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4.3 POLÍTICAS PÚBLICAS DE DESENVOLVIMENTO LOCAL: DO CAPITAL

4.3.2 O CAPITAL SOCIAL

4.3.2.2 ECONOMIA SOLIDÁRIA COMO VETOR DE DESENVOLVIMENTO

O conceito de economia solidária gira em torno da ideia de solidariedade em oposição ao individualismo utilitarista predominante na economia de mercado. A economia solidária foi desenvolvida por operários nos primórdios do capitalismo, como tentativa por parte dos trabalhadores de recuperar o trabalho e autonomia econômica, aproveitando as novas forças produtivas. A economia solidária constitui- se um modo de produção dentro do modo de produção capitalista (SINGER, 2005).

O termo ressurge na década de 1980, quando despontaram diversas iniciativas organizadas segundo princípios de cooperação, autonomia e gestão democrática, em um cenário no qual inúmeras empresas fecharam ou entraram em concordata devido à crise econômica mundial. A partir daí, as expressões da economia solidária multiplicaram-se rapidamente sob diversas formas: coletivos de geração de renda, sistemas de comércio justo, grupos de produção ecológica, associações de mulheres, dentre outras. Estas diversas formas têm em comum a

primazia da solidariedade sobre o ganho material e o interesse individual, que se expressa por meio da socialização dos recursos produtivos e a adoção de critérios igualitários (LAVILLE; GAIGER, 2009).

Principalmente nos países periféricos, sempre subsistiram práticas econômicas baseadas em laços de reciprocidade, nas quais a produção material subordina-se a necessidades coletivas e guarda um sentido primordialmente social. Na América Latina, estas iniciativas tornaram-se mais evidentes a partir da década de 1990, devido ao processo mundial de reestruturação produtiva e da crise do modelo neoliberal que orientou a ação governamental, constituindo-se, ao mesmo tempo, em uma alternativa crítica a este modelo (SHIOCHER, 2009).

Os efeitos do desenvolvimento tecnológico pós-fordista, que desembocou no regime de acumulação flexível, produziu situações de maior exploração dos trabalhadores quando eliminou parte do trabalho físico substituindo-o tecnologias economizadoras de mão de obra. Parcelas de trabalhadores desempregados, juntamente com lideranças genuínas, passaram a desenvolver práticas de economia e de formatos associativos. O sucesso destas práticas entusiasmou acadêmicos, intelectuais e ativistas, levando a uma rápida profusão de entidades, movimentos e redes, articulando iniciativas e ampliando suas possibilidades políticas (LAVILLE; GAIGER, 2009).

Segundo Pedrini e Oliveira (2007), as iniciativas de economia solidária estão fortemente ligadas aos espaços locais e recebem destes, influência cultural, econômica e histórica e dependem do envolvimento dos trabalhadores no debate político de decisão, fundamentada na perspectiva de construção de relações democráticas e participativas.

O avanço econômico das experiências da economia solidária realiza-se mediante a conjugação de três recursos: aqueles provenientes da reciprocidade dos membros; os recursos públicos, angariados pelo Estado e fundamentados no princípio de redistribuição; e os recursos do mercado, obtidos pelas relações de troca. A tendência da economia solidária de dinamizar redes de interação participativa empresta um conteúdo político à inserção local das suas iniciativas (LAVILLE; GAIGER, 2009).

As redes locais, quando estrategicamente organizadas, operam no sentido de atender as demandas imediatas da população por trabalho, melhoria no consumo, educação, reafirmação da dignidade humana e do seu direito de bem viver, ao mesmo tempo em que combatem as estruturas de exploração e dominação responsáveis pela exclusão e pela pobreza. Nesta dinâmica, as redes locais de colaboração permitem aglutinar diversos atores em um movimento orgânico com forte potencial transformador (MANCE, 2009).

No que tange às políticas públicas, os movimentos em defesa da economia solidária têm tido capacidade de colocar a problemática da autogestão coletiva na agenda pública, transformando-a em luta por direitos. Direito ao trabalho associado e à promoção de formas solidárias de organização econômica e de desenvolvimento social. A transformação das carências e necessidades da economia solidária em direitos produziu mudanças na atuação dos governos e nas estruturas do Estado (SHIOCHER, 2009).

Sem dúvida, a Economia Solidária tem-se fortalecido como estratégia de enfrentamento da pobreza e desenvolvimento sustentável, no entanto, o sucesso deste modelo é condicionado à distribuição da riqueza, à participação dos trabalhadores nos processos de decisão e no gerenciamento dos recursos naturais (PEDRINI; OLIVEIRA, 2007).

Neste sentido, Faria (2009) faz uma crítica ao modelo brasileiro, pois segundo este autor, as políticas públicas de Economia Solidária, em muitos casos, aproxima-se das políticas de cunho assistencialistas. “Apesar de buscar construir outras relações de trabalho pautadas na autonomia e na possibilidade de autogestão, contraditoriamente, acabam criando condições de dependência ainda mais irreversíveis” (p.176).

Ainda segundo este autor, várias das iniciativas de Economia Solidária no Brasil nascem no seio de universidades, instituições religiosas e outras organizações, muitas vezes com apoio financeiro governamental ou de organizações multilaterais, e suas características “sugerem não ser frutos da construção social dos trabalhadores, mas da construção teórica de intelectuais” (FARIAS 2009, p. 178).

Os trabalhadores, de fato, fazem cursos de cooperativismo e autogestão promovidos pelas entidades com o propósito de “prepará-los” para a Economia Solidária. Aos trabalhadores cabe aceitar os princípios e as condições propostas, na medida em que o apoio financeiro e de acompanhamento técnico-gerencial à viabilização desses empreendimentos está condicionado a essa aceitação (FARIA 2009, p.178).

Faria (2009) insinua que, neste caso, as iniciativas de Economia Solidária, que não partem diretamente dos trabalhadores, têm de pouco impacto sobre a forma de organização da produção, atingindo apenas a periferia do sistema e não o seu centro. “É antes um programa de geração de trabalho ou de ocupação do que uma organização não capitalista do trabalho, geradora de renda e inclusão social, como pretendem seus defensores” (p.179).

De forma geral, a Economia Solidária faz parte de um conjunto mais amplo de iniciativas nas entranhas do desenvolvimento de uma nova fase do capitalismo, que incluem desde a utilização massiva de novas tecnologias produtivas, novas formas de gestão da força de trabalho, até uma forte ofensiva de forma a assegurar que, as economias em desenvolvimento, proporcionem ganhos ao capital no contexto da divisão internacional do trabalho.

Isto vem ao encontro das palavras de Hardt e Negri (2001) quando dizem que “as relações de exploração capitalista estão se ampliando em toda parte, não limitadas à fábrica, mas tendendo a ocupar todo o terreno social” (p.229). Da mesma forma, “as relações sociais cobrem completamente as relações de produção, tornando impossível qualquer externalidade entre a produção social e a produção econômica” (Ibidem).

Devemos considerar a Economia Solidária operada em uma determinada localidade como fazendo parte de um arranjo social, cultural e econômico denominado de arranjo produtivo local. O conceito de arranjo produtivo surge como resistência de certas localidades ao globalismo predatório, como forma de enfrentamento ao desemprego e como alternativa de desenvolvimento. Recebendo investimento de diversas agências multilaterais, de agentes governamentais e não governamentais, os arranjos produtivos locais, na atualidade, constituem-se em mecanismo de inserção das economias em desenvolvimento, no sentido de, ao desterritorializar e descentralizar a produção, alavanquem o desenvolvimento local.