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Segundo Deleuze, os dispositivos descritos por Foucault tinham duas dimensões distintas. Primeiro, eles eram irredutíveis a um aparelho de Estado, indo mais no sentido de uma “multiplicidade difusa e heterogênea” de microdispositivos. Noutra dimensão, “eles remetiam a um diagrama, a uma espécie de máquina abstrata imanente a todo o campo social” (DELEUZE, 1996, p 14). Mesmo mantendo sua imanência absoluta, existe entre estas duas dimensões uma diferença de escala, uma diferença de natureza, uma heterogeneidade entre o micro e o macro.

Por esta razão, Deleuze se diz inseguro na forma que os microdispositivos possam ser descritos em termos de relações de poder e de resistência. Assim, desenvolveu o conceito de agenciamento de desejo, sendo que o desejo nunca é algo natural ou espontâneo. “O desejo é sempre agenciado, ele é o que o agenciamento determina que ele seja” (DELEUZE; GUATTARI, 1996, p.112).

O conceito de agenciamento é mais amplo que o conceito de estrutura, sistema ou forma. “Um agenciamento comporta elementos heterogêneos tanto de ordem biológica, quanto social, maquínica7, gnosiológica, imaginária.“ (GUATTARI; ROLNIK, 1996, p. 317). Presenciamos um agenciamento “todas as vezes que pudemos identificar e descrever o acoplamento de um conjunto de relações materiais e de um regime de signos correspondente” (ZOURABICHVILI, 2004, p.9).

Por sua vez, cada indivíduo deve “lidar com esses grandes agenciamentos sociais definidos por códigos específicos, que se caracterizam por uma forma relativamente estável e por um funcionamento reprodutor” (ZOURABICHVILI, 2004, p.9). Este polo do agenciamento estratificado, chamado por Deleuze de “molares”, é

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7 Maquínico no sentido de máquina: distinguimos aqui a máquina da mecânica. A mecânica é relativamente fechada sobre si mesma: ela só mantém com o exterior, relações perfeitamente codificadas. As máquinas consideradas em suas evoluções históricas, constituem, ao contrário, um philum [filo] comparável ao das espécies vivas. Elas engendram-se umas às outras, selecionando-se, eliminando-se, fazendo aparecer novas linhas de potencialidades. As máquinas no sentido lato (isto é, não só as máquinas técnicas, mas também as máquinas teóricas, sociais, estéticas, etc.), nunca funcionam isoladamente, mas por agregação ou por agenciamento. Uma máquina técnica, por exemplo, numa usina, está em interação com uma máquina social , uma máquina de pesquisa, uma máquina comercial, etc. (GUATTARI; ROLNIK, 1996, p.320).

pelo qual os indivíduos ”tendem a reduzir o campo de experimentação de seu desejo a uma divisão preestabelecida” (Ibidem).

Por outro lado, a forma pela qual o indivíduo investe e participa da reprodução destes agenciamentos sociais depende de outros agenciamentos locais “moleculares”. Agenciamentos no qual o indivíduo é apanhado, ou porque ao modelar sua vida conforme os códigos em vigor, ele introduz uma pequena irregularidade, ou então quando procede à elaboração desintensional de agenciamentos próprios ele decodifica ou “fazem fugir” o agenciamento molar (ZOURABICHVILI, 2004, 9).

Estes agenciamentos molares e moleculares estão ligados entre si formando uma malha que cobre todo o tecido social. Os agenciamentos são múltiplos, uma multiplicidade, formando um sistema não centrado, não hierárquico e não significante, sem comando, sem memória organizadora ou autômato central, unicamente definido como uma circulação de estados, que poderia ser chamado de rizoma.

Um agenciamento de desejo admite dispositivos de poder, no entanto, estes são apenas um de seus componentes. Em relação aos elementos dos agenciamentos, em um primeiro eixo, poderiam estar os “estados de coisas e enunciações” e em um segundo eixo “seriam distinguidas as territorialidades ou reterritorialização e os movimentos de desterritorialização que desencadeiam um agenciamento” (DELEUZE, 1996, p.15).

Em outras palavras,

Segundo um primeiro eixo, horizontal, um agenciamento comporta dois segmentos: um de conteúdo, o outro de expressão. Por um lado, ele é agenciamento maquínico de corpos, de ações e de paixões, mistura de corpos reagindo uns sobre os outros; por outro lado, agenciamento coletivo de enunciação, de atos e de enunciados, transformações incorpóreas sendo atribuídas aos corpos. Mas, segundo um eixo vertical orientado, o agenciamento tem de uma parte, lados territoriais ou reterritorializados que o estabilizam e, de outra parte, picos de desterritorialização que o arrebatam (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p.29).

O “estado das coisas” da sociedade humana é formado por inúmeros elementos interconectados, peças de um agenciamento maquínico do desejo.

Uma máquina de escrever só existe em um escritório, o escritório só existe com secretárias, subchefes e patrões, com uma distribuição administrativa,

política e social, mas erótica também, sem a qual não haveria e jamais teria havido “técnica”. Isto porque a máquina é desejo, não que o desejo seja desejo da máquina, mas porque o desejo não deixa de formar máquina na máquina, e de constituir uma nova engrenagem ao lado da engrenagem precedente, indefinidamente, mesmo que essas engrenagens tenham ar de se oporem, ou de funcionarem de maneira discordante. O que forma máquina, para falar claramente, são as conexões, todas as conexões que conduzem à desmontagem (DELEUZE; GUATTARI, 1977, p. 118).

O agenciamento maquínico do desejo também é também agenciamento coletivo de enunciação. O enunciado, seja ele de acusação, petição, revolta, protesto, submissão, etc., faz parte da máquina. O enunciado é sempre jurídico, constitui regras e normas sobre o funcionamento da máquina. Ele é sempre coletivo, o enunciado jamais é dirigido a um sujeito singular. “Não há sujeito que emite um enunciado, nem um sujeito do qual o enunciado seria emitido” (DELEUZE, GUATTARI, 1977, p. 121).

A subjetividade é realizada por agenciamentos de anunciação. Os processos de subjetivação, de produção de sentidos implicam o funcionamento de máquinas de expressão tanto de natureza extrapessoal, extraindividual, quanto de natureza infra- humana e infrapessoal nas quais o indivíduo é seriado, modelado, registrado. Não existe a possibilidade de totalização ou centralização do indivíduo. “Uma coisa é a individuação do corpo. Outra coisa é a multiplicidade de agenciamentos da subjetivação: a subjetividade é essencialmente fabricada e modelada no registro social” (GUATTARI; ROLNIK, 1996, p.31).

Um exemplo de subjetivação fabricada, segundo Guattari e Rolnik (1996) é o do capitalismo. O capitalismo não funciona somente no registro de valores de troca, valores da ordem de capital, mas também através de um controle da subjetivação. “É a própria essência do lucro capitalista que não se reduz ao campo da mais valia econômica: ela está também na tomada de poder da subjetividade” (p.16). A cultura de massa produz indivíduos. “indivíduos normalizados, articulados uns com os outros, segundo sistemas hierárquicos, sistemas de valores, sistemas de submissão” (Ibidem). Sistemas de submissão dissimulados que são interiorizados e internalizados pelos indivíduos. No entanto, os agenciamentos coletivos em certas circunstâncias, em alguns contextos sociais, podem se individualizar,

A subjetividade está em circulação nos conjuntos sociais de diversos tamanhos: ela é essencialmente social, e assumida e vivida por indivíduos

em suas existências particulares. O modo pelo qual os indivíduos vivem essa subjetividade oscila entre dois extremos: uma relação de alienação e opressão, na qual o indivíduo se submete à subjetividade tal como a recebe, ou uma relação de expressão e de criação, na qual o indivíduo se reapropria dos componentes da subjetivação, produzindo um processo que eu chamaria de singularização (GUATTARI; ROLNIK, 1996, p.33).

Desta forma, é possível contrapor processos de singularização, a esta máquina de produção de subjetividades, ou melhor,

(...) uma maneira de recusar todos estes modos de encodificação preestabelecidos, todos estes modos de manipulação e de telecomando, recusá-los para construir, de certa forma, modos de sensibilidade, modos de relação com o outro, modos de produção, modos de criatividade que produzam uma subjetividade singular (GUATTARI; ROLNIK, 1996, p. 17).

No segundo eixo, que constitui os agenciamentos de desejo, estão os territórios e os processos de desterritorialização e reterritorialização. O conceito de território implica em espaço, mais existencial que geográfico. Para o indivíduo, que ele circunscreve, “o campo do familiar e do vinculante, marca as distâncias em relação a outrem e protege do caos.” (ZOURABICHVILI, 2004, p.23). O investimento íntimo no espaço implica em uma delimitação material e afetiva. O traçado do território produz um fora e um dentro, “percebido como o contorno intocável da experiência (pontos de angústia, de vergonha, de inibição), ora perseguido ativamente como sua linha de fuga, portanto como zona de experiência.” (Ibidem). Em outras palavras:

O território pode ser relativo tanto a um espaço vivido, quanto a um sistema percebido no seio do qual um sujeito se sente “em casa”. O território é sinônimo de apropriação, de subjetivação fechada em sobre si mesma. Ele é o conjunto de projetos e das representações nos quais vai desembocar, pragmaticamente, toda uma série de comportamentos, de investimentos, nos tempos e nos espaços sociais, culturais, estéticos, cognitivos (GUATTARI; ROLNIK, 1996, p. 323).

Entretanto, o território só tem valor no movimento de sair dele. Não existe território sem um vetor de saída, sem desterritorialização. Ao sair do território o indivíduo se desloca para outro lugar, outro território e neste movimento há a reterritorialização (BRITO 2012).

A territorialidade é trespassada, lado a lado, por linhas de fuga. A desterritorialização é o movimento no qual o território, abre-se, sai de seu curso, é

abandonado, engaja-se em linhas de fuga. A desterritorialização nunca é solitária, ela tem vizinhos, tem matilha, tem agenciamentos,

A espécie humana está mergulhada num imenso movimento de desterritorialização, no sentido de que seus territórios “originais” se desfazem interruptamente com a divisão social do trabalho, com a ação dos deuses universais que ultrapassam os quadros da tribo e da etnia, com os sistemas maquínicos que a levam a atravessar, cada vez mais rapidamente, as estratificações materiais e mentais (GUATTARI; ROLNIK, 1996, p. 323).

Em termos de resistência ao poder, a sociedade não se contradiz, ela foge, foge por todos os lados. As linhas de fuga são as pontas da desterritorialização nos agenciamentos do desejo. O desejo se confunde com elas. “Em uma sociedade tudo foge, tudo se desterritorializa” (DELEUZE, 1996, p.20).

As linhas de fuga não são, necessariamente, revolucionárias, mas são conquistas, criações, e são elas que o poder vai tentar apreender, corrigir, segurar, reprimir. Neste sentido, são utilizados dispositivos que atuam não somente em grandes conjuntos molares como o Estado, instituições, classes, mas também de forma molecular, na subjetivação e formação de identidades, com a utilização de territórios bem delimitados e planejados (ALVIM, 2009, p.7).

Em todos os sistemas sociais existem linhas de fuga, mas também endurecimentos, aparelhos para impedi-las, integrá-las, desviá-las. O desafio é pensar as linhas de fuga como fluxos, como partículas. A resistência, tomada como fluxo desterritorializante, não pode ser encarada apenas como enfrentamento fragmentado ou focos de luta contra os mecanismos do poder, pois, de certa forma são os próprios mecanismo do poder que oferecem resistência aos movimentos de fuga, de desterritorialização. Desta forma, seria possível dizer que “as desterritorializações e também as resistências, estão do lado da infraestrutura, eles a investem, fazem parte dela, contra eles o poder age, em um movimento secundário, de forma organizadora: há, portanto, uma organização do poder” (ALVIM, 2009, p.8).

Neste sentido, a reterritorialização pode se tornar uma tentativa de retomar um território empenhado em um processo de desterritorialização.

O capitalismo é um bom exemplo de sistema permanente de reterritorialização: as classes capitalistas estão constantemente tentando "recapturar" os processos de desterritorialização na ordem da produção e das relações sociais. Ele tenta, assim, controlar todas as pulsões

processuais (ou phylum maqufnico) que trabalham a sociedade. (GUATTARI; ROLNIK, 1996, p. 323).

De qualquer forma, para toda desterritorialização existe um movimento de reterritorialização, de formação de um novo território. “Temos que pensar a desterritorialização como uma potência perfeitamente positiva, que possui seus graus e seus limiares (epistratos) e que é sempre relativa, tendo um reverso, uma complementaridade na reterritorialização” (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p.69). A reterritorialização não é o retorno a uma antiga territorialidade, “ela implica necessariamente um conjunto de artifícios pelos quais um elemento, ele mesmo desterritorializado, serve de territorialidade nova ao outro que também perdeu a sua” (DELEUZE; GUATTARI, 1996, p.40 - 41).

Para tratar da problemática relativa desterritorialização e a busca de um novo território, Deleuze propõem o conceito de ritornelo: “todo conjunto de matérias de expressão que traça um território, e que se desenvolve em motivos territoriais, em paisagens territoriais” (DELEUZE; GUATTARI, 1995b, p.132), ou seja, o ritornelo “não só compreende o agenciamento territorial, mas também as funções agenciadas, territorializadas” (Ibidem).

Segundo Costa (2006), o conceito de ritornelo em Deleuze é definido pela existência de três aspectos expressivos ligados uns aos outros, o componente direcional, o componente dimensional e o componente de passagem ou de fuga:

1 - Ora se vai do caos a busca de um território, de um agenciamento territorial. Quando do caos se procura um centro, uma direção: esta busca em direção ao centro, ao ponto, é o primeiro aspecto do ritornelo, também chamado de componente direcional. (...)

2- Ora se organiza o agenciamento, se traça um território em torno do ponto, do centro. Com um centro, um crivo ou ponto no caos, tem-se a segurança mínima para que um território possa ser constituído. (...) Trata-se de um espaço íntimo, onde as forças do caos são mantidas numa exterioridade, criando condições para que a tarefa possa ser cumprida, para que uma obra seja realizada. Este é o segundo aspecto do ritornelo, seu componente dimensional. (...)

3 - Ora se sai do agenciamento territorial, em direção a outros agenciamentos. É a operação das linhas de fuga, das pontas de desterritorialização que colocam o território como uma instância provisória – um território que é sempre transitório. Este movimento é o que Deleuze e Guattari (...) chamam de componentes de passagem, componentes de fuga, onde se dão os interagenciamentos. (...) (COSTA, 2006, p.3-4),

No entender de Zourabichvili, o ritornelo tem uma lógica circular “como um traçado que retoma sobre si, se retoma, se repete”. O movimento de procurar um território, buscar um território, consolidar um território, implica em recomeço, no entanto também implica em diferença. “a reterritorialização, correlato da desterritorialização, nunca é um retorno ao mesmo” (2004, p.51).

3 BIOPODER E A SOCIEDADE DISCIPLINAR

A palavra governo deriva do Grego κυβερνητική (kubernete) e significa timoneiro ou piloto no sentido de governar uma embarcação (WIENER, 1973). Posteriormente, passou a se referir ao governo da casa, de si mesmo, das crianças, do território e da nação.

Michel Foucault definiu por governamentalidade, o desenvolvimento a partir do século XVI de uma ciência de governo, constituída por “instituições, procedimentos, análises e reflexões, cálculos e táticas que permitem exercer esta forma bastante específica e complexa de poder, que tem por alvo a população” (FOUCAULT, 2001, p.291).

Em outras palavras, governamentalidade se refere à utilização de tecnologias de governo, de técnicas, procedimentos e mecanismos de poder e saber que têm como objetivo dirigir a conduta humana. Sua intenção é orientar, ajustar e conformar o comportamento dos indivíduos de modo que eles se tornem pessoas de certo tipo (MARSHALL, 2002).

Na passagem do feudalismo para o capitalismo, os governos dos Estados europeus se viram com uma série de preocupações que tinham como foco as populações. As cidades inchavam com pessoas que haviam sido expulsas dos campos devido ao cercamento das terras comunais e a implementação de tecnologias modernizantes na agricultura. Era necessário cuidar de sua saúde, segurança, abrigo e, principalmente, educá-las para o trabalho nas fábricas.

Os governos voltavam sua atenção à gestão do seu território e sua população, e começavam a se preocupar com a gestão da vida, em outras palavras do exercício de um poder capaz de garantir, sustentar, reforçar, multiplicar a vida e de pô-la em ordem, o que Foucault (1998) denominou de Biopoder.

O início do capitalismo foi marcado por um poder sobre a vida centrado em dois polos fundamentais, um individual e outro coletivo. O primeiro polo foi centrado no controle disciplinar do corpo humano, visto como objeto a ser manipulado. Um poder que se centrou no corpo como máquina: “no seu adestramento, na ampliação de suas aptidões, na extorsão de suas forças, no crescimento paralelo de sua utilidade e docilidade, na sua integração em sistemas de controle eficazes e econômicos” (FOUCAULT, 1988, p.131).

O segundo polo, formado um pouco mais tarde, dizia respeito à população como um todo e preocupavam-se com sua “proliferação, os nascimentos e a mortalidade, o nível de saúde, a duração da vida, com todas as condições que podem fazê-los variar”, operada por intervenções e controles reguladores, que Foucault, denominou de uma biopolítica da população (1988, p. 131).

Segundo Foucault (1988), o biopoder foi um elemento indispensável ao capitalismo, pois possibilitou a introdução controlada de trabalhadores nos sistemas produtivos e a adequação da população aos processos econômicos. No entanto, para isso tornar-se possível, foi necessário o desenvolvimento de toda uma série de aparelhos de Estado e instituições (escolas, quartéis, prisões, etc.) que tinham como objetivo o desenvolvimento das forças, aptidões, utilidade e docilidade das populações, constituindo o que Foucault (1999) denominou de sociedade disciplinar.

O mecanicismo8 foi o grande modelo para o desenvolvimento da ideia do homem-máquina, no qual o autômato não era apenas uma maneira de explicar o organismo, mas também de produzir “bonecos políticos, modelos reduzidos de poder”. As disciplinas comuns nos exércitos e nos conventos tornam-se, a partir do século XVII, formas gerais de dominação. O uso das disciplinas não objetiva somente a obediência e a sujeição do corpo, mas também aumentar a sua utilidade. A disciplina fabrica corpos dóceis e úteis a partir de uma política de coerções que ___________

8 O mecanicismo é uma teoria que aborda a realidade, ou parte da realidade, como se fosse uma máquina ou como se pudesse ser explicada com base em uma máquina ou modelo de máquina, o chamado “modelo mecânico”. Com grande impulso a partir de 1628 com a publicação das descobertas de Willian Harvey (1578-1657) em relação à circulação do sangue no corpo humano, o mecanicismo foi também influenciado pelo pensamento de René Descartes (1596 -1650) e de Isaac Newton. (1643 - 1727) Como modelo de mundo, foi ao mesmo tempo uma doutrina sobre a natureza da realidade e uma doutrina sobre o melhor modo de explicar a realidade. Até ser abandonado já no século xx, o mecanicismo influenciou, além da física, todas as outras ciências naturais como a biologia e também as ciências humanas como a psicologia e a sociologia (ABBAGNANO, 2007).

trabalha o corpo em seus elementos, gestos e comportamentos. Ao mesmo tempo em que aumenta as forças do corpo em termos econômicos e de utilidade, a disciplina diminui essas mesmas forças em termos políticos (FOUCAULT, 1999).

A individualização disciplinar procede, inicialmente, pela distribuição dos indivíduos no espaço. A disciplina exige um espaço fechado, cercado, diferente de todos os outros. Os colégios, os conventos, os quartéis, as fábricas e os hospícios são exemplos típicos desses ambientes, nos quais, não é tão difícil de entrar, como é de sair (FOUCAULT, 1999).

Em seu interior, o espaço é trabalhado de maneira a identificar e localizar os indivíduos. “Cada indivíduo no seu lugar; em cada lugar, um indivíduo”. A distribuição dos indivíduos no espaço permite à vigilância da atividade, evitando a deserção, a vadiagem, a aglomeração. O comportamento individual é assim vigiado, apreciado, sancionado, dominado. Na arquitetura disciplinar, cada espaço tem um objetivo específico. Alguns lugares são definidos com o objetivo de vigilância, outros de produção. Nas fábricas, assim como nas escolas, as necessidades de vigilância e produção se completam. Os indivíduos são distribuídos no espaço de maneira perfeitamente legível e passível de ser analisada de forma individual. A disciplina individualiza os corpos e os distribui em uma rede de relações hierárquicas (FOUCAULT, 1999).

Toda a atividade deve ser controlada e o tempo perfeitamente demarcado. O tempo deve ser gasto de forma útil, tudo que possa distrair e perturbar devem ser banido. O tempo medido e pago deve ser de boa qualidade. O tempo disciplinar exige exatidão e regularidade dos gestos. O corpo disciplinado favorece o gesto eficiente e rápido. O bom emprego do corpo leva a um bom emprego do tempo, nada se perde, nada é inútil. O tempo é dividido e organizado em séries sequenciais, sendo que cada atividade tem seu tempo específico. As atividades são decompostas e recompostas de maneira há capitalizar o tempo (FOUCAULT, 1999).

A disciplina produz uma máquina eficiente ao unir as diversas peças singulares. O poder disciplinar é um poder que tem como objetivo adestrar os comportamentos individuais de forma a multiplicar as forças e utilizá-las como um todo. O indivíduo converte-se em um elemento que pode ser colocado, movido e articulado com outros indivíduos para obtenção de um instrumento de produção

eficaz, uma força produtiva superior à soma das forças singulares que a compõe. No entanto, essa combinação de forças necessita, para funcionar, de um comando preciso e eficiente. A disciplina constitui os indivíduos por meio de técnicas específicas de poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e instrumentos de seu exercício (FOUCAULT, 1999).

A sociedade disciplinar pode ser entendida como aquela em que o comando