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A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO: O PROBLEMA DOS PARADIGMAS

No documento CURITIBA 2012 (páginas 115-125)

Destacadas as essenciais e básicas premissas que orientam o relacionamento entre Direito e Economia, assim como as possibilidades contributivas francamente abertas pela escola da Law and Economics, convém esclarecer, ao se preconizar o imprescindível emprego dessa doutrina no intuito da refundamentação do Direito da responsabilidade civil, em que extensão e profundidade uma tal interferência econômica se presta a auxiliar a reflexão sobre o objetivo aqui proposto.

Talvez um dos mais interessantes e complexos temas a serem investigados a partir da intenção de diálogo entre a Economia e o Direito, objetivando influir na tomada de decisões políticas (legislativas e judiciais), assenta-se na fixação de premissas acerca de qual espécie de Estado e de qual teoria econômica se está a tratar, o que implica a verificação da possível abertura da doutrina da análise econômica do direito para novas premissas.

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De fato, nunca é bastante refletir sobre a conjuntura política na qual surgiu o movimento da Law and Economics, evidentemente influenciado por uma época ainda marcada fortemente pelo liberalismo econômico

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e pelo seu culto aos

313 Nesse sentido, ALPA, Guido. Colpa e responsabilità nell’analisi economica del diritto.

Analisi economica del direito privato. Milano: Giuffrè Editore, 1998, p. 243.

314 Conforme adverte Fernando ARAÚJO: “Uma das limitações mais aparentes à relevância prática da ciência econômica reside no facto de não haver consensos estáveis em muitos pontos de doutrina, em muitos modelos explicativos básicos e em muitos dos padrões de aferição através dos quais essa doutrina poderia endereçar-se ao senso comum e interagir com a realidade dos fenômenos jurídicos”. Introdução à economia. Coimbra: Almedina, 2006, p. 94.

315 Acerca das transformações da economia de mercado sob a óptica do Estado Liberal consultar, RIPERT, George. Aspectos jurídicos do capitalismo moderno. Trad. Gilda G. de Azevedo.

Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1947, p. 28 e segs. ASCARELLI, Tullio. Panorama do Direito Comercial. São Paulo: Saraiva & Cia, 1947, p. 46. De acordo com Vital MOREIRA “A ideologia liberal apresentava-se com uma unidade sem brechas, no plano econômico, no plano jurídico, no plano filosófico: laissez-faire, laissez-contracter, laissez-aller, não eram mais do que a expressão da visão de uma sociedade que se acreditava naturalmente ordenada, eternamente equilibrada”. Economia e Constituição. Coimbra: FDUC, 1970, p. 159.

supostos libertadores valores do individualismo, a partir dos quais todas as relações humanas se ajustariam naturalmente.

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Assim, bastante compreensível que, à luz dos princípios e paradigmas da política do “laissez faire”

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, a teoria econômica estivesse impregnada de valores consentâneos com o modelo do Estado liberal, do qual se esperava uma mínima intervenção no Mercado e uma máxima tolerância com a auto regulação de uma sociedade aparentemente igual, livre e fraterna, por via de um modelo contratual fundado na plena autonomia das vontades.

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Como símbolo da influência da ideologia do laissez faire sobre a doutrina da Análise Econômica do Direito (e mais especificamente da responsabilidade civil), aponta ALPA o impacto causado pela chamada “regra de Hand”,

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vista pelos teóricos de referida doutrina como relevante critério de apuração da culpabilidade:

O conflito de interesses privados, que deve ser resolvido de acordo com as diretrizes do mercado, é o sinal mais evidente da conformidade do sistema

316 O desenvolvimento da Análise Econômica do Direito surgiu ainda no início do século XX, por obra de investigações de autores como COMMONS, John R. (Legal Foundations of Capitalism.

New York: MacMillan,1924). Ressurgiu com grande força no início dos anos sessenta, dando ensejo à chamada “nova análise econômica do direito”, a partir das obras de COASE (The problem of social cost. Journal of Law and Economics. V. 3, 1960, p. 1-69), de CALABRESI (Some thoughts on risk distribution and law of torts. Yale Law Journal, v.70, n.º 4, 1961, tendo o mesmo artigo sendo publicado pelo Journal of Law and Economics, v. 11, p. 67-73) e POSNER (Economic analysis of law.

Boston: Little Brown, 1973). Acerca da influência do pensamento de Ronald COASE, em 1937 ele publicou o artigo The nature of firm, (Economica, New Series, v. 4, n.º 16, p. 386-405) sobre a natureza da empresa (as empresas seriam verticalmente organizadas por meio de uma cadeia hierárquica) em que se analisava a atuação do setor de produção, investigando se as empresas deveriam fazer ou comprar bens e serviços no mercado. Coase procurou dar uma explicação econômica ao referido questionamento, afirmando que seria mais econômico mandar fazer do que negociar a feitura. Vale dizer, as empresas deveriam ser organizadas com a finalidade de diminuir os custos de transação. A partir dessa racionalidade, Coase passa a desenvolver a ideia dos denominados custos de transação, ligados aos custos de contratação. ARAÚJO, Fernando.

Introdução à economia. Coimbra: Almedina, 2006, p. 24 e segs. SZTAJN, Rachel. Teoria Jurídica da empresa: atividade empresária e mercados. São Paulo: Atlas, 2004, p. 187-188. O Teorema de Coase, desenvolvido em 1959, a partir do artigo The problem of social cost, trata acerca do problema que afeta as externalidades (impactos que ultrapassam o âmbito contratual ou também extracontratual, pois são efeitos que não foram consentidos), pois quando há baixos custos de transação é possível resolver o problema, quando há elevados custos de transação é necessário um juiz/um arbítro. A ideia de mercado é deixar que as pessoas resolvam sozinhas/auto gestão. Para Coase a intervenção do Estado só se justificaria diante dos altos custos de transação.

317 Acerca da transição do “laissez faire ao capitalismo regulado” ver MOREIRA, Vital. Auto-regulação profissional e administração pública. Coimbra: Almedina, 1997, p. 17 e segs.

318 Como notas evidentes da transformação dos modelos de Estado, recorde-se que a ideologia liberal sempre esteve assentada em valores tais como a intervenção mínima do Estado na esfera privada, o caráter quase absoluto da propriedade privada, a economia competitiva do livre mercado e a acumulação de capitais, fundados na ideia de igualdade formal entre os indivíduos. Por outro lado, o Estado do “bem estar social” passou a afirmar novos e fundamentais direitos, impondo, a partir de então, restrições às liberdades individuais por diversas formas, como por via do dirigismo contratual e da funcionalização social da propriedade.

319 Sobre a regra de Hand, vide comentários feitos na nota nº 374.

jurídico ao regime do

laissez faire,

onde prevalece o individualismo desenfreado, o "direito dos iguais", que baseia nos recursos de cada um a chance de prevalecer sobre os "concorrentes". Ele resulta num sistema de privilégios da parte mais forte, destinado a declinar apenas com o advento da sociedade de massa, na qual esses privilégios adquiriram formas mais sofisticadas. Tratava-se de um sistema que subtraía a controles externos as actividades dos particulares. E precisamente o "paradigma" do juiz Hand, nessa perspectiva, assume o significado de

símbolo do sistema.

Com qual fundamento, portanto, sustentar que o sistema de ressarcimento, e, mais genericamente, a disciplinada responsabilidade civil, seria privada de qualquer conotação ideológica?

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Entretanto, a gradativa migração do Estado Liberal para o Estado Social, decorrente dos processos de constitucionalização e de democratização, trouxe consigo também a necessidade de se questionar os paradigmas econômicos, talvez insatisfatórios ou incongruentes com o novo modelo de Estado que se desejou implementar.

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Tal conclusão parece inequívoca, uma vez compreendendo-se depender a teoria econômica (tanto quanto a teoria jurídica) da análise e da compreensão do mundo empírico que a cerca. Assim como a chamada “teoria pura do direito”

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jamais objetivou ser ou foi autenticamente “pura”, resta igualmente claro não ser possível reduzir a teoria econômica a postulados matemáticos totalmente fundados em um racionalismo puramente objetivo, desagregado dos valores sociais e políticos do mundo que está à sua volta.

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320 ALPA, Guido. Colpa e responsabilità nell’analisi economica del diritto. Analisi economica del direito privato. Milano: Giuffrè Editore, 1998, p. 238. Tradução livre. “Il conflitto dei privati interessi, que deve essere risolto secondo le direttive del mercato, è il segno più evindente della conformità del sistema giuridico al regime di laissez faire, dove prevale l’individualismo esasperato, il «diritto degli iguali» che affida alle risorse di ciascuno la possibilitá di prevalere sui «concorrenti». Ne nasce un sistema di privilegi della parte più «forte», destinato a tramontare solo con l’avvento delle società di massa, nelle quali questi privilegi acquisiscono forme più sofisticate. Si trattava cioè di un sistema che sottraeva a controli esterni le attività dei privati. E appunto il «paradigma» del giudice Hand, in questa prospettiva, assume il significato di simbolo del sistema. Con quale fondatezza, dunque, sostenere che il sistema di risarcimento, e, più in generale, la disciplina della responsabilità civile erano privi di ogni connotazione ideologica?”.

321 Daí, também, grande parte das críticas dirigidas contra a exacerbação do individualismo presente no pensamento clássico da escola da análise econômica do direito, que confiava ao

“homem econômico”, livre e racional, a tarefa de maximizar a eficiência para a satisfação de seu interesse individual, do qual derivaria, por conseqüência, a satisfação do interesse social, reservando-se ao Estado um papel mínimo, direcionado quareservando-se exclusivamente à definição do direito de propriedade e à redução dos custos de transação, instrumentalizando a negociação entre os eventuais interessados em face das externalidades ocorridas.

322 BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed., São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 50 e segs. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

323 ARAÚJO, Fernando. Introdução à economia. Coimbra: Almedina, 2006, p. 72.

Prosseguindo na crítica à escola econômica neoclássica e à sua criação (o «cyborg homo oeconomicus»), complementa o professor português: “O Quociente de Inteligência desse «cyborg»

A preocupação como uma necessária integração do pensamento econômico aos valores sociais e políticos predominantes aparentemente nunca foi tão marcante, na medida em que no mundo globalizado do século XXI, todos somos diariamente impregnados com excessivos noticiários, de todas as mídias, que pretendem nos fazer compreender como o mundo “funciona” ou pode “deixar de funcionar” a depender das escolhas político-econômicas feitas ao redor do planeta.

Nesse sentido, o “neoclassicismo” que dominou a ciência econômica a partir dos anos 40 parece constituir uma primeira e grande barreira para o pretendido diálogo entre o jurista e o economista, na medida em que se empenhou em hiperformalizar a teoria econômica por via de uma obsessiva busca por modelos rígidos de avaliação de condutas otimizadoras e quantificadoras que caracterizaria a figura do homo oeconomicus, idealizada por Max Weber e sintetizada por ARAÚJO como “mais do que o ser racional e egoísta que se dizia ter sido o protótipo da Escola Clássica de Adam Smith e David Ricardo, era agora um «cyborg» hiper-racional, capaz de competir, como processador de informação e decisor estratégico, com as mais sofisticadas estruturas institucionais”.

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Ao se intentar uma maior aproximação entre duas ciências sociais, obviamente devemos estar cientes e preparados para enfrentar, talvez, a maior dificuldade residente justamente não apenas na diversidade dos paradigmas atuantes sobre Direito e Economia, isoladamente considerados, mas também dos

passava a aceitar-se que fosse equivalente ao do mais inteligente e sofisticado dos economistas; e, pior ainda, a escolha de modelos descritivos e explicativos passava a privilegiar o modelo em que precisamente mais amplitude se concedesse à manifestação dessa superinteligência – que poucos se atreviam a denunciar como uma distorção completa da realidade do comportamento médio, dado o prevalente «enamoramento com a forma» e com a abstração que dominava as torres de marfim académicas, todas empenhadas, dentro do cânone Neoclássico, em esforços de modelação matemática, de edificação axiomática e de ultra-dedutismo – desembocando no resultado barroco de uma ciência social «autista» na investigação e no ensino, alheada da sua realidade de referência e do escopo pragmático que a conduzira da sua génese até à sua autonomização curricular.” Afirma, ainda, ITURRASPE: “Empero, los avances de la psicologia, de la genética, de la sociologia y de la antopología filosófica muestran que el homo oeconomicus, paradigma del sistema econômico-liberal individualista, es ‘una personalidad parcializada y contraria, precisamente por su individualismo, a la figura que reclaman los nuevos tiempos’. Se reclama un ‘hombre social’, comprometido con la comunidad en la cual vive, con sus planes y proyectos (Dahrendorf); un ‘hombre racional’ (Rawls);

uno que bregue por la ‘igualdad’ (Dworkin); se reclama por ‘la humanidad del hombre’, en fin, un hombre con preocupaciones por ‘la cultura’ (Gramsci)”. Tradução livre: “No entanto, os avanços na psiciologia, na genética, sociologia e na antropologia filosófica mostrou que o homo economicus, paradigma do sistema econômico-liberal individualista, é ‘uma personalidade parcializada e contrária, precisamente por seu individualismo, a figura exigida pelos novos tempos. Reinvindica-se um ‘homem social’, comprometido com a comunidade na qual vive, com seus planos e projetos (Dahrendorf); um

“homem racional’ (Rawls); um que brigue pela igualdade (Dwrkin); se reclama pela ‘humanidade do homem’, enfim, um homem com preocupações pela cultura’ (Gramsci). ITURRASPE, Jorge Mosset.

Cómo contratar em uma economía de mercado. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, 2005, p. 47.

324 ARAÚJO, Fernando. Introdução à economia. Coimbra: Almedina, 2006, p. 72 e segs.

possíveis novos paradigmas que poderiam ou deveriam atuar ao se intentar a ligação entre referidas ciências.

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A não percepção acerca da diversidade dos paradigmas envolvidos, sejam daqueles tradicionalmente apontados como regentes de cada uma das ciências envolvidas, sejam de outros eventualmente suscitáveis como fundantes de uma nova e especial categoria, aliás, é capaz de gerar grandes equívocos na contínua tentativa de reconhecimento e de aprimoramento da Análise Econômica do Direito.

Sobre tal perigo, não passou despercebido o pensamento de COASE, expressado ainda no longínquo ano de 1960 quando, após introduzir a investigação do pensamento econômico a respeito do problema do custo social dos danos e da necessidade de os juízes compreenderem as consequências econômicas do processo de tomada de decisões, alertou para os riscos de se estagnar o pensamento a partir de uma visão monolítica de modelo econômico ou estatal, possivelmente jamais adequada para se aplicar ao inalcançável mas sempre buscado “mundo ideal”.

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Muito embora o conceito do que venha a constituir um “mundo ideal” revele-se equívoco, ilusório e utópico, por outro lado é impossível apartá-lo de premissas concretas mínimas, sobretudo quando assentadas em textos constitucionais que, tal como o brasileiro, mais do que sugerir, busca implementar efetivamente o Estado Social, a toda evidência distanciado do Estado Liberal, a iniciar pela sua própria justificação, forma de organização política de objetivos a serem alcançados.

325 Ademais, como lembra COASE, “As razões utilizadas pelos tribunais na determinação dos direitos vão, frequentemente, parecer estranhas para um economista, porque muitos dos aspectos nos quais as decisões se baseiam são, do ponto de vista econômico, irrelevantes. Por isso, situações que são, para um economista, idênticas, serão tratadas de maneiras diferentes pelos tribunais. O problema econômico em todos os casos de efeitos prejudiciais é como maximizar o valor de produção. (...) Mas deve ser lembrado que a questão imediata encarada pelos tribunais não é o que deve ser feito por quem, mas quem tem o direito de fazer o quê.” COASE, Ronald H. The problem of social cost. Journal of Law and Economics. V. 3, 1960, p. 01-69. Ver, ainda, o mesmo artigo traduzido em português, COASE, Ronald H. O problema dos custos sociais. Tradução por Francisco Kümmel F.

Alves e Renato Vieira Caovilla. Direito e economia – textos escolhidos. Bruno Meyerhof Salama (org.). São Paulo, Saraiva, 2010, p. 76.

326 Já propunha COASE uma ”mudança de abordagem” do pensamento econômico tradicional, alertando para o fato de que “Ao se projetar e escolher entre arranjos sociais, devemos atentar para o efeito total”, COASE, Ronald H. The problem of social cost. Journal of Law and Economics. V. 3, 1960, p. 1-69. Ver, ainda, o mesmo artigo traduzido em português, COASE, Ronald H. O problema dos custos sociais. Tradução por Francisco Kümmel F. Alves e Renato Vieira Caovilla.

Direito e economia – textos escolhidos. Bruno Meyerhof Salama (org.). São Paulo, Saraiva, 2010, p.110-112. Acerca do pensamento de Ronald H. COASE ver, ainda, POLINSKY, Mitchell A. An introduction to law and economics. 3rd ed. New York: Aspen Publishers, 2003, p. 13 e segs.

NUTTER, G. Warren. The Coase Theorem on social cost: a footnote. The Journal of Law and Economics. V. 11, p. 503-508, 1968. STIGLER, George J. The Theory of Price. 3 ed., New York:

Macmillan, 1966, p. 113.

Não obstante a natural preservação dos valores inerentes ao liberalismo e ao individualismo, certo é que vivemos, atualmente, sob a égide de postulados marcantemente ligados à solidariedade e ao coletivismo, compreendidos como modelo imprescindível para o atingimento de valores estigmatizados por expressões tais como “dignidade da pessoa humana” e “proteção do mínimo existencial”.

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Mas e o que isso teria a ver com a Análise Econômica do Direito? Como a

“ideologia constitucional” de determinado Estado poderia ou deveria atuar ou interferir em referida análise, que se quer afirmar, acima de tudo, como instrumental e científica?

Reside aí, certamente, um importante e complexo ponto de estrangulamento no pretendido relacionamento entre Direito e Economia.

O arquétipo da ciência econômica, centrado na ideia de um racionalismo meramente instrumental utilizável para a apreensão e descrição do comportamento humano, preconiza um prudente e necessário desprendimento, senão com a realidade empírica, certamente com qualquer compromisso de demonstração ou justificação valorativa, seja dos meios empregados, seja das finalidades alcançadas por tal “técnica racional”.

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A enunciação de uma ciência social como tal não deixa de ser perturbadora, sobretudo na medida em que parece desejar aproximar-se muito mais do objetivo de precisão das ciências exatas, por via de um instrumentalismo formal, pretensamente

327 Não se pode deixar de notar, todavia, que a contraposição entre discursos liberal e social, constantemente invocada para a demonstração da transição dos modelos e valores políticos dos Estados, não deixa de encobrir um certo cinismo, já muito bem obervado por BOBBIO: “Para quem examina essa constante dialética de liberalismo e democracia de um ponto de vista de teoria política geral, fica claro que o contraste contínuo e jamais definitivamente resolvido (ao contrário, sempre destinado a se colocar em níveis mais altos) entre a exigência dos liberais de um Estado que governe o menos possível e a dos democratas de um Estado no qual o governo esteja o mais possível nas mãos dos cidadãos, reflete o contraste entre os dois modos de entender a liberdade, costumeiramente chamados de liberdade negativa e positiva, e em relação aos quais se dão, conforme as condições históricas, mas sobretudo conforme o posto que cada um ocupa na sociedade, juízos de valor opostos: os que estão no alto preferem habitualmente a primeira, os que estão embaixo preferem habitualmente a segunda”. BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia.

Tradução – Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Ed. Brasiliense, 2006, p. 92.

328 Afirma Bruno M. SALAMA que “é preciso ressaltar – na verdade reiterar – que a premissa da racionalidade é instrumental. A ideia é julgar os modelos econômicos aplicáveis às condutas analisadas não pela veracidade da premissa da racionalidade, mas pela precisão empírica de suas previsões.” E, continua, citando Milton Friedman, conclui Salama: “O requisito de veracidade e realismo empírico das premissas teóricas deixa de ser um ponto central para a Economia sendo que o único teste relevante para mostrar o grau de cientificidade de uma hipótese passa a ser apenas a comparação de suas previsões com a experiência fática. Ou seja, uma teoria econômica deverá agora ser julgada somente quanto ao seu poder de previsão face aos fenômenos que pretende explicar. A veracidade das premissas é abandonada em favor da acuidade das previsões”. Direito e economia – textos escolhidos. Bruno Meyerhof Salama (org.). São Paulo: Saraiva, 2010, p. 26.

frio e meramente calculista, ainda que no intuito de prever ações e reações individuais e sociais.

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Na medida em que a análise econômica, longe de se prestar à mera descrição da realidade, passa também a aspirar prescrever soluções políticas à sociedade,

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não pode deixar de se pautar, seja em postulados éticos, seja nos postulados normativos regentes do específico corpo social analisado.

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Dessa forma, para que o pretendido diálogo entre Direito e Economia, muito mais do que fomentar o valioso debate acadêmico, tenha efetivamente condições de apontar caminhos para a criação de normas jurídicas ou para a fundamentação das decisões judiciais, e que tais caminhos sejam qualificados não apenas pela lógica ou pelo racionalismo, nem tão somente pela legalidade formal, mas sobretudo pela legitimidade constitucional, não se pode olvidar que a Análise Econômica do Direito não pode prescindir de se fundar, também ela, nos valores culturalmente preponderantes no tempo e no espaço.

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O que se pretende ressaltar, enfim, é que por detrás da formulação dos

teoremas, postulados e equações (cada vez mais comuns e prestigiadas pelo

O que se pretende ressaltar, enfim, é que por detrás da formulação dos

teoremas, postulados e equações (cada vez mais comuns e prestigiadas pelo

No documento CURITIBA 2012 (páginas 115-125)