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A Política Externa da Rússia para a Bielorrússia

Capítulo 4. O pragmatismo e o multivetorialismo na política externa Putin-Medvede

4.2. A política externa da Rússia para a Comunidade dos Estados Independentes

4.2.2. A Política Externa da Rússia para a Bielorrússia

“Aleksander Lukashenko foi eleito presidente da República da Bielorrússia em Janeiro de 1994, [...]. Nessa altura, Lukashenko iniciou um processo de reforço do seu poder com a consolidação da autoridade e centralização das decisões fundamentais no seu gabinete. Em novembro de 1996, após um referendo contestado, […] introduziu uma nova Constituição e dissolveu o 13º Soviete Supremo, nomeando membros leais desse Conselho para a nova Câmara de Representantes. Nesta linha, Lukashenko estabeleceu um controlo absoluto sobre as políticas e a economia do estado, que se mantém até aos dias de hoje. E, de facto, a anedota ironiza: «um dia Lukashenko aborrece-se de ser presidente e anuncia: ‘a coroação será amanha’»” (Freire, 2011: 74).

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“No que respeita a política externa da Rússia para a Bielorrússia, pode-se classificar esta como sendo amistosa, apesar de, às vezes, enfrentar momentos conturbados. Do ponto de vista estratégico, a Bielorrússia desempenha o papel do estado tampão para a Rússia face a expansão da NATO que gostaria de ter a Bielorrússia entre os seus membros” (Wache, 2014: 143-144). Um dos fatores que torna a Bielorrússia um dos estados privilegiados por Moscovo, é a diplomacia energética russa. A Bielorrússia constitui uma alternativa a pouco confiável Ucrânia no transito do petróleo e gás russo para a Europa [o gasoduto Yamal (figura 15)] (Berk, 2008: 13). Como foi mencionado, o outro fator que reforça esta relação amigável entre a Rússia e a Bielorrússia, esta ligado ao facto de Minsk, capital da Bielorrússia, ser simultaneamente a capital da CE (Wache, 2014: 144). Entretanto, “apesar das tentativas de integração econômica entre os dois países (uma união aduaneira e um único espaço econômico), é o presidente Lukashenko quem controla a economia bielorrussa” (Berk, 2008: 13). Estas peças compostas num único puzzle nos ajudam a compreender o porquê do presidente Lukashenko apresentar-se a si como sendo um defensor ou pró-russo. Contudo, não deixa de ser notável a dependência de Minsk face a Moscovo.

Figura 15. Yamal Pipeline

Fonte: Gazprom (2017).

Apesar de a Rússia procurar uma relação de amizade com a Bielorrússia, “as questões energéticas têm sido provavelmente, um dos elementos mais dissonantes nesta relação bilateral, com trocas de acusações e demostração clara das dificuldades inerentes ao funcionamento da União. A crise do gás de 2004 foi sem dúvida um momento marcante, em que a Bielorrússia se sentiu diminuída num relacionamento que

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entendia dever ser definido por critérios de paridade. O aumento do preço do gás […], para um nível que impossibilitava Minsk de corresponder aos pagamentos, levou ao corte nos abastecimentos, cujo efeito se fez sentir também na Europa. Com temperaturas abaixo dos 20 graus centígrados, a dependência energética em relação a Moscovo ficou clara. O presidente Lukashenko comentou a questão como sendo […] uma atitude ‘terrorista’ e nitidamente de ‘chantagem’, mas perante a qual a Bielorrússia não tinha qualquer alternativa senão submeter-se às regras ditadas pelas autoridades russas. A questão acabou por ser resolvida com a concessão de um empréstimo russo à Bielorrússia para o pagamento do diferencial relativo ao aumento dos custos, o que veio reforçar ainda mais as ligações de dependência face a Moscovo. Não tendo sido um incidente único, este tipo de ações e a manutenção do estado das relações bilaterais num registo assimétrico, claramente favorável à Rússia foram mantidos nos mandatos de Putin como forma de controlo sobre a pequena república […]” (Freire, 2011: 78-79). Neste debate, é importante que se ressalve a importância da estabilidade da Bielorrússia para a Rússia. Isto é, o Kremlin abomina a possibilidade de uma revolução colorida na Bielorrússia para substituir o atual regime pró-russo, por um pró-ocidental, pois este cenário poria em risco os interesses geopolíticos russos na região (Berk, 2008: 13).

“Contrariamente à Ucrânia, a Bielorrússia manteve um curso político sempre mais voltado para a Rússia do que para o Ocidente. Apesar da afirmação de políticas cooperativas face ao Ocidente, a existência de problemas é reconhecida de parte a parte. Essencialmente, a Bielorrússia entende que, no relacionamento com a UE e Washington, as políticas de condicionalidade, essencialmente a nível económico e implicando exigências de maior democraticidade, têm constituído um sério entrave ao seu aprofundamento. Estas políticas de condicionalidade sobre as políticas e o curso reformista são lidas como intrusivas, argumentando as autoridades bielorrussas que estas conhecem os procedimentos no rumo para a democracia e que não necessitam de instruções, monitorização ou qualquer outro tipo de vigilância. […] De facto, apesar de algumas oportunidades de colaboração, a atitude bielorussa tem-se mantido genericamente fechada a influências externas ocidentais, em particular norte- americanas” (Freire, 2011: 74-76).

Perante este cenário, o presidente Lukashenko teria acusado aos Estados Unidos do uso indevido das questões que tem que ver com os direitos humanos como pretexto para intrometer-se nos assuntos externos e internos da Bielorrússia: “Se a Bielorrússia

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adopta-se uma política uniforme com a dos EUA, não enfrentaríamos críticas”. Entretanto “Uma vez que a Bielorrússia arriscou-se a conduzir uma política externa e interna independentes... essa ousadia é punível” (RFE/RL, 2004).

Portanto, na relação Rússia-Bielorrússia, o Kremlin recorre ao carrot para reforçar a influência russa sobre as políticas de Minsk, e ao stick para impor a sua vontade, tornando assim a Bielorrússia no seu maior aliado na CEI. De acordo com Wache, este comportamento russo visa a controlar os estados membros da CEI, de modo a que estes dependam de si e por essa via, fiquem impossibilitados de firmar alianças com outros atores, principalmente com a União Europeia e a NATO (2014: 144). Em relação ao Ocidente, enquanto a Ucrânia percepciona a cooperação com o Ocidente como sendo benéfica para ambas as partes, a Bielorrússia entende essa cooperação como sendo uma ameaça a estabilidade e continuidade do regime Lukashenko.