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Capítulo 2. O Aparelho de Política Externa da Federação Russa e a Tomada de Decisões

2.3. Determinantes da Política Externa de Putin (2000-2017)

2.3.1. Determinantes Domésticos

2.3.1.1. A Abundancia dos Recursos Energéticos

De acordo com Schutte (2011: 81), “a Rússia é o maior exportador de energia e, em alguns momentos da história, foi o maior produtor de petróleo38. O país detém a maior reserva de gás e a sétima maior de petróleo”. Segundo Stuermer (2009: 20), as reservas de petróleo da Rússia, “ao ritmo de exploração atual, deverão durar por mais de trinta anos e as suas bolsas de gás natural são suficientes para os próximos cento e oitenta anos”.

“O petróleo e o gás são, atualmente, a principal força da Rússia, mas também podem vir a transformar-se na sua fraqueza, e Putin não esquecera que o fim da União Soviética começou justamente com a queda do preço do petróleo, em meados dos anos 80, e que, entre 1998 e 1999, a Rússia esteve à beira do colapso quando o preço do petróleo - e do gás, visto que, normalmente, andam a par - chegou a uns catastróficos 10

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dólares por barril [...] porém, desde a última crise, o preço do petróleo, tem registado uma subida constante” (ibid: 73).

“É importante realçar que as indústrias, tanto de gás, como de petróleo, são maioritariamente governamentais e controladas, em última instancia, pelo Presidente Putin. A posse destes recursos determina a forma como a Rússia lida com os seus amigos e a forma como lida com os seus inimigos. Os casos de corte de fornecimento de gás à Ucrânia e à União Europeia em 2006 e 2009, e o problema do gás levantado também em 2014, são um exemplo de como o gás determina a política externa da Rússia. Outro exemplo deu-se em relação à Bielorrússia, em 2007, quando a Rússia elevou drasticamente o preço de crude destinado a àquele país” (Wache, 2014: 133).

Na Rússia, as atividades relacionadas com os recursos energéticos estão sobre a alçada da Gazprom39. Segundo Wache, a Gazprom é usada como um instrumento de política externa russa, tanto na relação com os estados da CEI, como na relação com as companhias estrangeiras que operam na exploração do gás natural [na Rússia] (ibid). Por exemplo, “o governo russo procurou proteger os seus interesses, forçando a Shell a incluir a Gazprom como parceira no empreendimento de Sakhalin II40. Reconhecendo o seu status instável, a Shell concordou em ceder as reivindicações da Gazprom e vendeu 50% das suas ações ao preço de $7,45 bilhões (Goldman, 2008: 129-130). Para Schutte, Putin defendia que a razão desta estratégia residia nos parceiros estrangeiros que operavam nos projetos. “Eles tinham, pelas regras da partilha, o direito de recuperar os custos antes de dividir a produção […] a Shell e a Exxon aumentaram os seus custos para muito acima das previsões apresentadas no início da exploração [...] no caso da

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A Gazprom é uma empresa de números superlativos. Além de ser a maior produtora e exportadora de gás natural do mundo, é a maior empresa e a maior pagadora de impostos da Rússia. Em Abril de 2006, ultrapassou a Microsoft e tornou-se a terceira maior empresa do mundo em valor de mercado, encerrando o ano avaliada em US$ 335 bilhões. No entanto, no auge da crise financeira internacional, seu valor de mercado recuou muito, atingindo US$ 91,5 bilhões, o que a fez cair para a 36ª colocação no

ranking das 500 maiores empresas do mundo elaborado pelo Financial Times (Alves, 2011: 234).

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Sakhalin é uma grande ilha fora do continente russo no Mar de Okhotsk norte do Japão. Havia evidências já no final do século XIX de que Sakhalin tinha depósitos de petróleo. Mas como o ambiente envolve temperaturas extremas e condições de trabalho offshore, as empresas russas e soviéticas não conseguiram operar os depósitos por conta própria. As condições de trabalho em torno de Sakhalin são algumas das mais desafiadoras do mundo. Neste sentido, as autoridades russas concluíram que não podiam fazer o trabalho propriamente dito e concordaram em assinar os Acordos de Partilha de Produção (Production Sharing Agreement - PSA) com empresas estrangeiras que tinham mais experiência de trabalho num ambiente tão difícil. A Exxon-Mobil, por exemplo, resolveu o problema dos blocos de gelo localizando sua plataforma de perfuração em terra firme e depois, após perfurar na vertical, redirecionou os seus esforços de perfuração horizontalmente sob o mar para os depósitos contendo petróleo. Essa é uma tecnologia que as empresas russas até agora (2008) não foram capazes de dominar (Goldman, 2008: 128-129).

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Shell, o valor praticamente dobrou. sso fez Putin considerar os “PSAs” um mau negócio e a pressionar para que fossem revistos. Juntou-se a isso o fato de que no projeto em que a Shell era operadora, em Sakhalin II, não havia nenhuma empresa russa participando”. Por sua vez, Wache (2014: 133), realça o exemplo da empresa russo- britânica TNK-BP que em Junho de 2000, “foi forçada a vender os seus campos de gás em Kovytka na Sibéria para a Gazprom, porque a Gazprom não aceitou aprovar o itinerário da exportação de gás apresentado pela TNK-BP” (2011: 105).

Após em linhas gerais se traçar a importância da estatal Gazprom para a Rússia, importa clarificar que, no contexto do programa das privatizações de Boris Yeltsin, este autorizou a venda das ações da Gazprom em novembro de 1992. Em 1994, 33% estavam em mãos privadas e 15% com funcionários. A participação estatal foi reduzida a 38% (Schutte, 2011: 94). Entretanto, na presidência Putin, o Estado reforçou a sua participação na Gazprom - ao pagar 7,14 mil milhões de dólares em 2005, o Estado russo elevou a sua participação na empresa de 38,37% para 50% e mais uma ação. De fato, atualmente o balanço de influência entre o Estado e os oligarcas está mudando. Até 1999, estes últimos ocupavam uma posição dominante indubitável no seu relacionamento. Desde então, o equilíbrio de poder tem inclinado gradualmente a favor do Estado (Kalotay, 2007: 77-78).

“A Gazprom pode ser considerada não apenas a maior empresa, mas também provavelmente um dos principais investidores externos. É geralmente relatado que a empresa controla mais de 93% da produção de gás natural da Rússia e cerca de um quarto das reservas de gás do mundo inteiro. Suas operações estão espalhadas globalmente; apenas no continente europeu, tem operações em pelo menos 19 países, envolvendo atividades de distribuição e processamento de gás natural” (ibid: 66).

Não obstante a importância da Gazprom, Putin sabe perfeitamente que o êxito da Rússia depende inexoravelmente da estabilidade dos preços, que devem situar-se, de preferência, acima dos 50 dólares por barril. Porém, o preço também não deve ir muito além deste valor, sob pena de os países importadores se verem forçados a considerar a hipótese das energias alternativas, desde a energia nuclear ao etanol, passando pelos painéis solares e pelo milho (Stuermer, 2009 73-74). Em síntese, pode-se constatar que a abundância dos recursos energéticos na Rússia, influencia o processo da condução da política externa de Putin em relação a CEI e aos países dependentes destes recursos, em

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especial a Europa, dai a relevância do seu estudo para uma percepção mais abrangente do funcionamento do aparelho da política externa da Rússia.