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A Política Externa da Rússia para a Moldova

Capítulo 4. O pragmatismo e o multivetorialismo na política externa Putin-Medvede

4.2. A política externa da Rússia para a Comunidade dos Estados Independentes

4.2.4. A Política Externa da Rússia para a Moldova

“A República da Moldova tornou-se formalmente independente em Agosto de 1991, quase um ano após a declaração de independência em Setembro de 1990 da República da Transnístria da Moldávia […]. […] Esta declaração de independência não foi reconhecida pelo governo central de Chisinau. Após anos de governo autoritário e economia centralizada, a República da Moldova (por alteração constitucional da sua denominação de República da Moldávia para República da Moldova, em Maio de 1991)

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comprometeu-se com o desenvolvimento de estruturas democráticas baseadas nos princípios do Estado de direito e de soberania (muito prezada dada a questão da região separatista da Transnístria)” (Freire, 2011: 80-81).

“A 8 de Dezembro de 1991, Mircea Snegur é eleito como primeiro presidente de uma Moldova independente, com o apoio da Frente Popular (os movimentos independentistas pró-reformadores no espaço pós-soviético assumiam amplamente esta designação)” (ibid), e na primavera de 1992, surge o primeiro desafio para a Rússia. A liderança de Chisinau manifestou o interesse em unir a Moldova e a Romênia, o que provocou uma secessão violenta na região da Transnístria, que gravitava […] em direção a Rússia. Perante este cenário, a Rússia foi forçada a intervir para impedir combates generalizados. “Colocou em ação a 14ª divisão soviética estacionada na área, negociou um cessar-fogo e assumiu a tarefa de manter a paz na região” (Tsygankov, 2013: 82). Por sua vez, “a Moldova pediu um maior empenho da Federação Russa na questão da retirada das suas forças, afirmando que a atitude passiva da Rússia impedia o progresso real na região. As autoridades de Chisinau argumentavam que o uso de frases como ‘adiar’, ‘tomar conhecimento de’ ou ‘continuar estudando’ não forneciam o nível de segurança (russa) que a Moldava gostaria de ver. Em contraste, a Rússia enfatizou que as questões políticas, técnicas e sociais dificultavam a retirada, particularmente o transporte de equipamentos através da Ucrânia e a construção de casas para o pessoal militar retornado” (Freire, 2006: 77). Entretanto, “a formulação de um governo de unidade nacional em Julho de 1992 na Moldova, levou a que as exigências de unificação com a Roménia perdessem força face à opção de consolidação da independência nacional. Os primeiros objetivos de política externa da nova república tornaram-se a consolidação da independência, aproximação aos Estados ocidentais democráticos e o combate ao separatismo da Transnístria” (Freire, 2011: 81).

Enquanto a Moldova se comprometeu com os princípios democráticos e a reforma do velho sistema, a Transnístria manteve-se leal ao sistema soviético. Ou seja, “a Moldova e a Transnístria caminharam em sentidos opostos. Desenvolveram sistemas económicos, sociais, ideológicos, políticos e educativos distintos. Atravessando o rio Dniester e o posto de controlo fronteiriço da região separatista, entramos na Transnístria, onde o visto de entrada com limite temporal rigoroso é emitido no momento, recuamos duas dezenas de anos num regresso ao passado, à União Soviética. A estrutura dos edifícios, a manutenção das estátuas e símbolos, o orgulho na

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penetração de ideário comunista ido, tudo é sentido. E de uma das muitas janelas do edifício presidencial no centro de Tiraspol fica a imagem personificada e intemporal de tempos passados ainda tão presentes” (ibid: 82).

A Transnístria tem mecanismos limitados para apoiar uma economia de mercado, favorece a propriedade do Estado e está orientada para a Rússia e para a CEI. Apesar do seu status não reconhecido, a Transnístria tem o seu próprio presidente, governo e todas as instituições de um estado operacional. Pouca reconstrução econômica ocorreu na Transnístria nos últimos dez anos. É dependente da Rússia para matérias-primas e mercado para a sua produção. A busca de novos pontos de venda não foi bem sucedida, já que os bens da Transnístria são incapazes de competir no mercado ocidental. Além disso, a Transnístria não beneficia da assistência internacional (por causa do seu status não reconhecido). Em contraste com a capital da Moldova, Chisinau, há poucos painéis publicitários a serem vistos em Tiraspol: nenhuma sugestão de capitalismo, em vez disso há cartões de ração para o pão subsidiado. No entanto, a Transnístria tem um complexo militar-industrial bem organizado, incluindo empresas que fabricam armamentos e fábricas que consertam equipamentos militares. Cerca de 50.000 armas e 40.000 toneladas de cartuchos, foguetes e bombas são produzidas e vendidas, constituindo uma importante fonte de receita para o estado. Além disso, a liderança da Transnístria paga regularmente salários e pensões ligeiramente superiores aos oferecidos pela República da Moldova, garantindo a lealdade da população à administração separatista (Freire, 2006: 75). Ainda assim, “a Transnístria ainda se beneficia de um pacote de subsídios por parte da Rússia, que incluem empréstimos, e subsídios de energia. Em contrapartida, as empresas russas recebem participações nas empresas da Transnístria” (Woehrel, 2009: 11).

“Já na República da Moldova, pelas ruas mal acabadas e nem sempre bem iluminadas de Chisinau, entre a poeira e algum asfalto, facilmente se apreende um dia- a-dia difícil, com alguma azáfama, especialmente nos mercados locais. O centro da cidade, e em particular as zonas dos organismos governamentais, apresenta uma vida diferente, um estilo mais sofisticado, um enquadramento mais cuidado. Fora da capital, os vinhedos e grandes pastos marcam a paisagem de relevo pouco acentuado” (Freire, 2011: 83).

Diferentemente da Transnístria, “a Moldova aderiu à economia de mercado livre, apostou na privatização e nos princípios democráticos e ocidentais. No entanto, a

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Moldova é um país agrícola e altamente dependente da Rússia em matérias-primas, energéticas, bem como nos mercados da CEI. A República da Moldova sofreu uma recessão de 1992 a 1996 e a recuperação econômica foi lenta. Beneficiou da assistência internacional, particularmente através de acordos negociados com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e com o Banco Mundial. Contudo, essas instituições suspenderam os empréstimos em várias ocasiões devido à situação instável e à incapacidade da Moldova cumprir com as suas demandas” (Freire, 2006: 75).

A Moldova é hoje classificada como um dos países mais pobres do mundo. O fosso entre os ricos e os pobres é cada vez mais evidente - apenas alguns indivíduos envolvidos em atividades paralelas e negócios comerciais sombrios tornaram-se prósperos. A corrupção e o fraco domínio da lei, agravados pela inexperiência democrática e pela falta de compreensão da economia de mercado livre, não contribuem para uma avaliação positiva. Segundo o presidente da Moldova, Vladimir Voronin: “A palavra ‘lei’ tornou-se sinônimo de ‘corrupção’, a palavra ‘reforma’ da ‘estagnação’, “pobreza’ e ‘problema’ (ibid: 75-76).

“A impressão que se tem é que, apesar dos constrangimentos económicos, sociais e políticos, de facto estamos perante dois mundos diferentes. Este distanciamento progressivo entre a Moldova e a Transnístria tem tido reflexo no caráter prolongado das negociações, com as respetivas competências, e a existência de largas quantidades de armamento e outro equipamento militar devido à permanência da 14º Batalhão Russo na área. Conseguiu-se até ao presente um consenso quanto à forma do acordo, mas não quanto ao seu conteúdo. O estatuto da Transnístria permanece como obstáculo fundamental à resolução da questão, com Chisinau disposta a atribuir ampla autonomia e poderes alargados a Tiraspol, embora não na figura de Estado federado, essencialmente devido ao tamanho do território […]. Tiraspol entende autonomia como um acordo intergovernamental, conferindo à Transnístria o estatuto de Estado soberano, com poderes paralelos aos das autoridades centrais em Chisinau. Enquanto a Transnístria não esta disposta a ceder os poderes alcançados - é um Estado de facto há 20 anos -, a Moldova rejeita a concessão de poderes fundamentais nas áreas da segurança, defesa e finanças, não reconhecendo a Transnístria como um Estado independente” (Freire, 2011: 83-84).

De facto, “as tentativas moldavas de pressão sobre as autoridades em Tiraspol, como, por exemplo, a imposição de sanções económicas ou entraves a movimentação

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dos líderes separatistas, têm enfrentado a oposição de Moscovo, veiculada de forma afirmativa e explícita, como em finais de 2004, quando a questão do ensino na área separatista agudizou as diferenças. A proibição instituída de ensino do alfabeto latino, usado na Moldova e a imposição do uso do cirílico gerou, por razões óbvias, descontentamento e motivou a ameaça de imposição de sanções da parte de Chisinau, face à qual Moscovo reagiu com um sinal de aviso, entendido como fator pressão” (ibid: 86).

Neste xadrez envolvendo dois jogadores em dois mundos dispares, “Moscovo vê os seus interesses melhor servidos por um acordo para a criação de um estado moldavo comum em que a Transnístria desfrutaria de um status elevado, capaz de ajudar a moldar as políticas em Chisinau e servir como um canal de influência econômica e cultural russa em ambas as margens do rio Dniester” (Berk, 2008: 14). A Rússia reforça esta tendência pragmática mantendo ligações com a Transnístria e demostrando o seu apoio público à liderança de Tiraspol, mas, por outro lado, continua a apoiar à integridade territorial da Moldova (Freire, 2011: 85). Está atitude pragmática e assertiva da Rússia, visa essencialmente salvaguardar dois interesses estratégicos da Federação. O primeiro tem que ver com a integridade territorial da própria Rússia. Se Moscovo apoiasse a independência da Transnístria poderia desencadear um sentimento nacionalista nas repúblicas separatistas do Cáucaso e assim ser forçada a reconhecer as suas independências ou reivindicações. O segundo interesse do Kremlin, prende-se com o seu objetivo de controlar os estados membros da CEI. Cooperando com os dois governos e ou regimes, Moscovo almeja o controlo e influência efetiva das duas partes em confronto.

A partir de 2003, a Moldova começou a estreitar as suas relações com o Ocidente em protesto ao apoio russo aos secessionistas da Transnístria. “Em resposta, em 2005, a Rússia restringiu o vinho e outras importações agrícolas da Moldávia, alegadamente questões de saúde (fitossanitárias), causando um golpe muito pesado na economia do país. Além disso, no mesmo ano, a Rússia apoiou o regime separatista da região […], enviando um efetivo de 1.500 (vide na tabela 2, em anexo) soldados para ajudar as causas separatistas” (Woehrel, 2009: 10).

“Do ponto de vista da coerção energética, a Gazprom cortou o fornecimento de gás natural a 1 de Janeiro de 2006. A razão evocada para tal ato foi a rejeição por parte da Moldova de duplicar o preço de compra do gás natural. Mas sabe-se que do lado

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russo era uma punição pelo facto de a Moldova ter-se aliado ao Ocidente. É preciso realçar que a Rússia não queria apenas duplicar o preço do gás natural, queria também ter o controlo maioritário da empresa Moldovagaz que operava na Transnístria. O fornecimento de gás viria a ser reposto a 17 de Janeiro, depois de a Moldova ter aceite o aumento de $60 por tcm para $110 por tcm. A Moldova também teve que concordar em vender para a Gazprom 13% das ações da companhia Moldovagaz. A Gazprom que já era acionista maioritária passou a ter 63.4% da Moldovagaz. O preço do gás russo tem subido continuamente em relação à Moldova, até que em 2009 já havia atingido $318 por tcm” (Wache, 2014: 147). Deste modo, contata-se que no que diz respeito a política externa da Rússia para a Moldova, a Rússia recorre a intervenção militar na região da Transnístria para manter controle sobre a região separatista e assim influenciar tanto as políticas de Chisinau como de Tiraspol, e a energia como instrumento de coerção para condicionar o comportamento da Moldova.

Portanto, a política externa de Putin-Medvedev para estes países pode ser analisada tendo em conta duas ferramentas: a ferramenta energética e a ferramenta militar. No que diz respeito a ferramenta energética, esta pode ser usada de duas maneiras destintas. Para influenciar o comportamento dos estados pós-soviéticos, isto é, a ferramenta energética é usada como ajuda, através de subsídios aos estados favoráveis a Moscovo, e como instrumento de coerção, quando os estados pendem para o lado ocidental. Entretanto, é relevante que se sublinhe que, a energia como instrumento de coerção apenas não resulta com a Geórgia, por este ser país de transito do petróleo e gás azerbaijano. Dai que, em defesa dos seus interesses, a Rússia foi forçada a recorrer a sua segunda ferramenta - intervenção militar. Entretanto, nestes quatro jogadores do xadrez pós-soviético, a Moldova posiciona-se como sendo um caso sui generis, pois foi alvo tanto da coerção energética como da intervenção militar no seu território. Contudo, na Ucrânia, tal como Wache afirma, “a situação ainda permanece por aberto, com um confronto verbal e militar por ser resolvido” (2014: 151), ou seja, um conflito congelado. Ainda assim, merece especial atenção o contingente militar russo estacionado em quase todos os estados membros da CEI, excepto no Turquemenistão e Uzbequistão. Esta ocupação militar russa no seu espaço vital pode ser percebida como uma ocupação geostratégica que visa repelir a expansão tanto da União Europeia como da NATO em direção as suas fronteiras. Com esta política externa bicéfala, na CEI a Rússia procura se posicionar como hegemonia benevolente aos estados pró-Rússia, e disciplinadora para os estados pró-Ocidente. Portanto, com a análise aqui apresentada

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procurou-se oferecer algumas pistas de como centro Moscovita conduz a sua política externa em relação ao seu estrangeiro próximo.