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A Segunda Guerra da Chechénia como instrumento de projeção de Poder

Capítulo 1. Da URSS à Federação Russa: Novas Perspetivas sobre a Política Externa e

1.3. A Trajetória Política de Vladimir Putin

1.3.1. A Segunda Guerra da Chechénia como instrumento de projeção de Poder

O bombardeio da Sérvia mostrou de forma nítida o quanto a estratégia de cerco organizada pelos Estados Unidos e seus aliados, mediante o avanço programado da NATO e da UE nas zonas antigamente controladas pela URSS, podia representar um perigo para a soberania da Rússia. Assim, nas eleições legislativas de Dezembro de 1999, a questão da segurança do país tornou-se um dos principais temas de campanha. O partido de Putin venceu estas eleições prometendo mudança radical na inserção geopolítica da Rússia, que devia manter sua integridade territorial - ameaçada diretamente pelo terrorismo e pelo conflito na Chechênia -, recuperar a soberania nacional e voltar a ser uma potência respeitada em âmbito internacional, capaz de proteger seus interesses e de garantir certo controle sobre a antiga área soviética (Mazat e Serrano, 2012: 22).

Assim, diante da insegurança interna, “Putin não perdeu tempo e começou a enviar cada vez mais tropas para a frente de combate” (Stuermer, 2009: 62). “Os bandidos eram encontrados e destruídos onde quer que estivessem escondidos” (Yeltsin, 2000: 392). Putin “pretendia dar uma resposta militar definitiva a um desafio político” (Stuermer, 2009: 62). Segundo Yeltsin, numa questão de poucas semanas, Putin tinha transformado a situação dentro dos ministérios russos. Todos os dias reunia os dirigentes de cada ministério ou agência no seu gabinete. Forçava-os a reunirem todos os seus recursos num punho unido. Yeltsin, esclarece que foi neste contexto que ele começou deliberadamente e resolutamente a habituar o público com à ideia de que Putin seria o novo presidente. Durante este período os comentadores dos jornais estavam confusos e alarmados; Yeltsin confiava a Putin tarefas que nunca dera a nenhuma outra pessoa. Todos os sábados, Putin realizava reuniões adicionais com os ministros acerca da situação da Chechénia (2000: 391). A Rússia tinha então o dirigente que durante muito tempo procurara, o homem que acabou com o medo. E esse homem era Vladimir Putin.

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De um dia para o outro, a guerra transformou Putin num herói nacional, no salvador da nação russa. Enquanto a guerra se desenrolava na Chechénia, surgia um novo partido político, o Unidade (Edinstvo), que tinha como símbolo um urso (medved) (Stuermer, 2009: 63). Para Yeltsin “a razão da popularidade de Putin residia no espaço dele instilar a esperança, a fé e um sentido da proteção e calma. As suas conversas não eram emproadas mas reagia às situações da forma que os dez milhões de russos reagiam a elas, com honestidade e resistência. Putin deu às pessoas uma garantia de segurança pessoal apoiada pelo Estado. As pessoas acreditavam que, pessoalmente, ele poderia protegê-las. É isso que explica a sua popularidade. O país, hipnotizado pelas crises do Governo, há muito tempo que não ouvia uma ideologia tão positiva. Putin livrou a Rússia do medo. E a Rússia retribuiu-lhe com uma profunda gratidão” (2000: 392-393).

Entretanto, o preço do petróleo continuava a subir, o orçamento de estado, a recuperar e, após a catástrofe económica dos anos anteriores, a economia parecia sofrer uma ligeira melhoria. O palco estava, portanto, preparado para o «não tão secreto» sucessor de Yeltsin se assumir como o novo «czar». Perante este quadro favorável, “aos 26 de Março de 2000, com 52,6% do total dos votos, Putin torna-se presidente da Rússia” (Stuermer, 2009: 63-64). Segundo Tsygankov (2010: 130), se analisarmos a popularidade de Putin, constatamos que inicialmente esta estava nos 2%, em dois meses saltou para 26%, e à medida que a guerra na Chechênia progredia, a sua popularidade ia aumentando, até que em Janeiro de 2000 atingiu a marca sem precedentes dos 58%.

Em suma, nesta sessão, pode-se perceber que a trajetória política de Putin pode ser resumida em três momentos. Num primeiro momento temos o “KGB”, onde Putin faz maior parte da sua carreira política nos serviços secretos da União Soviética em Dresden. Num segundo momento temos “São Petersburgo”, onde Putin aprofunda os seus conhecimentos políticos, financeiros e administrativos. Num terceiro e decisivo momento temos “os bastidores Kremlin” (leia-se a sua trajetória política deste a sua nomeação como subdiretor da administração presidencial e chefe do departamento de auditória financeira até a sua nomeação em Agosto de 1999 como primeiro ministro). Para que esta ascensão meteórica de Putin fosse possível, valeram-lhe as suas qualidades pessoais, desde a sua discrição em matérias de poder, experiência adquirida ao longo do seu trajeto - destaque para São Petersburgo -, e a sua postura do novo homem russo. Entretanto, para que Putin fosse eleito presidente, este teve que apostar numa manobra ousada, intensificou os combates na Chechénia, enquanto internamente,

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em Moscovo, os russos eram chacinados pelos terroristas chechenos. Como resultado desta política pragmática, a medida que o tempo passava e o terrorismo na Chechénia era combatido, a popularidade de Putin ia aumentando, o que culminou com a sua eleição a presidente da Federação da Rússia em Março de 2000.

Em tom de conclusão do capítulo, os últimos anos da URSS e os primeiros da Rússia foram maioritariamente marcados por sucessivas vitórias do Ocidente, e sistemáticas derrotas para a URSS e em seguida para a Rússia. Esse conjunto de derrotas, só foi possível graças as políticas internas e externas adoptadas pelas lideranças da URSS e da Rússia, Gorbatchev e Yeltsin, respetivamente. Gorbatchev e Yeltsin implementaram reformas que não refletiam aquelas que eram as necessidades da URSS e da Rússia. Gorbatchev enquanto implementava as suas reformas pensava que estava a fazer o certo para a União Soviética porque o Ocidente aplaudia, mas, na verdade, anos mais tarde o que veio a ser comprovado é que o Ocidente aplaudia porque Gorbatchev e em seguida Yeltsin estavam a destruir a União Soviética. Numa sociedade comunista é absolutamente sem sentido e sem futuro ter-se múltiplos partidos políticos, parlamento, entre outras. Essas são características de regimes liberais, esses pressupostos liberais eram incompatíveis com os comunistas. Gorbatchev estava a destruir a União Soviética e a conduzir o império para uma crise mais profunda do que a que enfrentava o que culminou com a desintegração do Bloco Comunista. Os aplausos do Ocidente, a Gorbatchev tiveram um efeito mais eficaz e económico na destruição da União Soviética que os meios convencionais (leia-se guerras). Entretanto, a uma conclusão se chega sobre a política externa de Gorbatchev, esta inspirava-se no interesse nacional de criar uma maior aproximação da União Soviética aos atores ocidentais, principalmente aos Estados Unidos. Contudo, esse objetivo nunca foi materializado, a União Soviética nunca se aproximou do Ocidente, Gorbatchev sim. Não sendo capitalista, Gorbatchev foi muito conivente com Ocidente na destruição da União Soviética, pois contribuiu para a estagnação económica e desagregação da mesma.

Quanto a Yeltsin, não há muito a ser dito, se Gorbatchev foi o principal arquiteto das reformas, Yeltsin foi o herdeiro das suas reformas. Diante de uma União Soviética fragmentada e desgastada, Yeltsin, sendo um ocidentalista ou liberal, acelera as reformas ocidentais do seu antecessor. Na sua política externa, Yeltsin tinha como interesse nacional o reconhecimento ocidental e isso se traduzia numa parceria

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estratégica com os Estados Unidos. E esse interesse se refletiu em quase uma década de decadência e submissão da Rússia perante o Ocidente. Entretanto, Yeltsin teve dois ministros dos negócios estrangeiros, Kozyrev e Primakov.

Kozyrev tal como Yeltsin entendia que o interesse nacional russo resumia-se no reconhecimento ocidental e na integração com as instituições ocidentais. Todavia, este objetivo nunca foi concretizado, pois os ocidentais apenas estavam interessados em impedir o ressurgimento da Rússia. Em contraste, Primakov procura equilibrar o poder entre os Estados Unidos e a Rússia e recuperar o estatuto da Rússia de grande potência. Para que este objetivo fosse materializado, Primakov apoiou-se numa formula multivetorial e equilibrada, onde o Oriente - em especial o estrangeiro próximo - e o Médio Oriente tornam-se prioridades da política externa russa. Com esta roptura, Primakov conseguiu reduzir as tendências imperialistas dos Estados Unidos. Entretanto, este fracassa na melhoria da qualidade de vida dos cidadãos russos. Cenário este que veio a ser revertido com a chegada de Vladimir Putin ao poder. No entanto, importa clarificar que, primeiro Primakov teve pouco tempo no poder, dois anos como ministro dos negócios estrangeiros, dai a razão de pouco ter feito para melhorar o padrão de vida das pessoas. Segundo, Primakov esteve como ministro dos negócios estrangeiros e não como ministro das finanças ou da economia da Rússia, dai que, muito pouco ele poderia fazer para reverter tal cenário sem o apoio destas instituições. Terceiro, como primeiro ministro, Primakov teve menos de um ano no poder, quando este declara a moratória da divida externa russa e a abruta desvalorização da moeda nacional face ao dólar este foi afastado do governo, entretanto, os setores económicos e alguns industriais recuperaram a sua competitividade por meio do preço, o que serve de explicação para o rápido crescimento económico registado na década seguinte, com excepção ao período que compreende finais de 2008 e início de 2009.

Como será discutido nos próximos capítulos do trabalho, a chegada de Putin ao poder simbolizou a recuperação do país, tanto no âmbito interno quanto no externo. Entretanto, antes de ser eleito, Putin foi confrontado pelo terrorismo na Chechénia e na capital do país, Moscovo, o que jogou ao seu favor. Putin altera o seu foco para as questões domesticas, procede uma campanha contra o terrorismo na Chechénia, o que elevou a sua popularidade e teve como fim a sua eleição como presidente da Rússia em Março de 2000.

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CAPÍTULO 2. O APARELHO DE POLÍTICA EXTERNA DA FEDERAÇÃO