncoras encontraram areia movediça” (BAUMAN, 2001, p.70).

Alguns trabalhadores, cansados de esperar se colocaram em movimento, para os demais “é o mundo que se recusa a ficar parado” (Ibidem).

Faria (2009) denominou este processo de globalismo.

Chama-se de globalismo o processo recente de globalização que ocorre sob o comando de um modelo imperialista de expansão do capital, tanto na esfera da produção do valor, como na realização e na circulação. (...) Atualmente, a globalização, facilitada pelas tecnologias informacionais, pelas tecnologias de comunicação em tempo real via satélite (...) e pelas tecnologias físicas de base microeletrônica empregada na produção e na gestão de processos produtivos e administrativos, ocorre sob os auspícios do sistema de capital, que possui os headquarters [sua sede] nas unidades empresariais nos países desenvolvidos, cuja ação política imperialista se impõe inclusive nas instâncias regulatórios (por exemplo, na OMC), financiadoras (Banco Mundial, FMI, BIRD etc.), especulativas e da infraestrutura de circulação de mercadorias e de capital (FARIA 2009, p. 21).

Segundo Boaventura de Sousa Santos, a globalização econômica é fruto de uma nova divisão internacional do trabalho, levada a cabo pelas empresas multinacionais, e que tem como características principais, a economia dominada pelo sistema financeiro e pelo investimento em escala global, processos de produção flexível e realizada em diferentes locais, devido aos baixos custos de transporte e pelo desenvolvimento de tecnologias de informação e comunicação (SOUSA SANTOS, 2002).

A globalização econômica também provocou mudanças na geografia e na composição da estrutura institucional da economia global com o surgimento de novos blocos econômicos. O local e o global também são produzidos dentro do processo de globalização. Sousa Santos define como modo de produção da globalização:

O conjunto de trocas desiguais pelo qual um artefato, condição, entidade ou identidade local estende a sua influência para além das fronteiras nacionais e, ao fazê-lo, desenvolve a capacidade de designar como local outro artefato, condição, entidade ou identidade rival (SOUSA SANTOS, 2002, p.63).

Esta concepção de globalização implica, primeiramente, em entender que não existe uma globalização genuína e sim uma globalização que foi bem sucedida em determinado local. Em segundo, que a globalização sempre pressupõe uma

localização “o processo que cria o global, enquanto posição dominante nas trocas desiguais é o mesmo que produz o local, enquanto posição dominada e, portanto, hierarquicamente inferior” (SOUSA SANTOS, 2002, p. 63).

O modo de produção da globalização pode ser desdobrado em pelo menos quatro formas de globalização. A primeira, denominada de localismo globalizado, ocorre quando determinado fenômeno local é globalizado com sucesso, como é o caso da música, empresas, etc. A segunda forma seria a do globalismo localizado, que decorre do impacto local decorrentes de práticas e imperativos transnacionais produzidos pelo localismo globalizado, um exemplo seria a destruição do comércio local produzido pela instalação de um hipermercado multinacional. Para Sousa Santos, estas duas formas de globalização operam em conjunto, mas devem ser tratados separadamente. O sistema mundial é na atualidade um emaranhado de

localismos globalizados e globalismos localizados (SOUSA SANTOS, 2002).

Outra forma de globalização diz respeito à resistência, tanto aos localismos

globalizados quanto aos globalismos localizados. O primeiro, designado de cosmopolitismo, trata da resistência de Estados, regiões, classes, grupos sociais,

vitimizados pelas formas anteriormente citadas de globalização. A resistência consiste em transformar as trocas desiguais em trocas de autoridade compartilhada, e se refletem em movimentos de solidariedade, inclusão, economia solidária, economia da dádiva, dentre outros (SOUSA SANTOS, 2002).

O segundo modo de globalização, que organiza a resistência, é denominado de patrimônio comum da humanidade, que se refere às lutas em nível global pela proteção de recursos e ambientes naturais considerados imprescindíveis à sobrevivência da humanidade e cuja conservação deve ser garantida em escala planetária, como, por exemplo, a biodiversidade animal e vegetal, terrestre ou marinha (SOUSA SANTOS, 2002).

Segundo Becker (2008), o processo da globalização econômica pode ser observado em dois polos ou dinâmicas: “uma, definida pelo primado do econômico, devastando nações e regiões; a outra, perseguida pelas sociedades regionais e nacionais, reagindo à devastação e buscando proteger-se, defendendo suas sociedades da devastação” (p.42).

A crescente transnacionalização dos espaços econômicos produz a interligação de regiões estratégicas para a valorização do capital. Dessa forma constituem-se redes organizadas, estruturadas e hierarquizadas de forma a alavancar e comandar volumes crescentes de recursos financeiros, analisar informações, produzir e utilizar conhecimentos tecnológicos (BECKER, 2008).

As empresas com grande poder financeiro e de influência incluem e excluem novas e velhas regiões, nós e fluxos comerciais e financeiros da rede transnacional. As regiões que assegurarem melhores condições para valorização do capital financeiro transnacional transformam-se em bases locais ou regionais, sempre provisórias e temporárias, para este capital.

Por outro lado, surge a possibilidade de um contra movimento defensivo ou ofensivo, no qual agentes sociais, políticos e econômicos de um determinado local ou região, se autoarticulam de forma a superar os conflitos por meio da integração dos interesses locais com os interesses socioambientais regionais e vinculá-los aos interesses econômico-financeiros transnacionais (BECKER, 2008).

As transformações no ambiente econômico mundial, nas últimas décadas do século XX, produziram um debate sobre os caminhos para o desenvolvimento e as formas possíveis para elevar o padrão de vida das populações. O modelo produtivo que foi modelo para o crescimento das economias de mercado, tanto desenvolvido como em desenvolvimento, até a década de 1970, baseou-se em unidades produtivas dedicadas à fabricação de bens padronizados em grandes quantidades, integradas verticalmente e empregando uma organização do trabalho de características tayloristas-fordistas.

A grande empresa era considerada central no processo de acumulação de capital e tinha na ampliação da escala o meio de alcançar a prosperidade. A pequena empresa, por sua vez, era considerada pouco eficiente devido às suas limitações organizacionais, financeiras e tecnológicas. Incapaz de promover o dinamismo do sistema econômico atuava na periferia do sistema, se dedicando aos nichos rejeitados pelas grandes empresas e atuando como um amortecedor do desemprego (COSTA; COSTA, 2005).

A partir da década de 1970, quando o fordismo encontrou seus limites devido à exaustão de seu modelo tecnológico e dos mercados absorvedores de

produtos fabricados em massa, a difusão da crise no mundo capitalista parecia estreitar os caminhos que levavam ao desenvolvimento. Entretanto, todos os olhares se voltaram para as soluções encontradas na região central e norte oriental da Itália, denominada de Terceira Itália, que apresentava alto desempenho baseando sua produção em um conjunto de pequenas e médias empresas localizadas em proximidade geográfica.

Tratava-se de pequenas empresas contando, no máximo, com cinquenta funcionários, sendo que a maioria possuía em torno de dez. Estas pequenas empresas vieram a constituir o núcleo de prósperos distritos industriais. Cada um destes distritos industriais especializou-se na produção de determinados produtos que não tinham relação entre si como têxteis, cerâmicas, máquinas automáticas, equipamentos agrícolas, sapatos, móveis, dentre outros. Entretanto, o que eles tinham em comum, além de serem formadas por pequenas empresas, é que essas empresas eram novas e trabalhavam com tecnologias de última geração, principalmente máquinas flexíveis de controle numérico computadorizado. Lançavam produtos sofisticados e design diferenciados que lhe permitiam penetração nos mercados internacionais (KUMAR, 1998).

A maioria dos trabalhadores nestas empresas eram altamente qualificados. A organização da produção era horizontalizada, baseada na divisão flexível do trabalho, com quase nenhuma hierarquia entre os funcionários. Empresários, engenheiros, projetistas e trabalhadores qualificados colaboravam entre si com o objetivo de criar novos produtos e explorar oportunidades no mercado. A produção era baseada na fabricação de pequenos lotes, segundo o gosto do cliente e adaptados aos seus desejos e necessidades específicas. Isto foi possibilitado pela utilização de máquinas automatizadas comandadas por controle numérico que, no entanto, necessitavam de trabalhadores altamente qualificados (KUMAR, 1998).

O caráter colaborativo das relações internas nas empresas, se repetia externamente com relação a outras empresas da mesma região, na qual havia uma divisão regional do trabalho, com a utilização de subempreitadas. As empresas dividiam entre si encomendas e custos de equipamentos dispendiosos, reuniam recursos e criavam associações locais especializadas em fornecimento de serviços de contabilidade, assessoria mercadológica e técnica. Destacava-se o papel da

comunidade local como um todo com seus aspectos culturais, econômicos e políticos. No processo de cooperação com vistas ao desenvolvimento regional, as instituições financeiras e políticas desempenhavam um papel fundamental na promoção e desenvolvimento das pequenas empresas de sua região (KUMAR, 1998).

A experiência bem sucedida da Terceira Itália, e também de outros locais como o do Vale do Silício nos Estados Unidos, estabeleceu a necessidade de se repensar o papel e as características da pequena empresa e sua inserção na economia. O local surge como possibilidade de promoção do desenvolvimento endógeno, possibilitando vias alternativas de desenvolvimento para regiões e países. A pequena empresa é reavaliada como fonte de dinamismo econômico desde que aglomeradas no espaço geográfico. Essa possibilidade alterou o objetivo das políticas públicas de desenvolvimento direcionando-a não mais à empresa isolada, mas sim ao seu entorno econômico e institucional (COSTA; COSTA, 2005).

4.3 POLÍTICAS PÚBLICAS DE DESENVOLVIMENTO LOCAL: DO CAPITAL