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A responsabilidade civil preventiva a partir da releitura do próprio conceito

No documento CURITIBA 2012 (páginas 155-163)

4. A REFUNDAMENTAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA

4.1.1 A responsabilidade civil preventiva a partir da releitura do próprio conceito

a restituição lhe atribui um meio ligado ao passado, porque trata de restaurar. Ora, entre esses dois termos fica, como contemplação presente da responsabilidade civil, a manutenção do equilíbrio social, que se afere de acordo com a ordem jurídico-política vigente. Parece-nos preferível colocar, como fundamento primário da responsabilidade civil, o interesse da manutenção do equilíbrio social estabelecido, porque contém os dois elementos.412

4.1 A RELEITURA CONCEITUAL DA RESPONSABILIDADE E DE SEUS ELEMENTOS

4.1.1 A responsabilidade civil preventiva a partir da releitura do próprio conceito de responsabilidade

O primeiro e talvez mais importante obstáculo contra a pretensão de refundamentação do Direito da responsabilidade civil diz respeito a um exacerbado e insustentável conceitualismo, que ofusca qualquer tentativa endereçada à imprescindível tarefa de reconstrução dos institutos jurídicos, em busca de constantes readaptações teóricas e pragmáticas, coordenadas em função das dinâmicas alterações dos valores e das necessidades sociais.

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Se a responsabilidade civil tem sido compreendida e aplicada com a finalidade de repreender aqueles que mediante comportamentos antijurídicos

412 DIAS, José de. Da responsabilidade civil. 11ª ed. Renovar: Rio de Janeiro, 2006.

413 Observa Orlando GOMES que “Como resultado dessa incapacidade de reconstrução, a técnica jurídica permaneceu praticamente estacionária. Ainda hoje o exame frio de seus elementos, mesmo nos códigos mais recentes, revela o seu atraso. Verdadeiramente, quem desconhecesse as mutações operadas na aplicação dos conceitos jurídicos teria a impressão de que o Direito é quase o mesmo que vigorava no começo do século XIX. As tentativas feitas para a sua remodelação caracterizam-se pela falta de imaginação. (...) De todos os vícios que a contaminam, nenhum mais grave, nas suas conseqüências, do que a deliberada dissimulação das transformações que agitam a ordem jurídica atual, na sua evolução irresistível. Por dois processos se vem conseguindo esse objetivo. O primeiro consiste na preservação do vocabulário jurídico, por sua defesa intransigente contra qualquer inovação terminológica. O segundo, no abuso das ficções. Conservando as mesmas palavras para designar situações diferentes, evita-se que ‘a massa dos homens adquira consciência imediata das transformações sociais’. A evolução do Direito privado e o atraso da técnica jurídica.

Revista Direito GV, v. 1, maio, p.121-134, 2005, p. 122 e 130.

provocaram danos a outrem, isso não quer dizer que a noção a respeito do que constitua “ser responsável” apenas tenha correlação com os danos ou com o passado, comprometendo-se com uma visão restritiva e retrospectiva da vida social.

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Mas, qual seria então precisamente o objeto do Direito da responsabilidade civil? O que significa ser “responsável civilmente”? Constituiria a responsabilidade tão somente a imputação de alguém para fins de responder patrimonialmente pelos danos causados injustamente a outrem, por ações ou omissões antijurídicas? Seria o seu papel único e exclusivo a elaboração de mecanismos que propiciem uma ótima repressão dos danos para atender a um objetivo de plena indenização das vítimas, não se olvidando a necessidade de se enxergar os infratores sob uma ótica

“humanizante”?

As respostas oferecidas tradicionalmente a tal ordem de indagações a respeito do significado e do alcance da expressão “responsabilidade civil”, parecem revelar-se, quando menos, intrigantes, ao serem confrontadas com a realidade atual das relações sociais e com a pretensão de utilidade e adequação do ordenamento jurídico.

Nesse sentido, observe-se que a compreensão do sistema de responsabilidade civil como mecanismo de reparação de danos, a atuar somente após a violação do Direito, afeiçoa-se coerente com uma visão distorcida e já ultrapassada segundo a qual o próprio direito subjetivo só surgiria a partir da violação da norma.

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Foi precisamente essa visão distorcida a respeito do significado de responsabilidade que tornou impossível a compreensão de que as pessoas têm o direito de exigir proteção não apenas repressiva (já na condição de “vítimas” de danos), mas também preventiva (com cada vez maiores razões e justificativas), o

414 Acerca do início da utilização da palavra “responsabilidade”, consultar, EWALD, François.

Responsabilité – Solidarité – Sécurité: La crise de la Responsabilité en France à la fin du XXè siécle.

DUBUISSON, B. (Coord.). Responsabilité Civile Approfondie. V. 1, Louvain-La-Neuve: UCL, 1996, p.

11. 415 Como lembra Ovídio Baptista da SILVA, criticando o compromisso com o normativismo

que inspirou a conceituação do direito nos séculos XIX e XX, “o direito subjetivo surigiria somente depois de a norma ser violada. Este modelo de compreender o que denominamos «direito material», além de restringir-lhe o conteúdo, ainda suprime as formas de tutela preventiva. A violação da norma era pressuposto para que o conceito de «direito subjetivo» se compusesse”. Jurisdição, direito material e processo. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 170.

que levou à estatuição de um sistema de responsabilidade civil praticamente todo voltado à reparação do dano.

Desta forma, o reducionismo com o qual foi construído o tradicional Direito da responsabilidade civil acabou por legitimar proteção exclusivamente às vítimas, negando legitimidade para quem quer que fosse pleitear a prevenção contra a violação dos direitos, como se pode inferir da análise feita por GOLDBERG:

Construído como um direito de reparação de danos, o direito da responsabilidade civil também confere aos indivíduos um certo status, vis-à-vis do governo e dos outros cidadãos. A responsabilidade civil envolve um literal fortalecimento das vítimas – confere-lhes legitimidade para exigir uma resposta para o seu maltratamento. Nesse sentido, ela afirma suas condições de pessoas que têm direito de não ser maltratadas pelos outros. Ela também afirma que uma vítima é uma pessoa que tem o direito de fazer exigências ao governo. Uma vítima requerente pode insistir que o governo proporcione a ela a oportunidade de prosseguir uma reivindicação para a finalidade de defender interesses básicos, mesmo que funcionários do governo não estejam inclinados a fazê-lo.

Ex-ante regulações de proteção, muito embora possam

proteger os indivíduos dos riscos de serem injustamente prejudicados, não conferem o mesmo tipo de legitimidade. Com efeito, possíveis beneficiários de tal regulação normalmente não têm o direito de exigir que a regulação seja aplicada em seu benefício, ou mesmo que as regulações existentes sejam impostas. Assim, a responsabilidade civil contribui para a legitimidade política.

Como um fórum que é, em princípio, disponibilizado para qualquer pessoa que tenha sido vítima de uma certa maneira, a responsabilidade civil demonstra aos cidadãos que o governo tem um certo nível de preocupação por suas vidas, liberdades e perspectivas.

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Parece evidente que uma tal visão de legitimação política do Estado, que se pretende abrir pela aplicação do Direito da responsabilidade civil apenas a quem já ostenta o status de “vítima”, não reflete as necessidades sociais da atualidade,

416 GOLDBERG, John C.P. The Constitutional Status of Tort Law: Due Process and the Right to a Law for the Redress of Wrongs. The Yale law journal, n. 115, 2005, p. 607. Tradução livre.

“Construed as a law for the redress of wrongs, tort law also confers on individuals a certain status vis-à-vis government and other citizens. Tort law involves a literal empowerment of victims—it confers on them standing to demand a response to their mistreatment. In this sense it affirms their status as persons who are entitled not to be mistreated by others. It also affirms that a victim is a person who is entitled to make demands on government. A tort claimant can insist that government provide her with the opportunity to pursue a claim of redress for the purpose of vindicating basic interests even if government officials are not inclined to do so. Ex ante safety regulations, even though they may protect individuals at risk of being wrongfully harmed, do not confer the same sort of standing. Indeed, intended beneficiaries of such regulations usually have no right to demand that the regulations be enacted for their benefit, or even that existing regulations be enforced. As such, tort law contributes to political legitimacy. As a forum that is in principle available to anyone who has been victimized in a certain way, tort law demonstrates to citizens that the government has a certain level of concern for their lives, liberties, and prospects.”

relativas à ampla e integral tutela dos direitos, o que passa, necessariamente, pela reconceituação do sentido e do alcance da noção de responsabilidade.

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Nessa perspectiva, é interessante anotar como se deu o processo de desenvolvimento histórico da noção genérica e jurídica de responsabilidade, fortemente influenciada pelo moralismo, conforme SEGUÍ:

Juridicamente falando, e em sentido estrito, se diz responsável aquele que por não haver cumprido (com sua obrigação) é reclamado a indenizar. E a expressão ‘responsabilidade civil’ designa em linguagem jurídica atual, o conjunto de regras que obrigam o autor de um dano causado a outrem a reparar o prejuízo, oferecendo à vítima uma compensação. A construção da ideia de responsabilidade foi fruto da escola histórica alemã e da filosofia kantiana, por quem a noção tomou seus ingredientes de consciência ou a razão específica da natureza humana. A Lei Moral, uma vez dessacralizada e tornada filosófica conserva sua primazia e se perpetua através de toda a época moderna constituindo-se, assim, na pedra angular do ordenamento jurídico. A responsabilidade jurídica foi situada sob a égide de uma

extraídos do Direito positivo do século XIX não coincidem com a realidade social dos dias hodiernos, não atendem às atuais exigências econômicas, não respondem às novas necessidades sociais e não satisfazem aos reclamos da consciência coletiva, a missão dos juristas é substituí-los corajosamente.

Adaptar o novo ao velho, tomando as suas idéias e os seus preconceitos como a medida das cousas, é processo de frustração.” GOMES, Orlando. A evolução do Direito privado e o atraso da técnica jurídica. Revista Direito GV, v. 1, maio, p.121-134, 2005, p. 132.

418 Tradução livre. “Jurídicamente hablando y en sentido estricto, se dice responsable a aquél que por no haber cumplido se le reclama indemnización. Y la expresión "responsabilidad civil"

designa en el lenguaje jurídico actual, el conjunto de reglas que obligan al autor de un daño causado a otro a reparar el perjuicio, ofreciendo a la víctima una compensación. La construcción de la idea de responsabilidad fue fruto de la escuela histórica alemana y de la filosofía kantiana, por lo que la noción tomó sus recursos de la conciencia o la razón específica de la naturaleza humana. La Ley Moral, una vez desacralizada y devenida filosófica conserva su primacía y se perpetúa través de toda la época moderna constituyéndose así en la piedra angular del orden jurídico. La responsabilidad jurídica, fue ubicada bajo la égida de una responsabilidad moral y marcó en grados diversos, los diferentes tipos de responsabilidad: ya sea que se tratara de los daños cometidos por la autoridad pública, por los particulares, dentro de la responsabilidad administrativa o civil, o se persiguiera infligir una pena en materia de responsabilidad disciplinaria o penal. En su concepción original, la

"responsabilidad civil" estuvo teñida del "moralismo" de la época significando el deber de indemnizar los daños causados culposamente a otro. Y desde ese momento, los seguidores del Code vincularon de manera inescindible la institución con la "culpabilidad", del mismo modo que negaron la posibilidad de basar la imputación en otro factor que no fuera el subjetivo.” SEGUÍ, Adela M.Aspectos relevantes de la responsabilidad civil moderna. Revista de Direito do Consumidor, vol. 52, p. 267, Out/2004, p.

270-271.

A partir de uma visão ética da responsabilidade, suscitada originalmente por Max WEBER,

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a compreensão sobre o que consiste “ser responsável” desamarra-se espacial e temporalmente, implicando a possível construção de uma renovada noção jurídica comprometida com a proteção dos valores existenciais do ser humano do presente e do futuro.

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A ética da responsabilidade implica constantes reflexões sobre a dinâmica dos direitos e deveres socialmente incidíveis não apenas sobre os indivíduos que se inter relacionam diretamente, como também sobre indivíduos que dependem do equilíbrio geral das relações humanas e, portanto, por elas se responsabilizam.

Como aponta ARON, “a ética da responsabilidade é aquela que o homem de ação não pode deixar de adotar; ela lhe ordena a se situar numa situação, a prever as consequências das suas possíveis ações e decisões e a procurar introduzir na trama dos acontecimentos um ato que atingirá certos resultados ou determinará certas conseqüências que desejamos.”

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Parece, pois, que em sentido lógico e atual, a própria locução

“responsabilidade civil” aponta para um sistema legal que se ocupe do regramento de comportamentos humanos (comissivos ou omissivos) com vistas não apenas à garantia do ressarcimento dos prejuízos indevidamente causados a outrem, mas, antes e paralelamente a isso, também a evitá-los, da melhor forma possível.

A revisão dos institutos jurídicos tem por base as necessidades espaciais e temporais da sociedade. Se por um lado o instituto da responsabilidade civil foi cunhado ao longo dos tempos sob a égide de uma ideologia liberal assentada no patrimonialismo, responsável pela falsa ou insatisfatória afirmação da suficiência da solução indenizatória contra toda ordem de danos suportados pelas vítimas, por outro lado, a verificação da inviabilidade de indenização apropriada contra a violação dos direitos fundamentais e extrapatrimoniais parece forçar a reformulação do

419 Segundo o jusfilósofo alemão, “O partidário da ética da responsabilidade, (...) contará com as fraquezas comuns dos homens (pois, como dizia muito procedentemente Fichte, não temos o direito de pressupor a bondade e a perfeição do homem), e entenderá que não pode lançar a ombros alheios as conseqüências previsíveis de suas próprias ações. Dirá, portanto “Essas conseqüências são imputáveis à minha própria ação”, WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. Tradução de Leônidas Hegenberg e Octavio Silveira da Mota, São Paulo: Cultrix, 1993, p. 113.

420 Sobre o conceito ético de responsabilidade, consulte-se JONAS, Hans. Le principe responsabilité: une éthique pour la civilisation technologique. Trad. Jean Greich. 3 éd., Paris: Ed. Du Cerf, 1993; RICOEUR, Paul. Le concept de responsabilité – Essai d’analyse sémantique. Le juste.

Paris: Ed. Esprit, p. 41-70, 1995; e LAMBERT-FAIVRE, Yvonne. L'éthique de la responsabilité. Revue Trimestrielle de Droit Civile, Paris n.º1, jan.-mars, 1998.

421 ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. Trad. Sérgio Bath. 4ª ed. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1993, p. 487.

sistema de responsabilidade civil, a começar pela própria redefinição conceitual do instituto.

Nesse sentido, TUNC relembra que os institutos jurídicos (e, dentre eles, o direito da responsabilidade civil) existem para servir ao aprimoramento da regulação das relações sociais e, portanto, devem naturalmente estar abertos a mudanças, por vezes legislativas, por vezes judiciais:

Que existe uma área do direito referente a dano, danos ou responsabilidade civil, isso é claro para o jurista como para o homem da rua. Na medida em que se esforcece, assim, para definir o conceito ou mesmo analisar seus elementos, entramos num quarto de espelhos. O conteúdo da responsabilidade civil foi historicamente determinado pelos juízes; ele continua a evoluir, muito rapidamente, por conta do seu desejo de responder às aspirações sociais. O legislador tem ele mesmo intervido em relação a certos problemas.

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O conceito de responsabilidade, como ademais os conceitos em geral, pertence ao mundo das ideias, dentro do qual deve ser constantemente criticado, atualizado ou recriado, não possuindo intrinsecamente qualquer valor normativo enquanto não afetado pelo direito positivo.

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Como afirma GOMES, “o Direito é eminentemente conceitual. Precisa das noções gerais. Sem elas, não seria possível entendê-lo. O que se quer é que essas abstrações sejam imbuídas de dados da realidade, para que não percam o seu sentido funcional”.

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422 TUNC, Andre. La responsabilité civile, Paris, 2ª ed., Economica, 1989, p. 18. Tradução livre. “Qu’il y a un domaine de droit que soit celui de torts, du tort ou de la civil liability, cela est claire pour le juriste comme pour l’homme de la rue. Dès qu’on s’efforce, pourtant, de définir le concept ou même d’en analyser les élements, on entre dans le cabinet des miroirs. Le contenu de la responsabilité civile a été historiquement déterminé par les juges; Il continue à évoluer, assez rapidement même, par la suite de leur désir de répondre aux besoins sociaux. Le législateur lui-même est intervenu dans certains problèmes”.

423 Conforme Catherine THIBIERGE, “Se a filosofia pode ser a inspiração do direito, transformando particularmente a história humana, ela lhe mostra uma abertura natural do conceito de responsabilidade para o futuro, que um número crescente de atores da sociedade civil releem com força. No entanto o conceito, instrumento de conhecimento e de compreensão, participa do mundo da ideias, e não possui em si mesmo nenhum valor normativo. Ele pode todavia se concretizar no direito positivo e se traduzir sob a forma de uma noção jurídica, suscetível de produzir efeitos de direito”.

Tradução livre. “Et si la philosophie peut se faire l'inspiratrice du droit en ce tournant si particulier de l'histoire humaine, elle lui montre l'ouverture naturelle du concept de responsabilité vers le futur, qu'un nombre croissant d'acteurs de la société civile relayent avec force. Cependant le concept, instrument de connaissance et de compréhension, participe du monde des idées, et ne possède en lui-même aucune valeur normative. Il peut pourtant se concrétiser dans le droit positif et se traduire sous la forme d'une notion juridique, susceptible quant à elle de produire des effets de droit”. Avenir de la responsabilité, responsabilité de l'avenir. Recueil Dalloz. Chronique, Paris, n. 9, mars, p. 577-582, 2004.

424 Acresce referido autor que “os conceitos são mutáveis, porque inferidos da observação das necessidades sociais pela mentalidade dominante. Esses conceitos evolutivos são os que

Em inúmeros sentidos, pois, parece impensável constranger o conceito de responsabilidade aos estreitos e insatisfatórios limites das relações interpessoais individuais, como se fosse possível ignorar a crescente interferência que cada indivíduo passou a ter na vida de qualquer outro ou de todos os componentes do corpo social, na exata proporção do aumento de instrumentos de interação na sociedade tecnológica e globalizada do século XXI.

Todavia, a adesão a essa nova ética da responsabilidade implica a sempre difícil superação de paradigmas ideológicos, políticos e técnicos, comprometidos com a manutenção das coisas como elas “são” ou “devem estar”, como sintetiza THIBIERGE:

À necessidade ética e vital, reconhecida por um crescente número de atores da vida da sociedade civil, de antecipar as ameaças de maiores danos ao meio ambiente e à saúde, certos juristas opõe uma resistência técnica, invocando a desnaturação que resultaria da responsabilidade civil, estando ela voltada para o passado e assim devendo permanecer. Da revirada do conceito filosófico de responsabilidade para futuro à expansão da noção de responsabilidade jurídica, a fim de prevenir esses riscos, ou seja, da exigência ética à obrigação jurídica, existe uma barreira que a potência das forças criadoras em jogo convida a cruzar e que a emergência de um direito articulado flexivelmente pelos princípios de precaução e de prevenção permite tecnicamente efetuar.

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A superação do paradigma da responsabilidade exclusiva pelo passado e a preocupação com a responsabilidade pelo futuro esta na base da construção da responsabilidade civil preventiva, fundamentando-a na medida em que cria renovadas perspectivas de atuação do sistema jurídico, não mais apenas para indenizar danos produzidos por comportamentos pretéritos, mas sobretudo medidas

definem o processo de desenvolvimento do Direito. (...) Dêsse modo, a exata conceituação é o processo técnico mais preciso para favorecer e, por vêzes, precipitar a evolução jurídica.” GOMES, Orlando. A evolução do Direito privado e o atraso da técnica jurídica. Revista Direito GV, v. 1, maio, p.121-134, 2005, p. 127.

425 Tradução livre. “A la nécessité éthique et vitale, reconnue par un nombre croissant d'auteurs et d'acteurs de la société civile, d'anticiper les menaces de dommages majeurs à l'environnement ou à la santé, certains juristes opposent une résistance technique, invoquant la dénaturation de la responsabilité civile qui en résulterait, cette dernière étant principalement tournée vers la réparation et devant le rester. Du basculement du concept philosophique de responsabilité vers l'avenir (I), à l'expansion de la notion de responsabilité juridique (II), afin de prévenir ces risques, c'est-à-dire de l'exigence éthique à l'obligation juridique (III), il y a un pas que la puissance des forces créatrices en jeu invite à franchir et que l'émergence d'un droit souple articulé autour des principes de

425 Tradução livre. “A la nécessité éthique et vitale, reconnue par un nombre croissant d'auteurs et d'acteurs de la société civile, d'anticiper les menaces de dommages majeurs à l'environnement ou à la santé, certains juristes opposent une résistance technique, invoquant la dénaturation de la responsabilité civile qui en résulterait, cette dernière étant principalement tournée vers la réparation et devant le rester. Du basculement du concept philosophique de responsabilité vers l'avenir (I), à l'expansion de la notion de responsabilité juridique (II), afin de prévenir ces risques, c'est-à-dire de l'exigence éthique à l'obligation juridique (III), il y a un pas que la puissance des forces créatrices en jeu invite à franchir et que l'émergence d'un droit souple articulé autour des principes de

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