• Nenhum resultado encontrado

O SURGIMENTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL PREVENTIVA

No documento CURITIBA 2012 (páginas 64-67)

1. A CRISE DA RESPONSABILIDADE CIVIL

1.4 O SURGIMENTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL PREVENTIVA

Apesar da tendência verificada no campo da responsabilidade civil, no sentido de se voltar cada vez mais as atenções à pessoa da vítima e não tanto ao causador do dano, parece ser inegável o continuísmo da aplicação do sistema tradicional da responsabilidade, voltado ao binômio dano-reparação.

Vale dizer, passou-se a enfocar a plena reparação a partir da preocupação com um sistema indenizatório capaz de dar conta do surgimento dos mais variados tipos de danos, seja pela previsão da responsabilidade civil objetiva dentro do Código Civil, seja pela sua modalidade agravada, criada pela jurisprudência a partir de novas teorias que flexibilizam o nexo de causalidade dentre outros.

O surgimento de novos mecanismos ou a flexibilização daqueles tradicionalmente empregados certamente demonstram o comprometimento do instituto em se adapatar e renovar sua roupagem para atender às necessidades da sociedade contemporânea.

Contudo, indaga-se: como o sistema da responsabilidade civil, voltado tradicional e eminentemente para a repressão do dano, pode genuinamente estar comprometido com a proteção da pessoa, no intuito de que ela não chegue à condição de vítima?

Em resposta a tal pergunta, poder-se-ia argumentar não ser papel da responsabilidade civil a prevenção dos danos, competindo-lhe apenas viabilizar a melhor e mais adequada forma de reparação, como se preconiza por meio do Direito de Danos. No entanto, parece claro que diante de novos tipos de danos, até então inimagináveis e com efeitos considerados nefastos para a sociedade em geral, a proteção da integridade e da inviolabilidade dos direitos essenciais da pessoa deve vir em primeiro lugar.

Nesse sentido, o que se busca demonstrar é que o Direito da responsabilidade civil não deve constituir-se como um mecanismo a funcionar apenas ex post (após a ocorrência do evento danoso), mas também, e sobretudo, ex ante (tendo como objetivo a inviolabilidade dos direitos e a prevenção de danos).

173

173 ALTERINI, Atilio Aníbal, CABANA, Roberto Lopez. Temas de Responsabilidad civil. 2ª ed.

Buenos Aires: Ciudad Argentina Editorial de Ciencia y Cultura, 1999, p. 19.

Sem desconsiderar toda a evolução representada pelo denominado “Direito de Danos”, faz-se necessário o pleno desenvolvimento de todas as dimensões nas quais a responsabilidade civil pode e deve operar, como explica THIBIERGE:

Não se trata absolutamente aqui de abalar o direito de responsabilidade e de recolocar em discussão a construção progressivamente elaborada pela ação conjugada da jurisprudência e do legislador. Naquilo, a experiência passada nos fornece ensinamentos preciosos: assim como os promotores do risco o vislumbravam como um substituto para a culpa, a evolução ulterior mostrou que esse novo fundamento permitiu enriquecer os fundamentos da responsabilidade e de modificar o seu regime, deixando à culpa o seu âmbito de aplicação própria. Ademais, nesse sentido, certos autores continuam a defender o fundamento da culpa e outros sublinham os perigos das soluções extremas de toda a culpa ou de todo o risco. Trata-se de responder à emergência dos novos danos e de ultrapassar os limites atuais de nossa responsabilidade civil, não por uma recolocação em questão dos fundamentos anteriores, mas por uma extensão daqueles, segundo a dinâmica da alteração de paradigma que permitirá à responsabilidade jurídica abranger a plenitude do termo «responsabilidade». Nosso direito de responsabilidade já mostrou suas capacidades de evolução e de adaptação à emergência dos novos riscos. A avaliação dessa evolução pode nos ajudar a percorrer essa nova etapa sem muita resistência à necessária mudança. Para tanto, a «responsabilidade» ela própria, no sentido etimológico e filosófico, nos traz um precioso desafio.

174

Por outro lado, há entre os juristas, mesmo dentre aqueles notoriamente comprometidos com a modernização e adequação dos institutos jurídicos ao movimento de constitucionalização, visível prudência a respeito das possíveis consequências geradas por um suposto “superdimensionamento” da

174 Tradução livre: “Il ne s'agit nullement ici de bouleverser le droit de la responsabilité et de remettre en cause la construction progressivement élaborée par l'action conjuguée de la jurisprudence, de la doctrine et du législateur. En cela, l'expérience passée nous fournit des enseignements précieux : alors que les « promoteurs » du risque l'envisageaient comme un substitut à la faute, l'évolution ultérieure a montré que ce nouveau fondement a permis d'enrichir les fondements de la responsabilité et d'en modifier le régime, tout en laissant à la faute son domaine d'application propre. D'ailleurs, en ce sens, certains auteurs continuent à défendre le fondement de la faute, et d'autres soulignent les dangers des solutions extrêmes du tout-faute ou du tout-risque. Il s'agit de répondre à l'émergence de nouveaux dommages et de dépasser les limites actuelles de notre responsabilité civile, non par une remise en cause des fondements antérieurs mais par une extension de ceux-ci, selon la dynamique du changement de paradigme qui permettra à la responsabilité juridique de recouvrer la plénitude du terme « responsabilité ». Notre droit de la responsabilité a déjà montré ses capacités d'évolution et d'adaptation à l'émergence de risques nouveaux. La mise en perspective de cette évolution peut nous aider à parcourir cette nouvelle étape sans trop de résistance au nécessaire changement. En cela, la « responsabilité » elle-même, au sens étymologique et philosophique nous apporte un précieux concours.” THIBIERGE, Catherine. Libres propos sur l'évolution du droit de la responsabilité (vers un élargissement de la fonction de la responsabilité civile?). Revue trimestrelle de Droit Civile. 1999, p. 561 e segs.

responsabilidade civil, compreendida, sempre, no seu clássico papel de viabilizar indenização de danos.

175

Não nos parece verossímel, contudo, que um tal suposto superdimensionamento do instituto possa acarretar mal maior do que o infradimensionamento atualmente verificado.

Vislumbrando as possibilidades geradas a partir da chamada responsabilidade civil preventiva, sustenta-se uma necessária refundamentação institucional e instrumental do instituto, que não pode se furtar ao aprimoramento de uma função que jamais lhe foi estranha, relacionada à proteção dos direitos essenciais não apenas das gerações presentes, mas também das futuras, por via da gradativa implementação de técnicas ou mecanismos inibitórios que se revelem úteis à garantia da inviolabilidade dos direitos fundamentais constitucionalmente determinada.

176

O que se pretende demonstrar, portanto, ultrapassa a mera e notória constatação da assunção de uma função preventiva da responsabilidade civil. Mais do que isso, objetiva-se sustentar a necessidade de uma possível sistematização da prevenção no direito da responsabilidade civil, que só se torna viável a partir do reconhecimento de que, muito mais do que funcionalizar o instituto, a prevenção na verdade o refundamenta, legitimando-o no contexto da sociedade atual.

177

175 Ilustrativamente, consulte-se a ponderação de Gustavo TEPEDINO: “E nem mesmo a caótica intervenção do Estado em áreas sociais críticas – como saúde, transporte, segurança pública – autoriza o super dimensionamento do dever de reparar para a promoção de justiça retributiva entre particulares. Tão grave quanto a ausência de reparação por um dano injusto mostra-se a imputação do dever de reparar sem a configuração de seus elementos essenciais, fazendo-se do agente uma nova vítima. A indenização imposta sem a observância dos seus pressupostos representa, a médio prazo, o colapso do sistema, uma violência contra a atividade econômica e um estímulo ao locupletamento. Há de se conjuminar a técnica indenizatória própria da responsabilidade com o sistema de seguros privados, ao lado dos mecanismos impostos ao Poder Público para a promoção da solidariedade constitucional. Aos estudiosos da responsabilidade civil apresenta-se, portanto, o desafio de garantir o ressarcimento amplo, de modo compatível com a locação de riscos estabelecida na sociedade atual, sem que se pretenda transferir para a reparação civil os deveres de justiça social desdenhados por insuficientes políticas públicas e deficitária seguridade social”. O Futuro da Responsabilidade Civil. Revista Trimestral de Direito Civil. vol. 24, (editorial). Rio de Janeiro: Padma, 2005.

176 Conforme o art. 5º da Constituição Federal, “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)”.

177 Conforme Louis BACH: “Aussi bien faut-il se garder de penser que le fondement de la responsabilité puisse résider dans une quelconque volonté de «prévention des dommages» ou, plus généralement dans la considération de l’opportunité de tel ou tel autre résultat, car ce serait confondre les deux notions fondamentalement différentes de «fondement» de la responsabilité et de «fonction»

de celle-ci. En effet, alors que rechercher la fonction des règles établissant une responsabilité, c’est rechercher le résultat à venir qu’attendait de l’établissement de ces règles la société qui les a édictées, rechercher le fondement de la responsabilité c’est, se tournant vers l’action passée de la

No documento CURITIBA 2012 (páginas 64-67)