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A relação obrigacional compreendida como “processo”

No documento CURITIBA 2012 (páginas 183-186)

4. A REFUNDAMENTAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA

4.2 A INTERNALIZAÇÃO DA PREVENÇÃO NO DIREITO DA

4.2.2 A responsabilidade civil preventiva no campo das relações obrigacionais

4.2.2.1 A relação obrigacional compreendida como “processo”

Ao se cogitar a respeito de uma aproximação do conceito de obrigação, revela-se imprescindível um olhar eminentemente dinâmico sobre o processo de estruturação da relação jurídica obrigacional, sem o qual é praticamente impossível compreender-se a obrigação em sua complexa totalidade.

Esse caráter da relação obrigacional compreendida como “processo” foi preconizado por COUTO E SILVA,

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para quem o papel do adimplemento é fundamental, todavia, não podendo ser considerado um simples modo de extinção das obrigações.

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O avanço que permitiu a compreensão da relação obrigacional como um todo origina-se da concepção do referido vínculo como relação de cooperação, por força da qual devedor e credor não mais possuem posições antagônicas, formando, em

neutralidade do conceito está definitivamente destinado a se desfazer”. PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 910-911.

473 Sobre o aprofundamento do estudo da relação jurídica obrigacional como um todo e como organismo, consulte-se LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones. Trad. Jaime Santos Briz. Tomo I.

Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1958.

474 Afirma o autor: “a relação obrigacional tem sido visualizada, modernamente, sob o ângulo da totalidade. O exame do vínculo como um todo não se opõe, entretanto, à sua compreensão como processo, mas antes, o complementa. Como totalidade, a relação obrigacional é um sistema de processos”. COUTO E SILVA, Clóvis V. do. A obrigação como processo. São Paulo: Bushatsky, 1976, p. 5-7. Acrescenta a esse respeito MARTINS-COSTA: “a concepção da obrigação como um processo e como uma totalidade concreta põe em causa o paradigma tradicional do direito das origações, fundado na valorização jurídica da vontade humana, e inaugura um novo paradigma para o direito obrigacional, não mais baseado exclusivamente no dogma da vontade (individual, privada ou legislativa), mas na boa-fé objetiva”. MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 394.

verdade, uma unidade que não se esgota na soma dos elementos que a compõem.

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Assim sendo, sob o prisma da totalidade, o vínculo obrigacional assume novos contornos, não se limitando a representar a soma das partes, de um conjunto de direitos e obrigações, até porque, se assim o fosse, poderia se verificar uma modificação na estrutura do vínculo tão logo alguns desses direitos ou deveres perecessem.

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É possível, portanto, aludir-se à concepção da obrigação como uma totalidade concreta a partir de duas verificações fundamentais: a primeira, relacionada à compreensão de que o todo (a relação jurídica obrigacional) é mais do que a simples soma das partes, motivo pelo qual haveria uma ordem de cooperação entre os sujeitos para atingir uma unidade complexa;

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a segunda, relacionada à compreensão de que os fatos considerados de forma isolada não saem do campo das abstrações, sendo necessário considerá-los no campo da concretude (como sinônimo de circunstâncias individuais), o que só é possível quando observados num contexto geral ou total.

Nesse sentido, afirma MARTINS-COSTA que

Como efeito da apreensão da totalidade concreta da relação obrigacional, percebe-se ser a mesma um vínculo dinâmico – porque passa a englobar, num permanente fluir, todas as vicissitudes, “os casos” e problemas que a ela

475 COUTO E SILVA, Clóvis V. do. A obrigação como processo. São Paulo: Bushatsky, 1976, p.8. Adverte Hernani ESTRELLA: “(...) a renovação necessária do Direito, de molde a torná-lo apto para regular uma sociedade econômica em progressiva e contínua transformação. Subjetiva e objetivamente esta sociedade estava em flagrante contraste com o sistema jurídico tradicional. É que a disciplina visando a uma atividade ideal, humanitária, dirigida à satisfação dos interesses coletivos, não condizia com o egoísmo prático e o espírito de aventura, que norteavam os profissionais da mercancia (...) o regime legal das obrigações e dos contratos, por que se regulavam as relações dos indivíduos no seu aspecto econômico, para a satisfação das necessidades materiais, não se compadecia também, com as peculiares exigências do tráfico.” A comercialização do Direito Civil.

Revista Forense, v. 185, n.º 675-676, p. 31-45, set.-out., 1959, p. 33.

476 COUTO E SILVA, Clóvis V. do. A obrigação como processo. São Paulo: Bushatsky, 1976, p. 9.

477 “La persona tiene el deber social de cooperar la consecución del bien común, del cual, obviamente, participa. La vivencia de los valores de solidariedad y de cooperación, generalmente olvidade o preterida por los juristas, debe presidir su actividad, signar su cotidiano que hacer. Ello obliga a la persona a colaborar em la realización de lãs otras personas, para lo cual debe también abstenerse de toda acción a esse propósito”. Tradução livre: “A pessoa tem o dever social de cooperar para a consecução do bem comum, do qual, obviamente, participa. A experiência dos valores da solidariedade e da cooperação, geralmente esquecida ou preterida pelos juristas, deve presidir sua atividade, designar o que faz no seu cotidiano. Isso obriga a pessoa a colaborar com a realização das outras pessoas, para as quais deve também abster-se de toda ação a esse propósito”.

ITURRASPE, Jorge Mosset. Interpretación económica de los contratos. Santa Fé: Rubinzal, 1994, p.

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possam ser reconduzidas – que se movimenta processualmente, porto criado e desenvolvido à vista de uma finalidade, desenvolvendo-se em fases distintas, a do nascimento do vínculo, do seu desenvolvimento e adimplemento.

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Na relação obrigacional concebida na sua integralidade, a prestação, por exemplo, não é considerada isoladamente, mas sim por meio de uma verificação global, abrangente de uma série de deveres de conduta correspondentes ao mundo da validade objetiva da ordem jurídica.

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Dessa forma, os próprios deveres de conduta passam a existir e ter sua incidência determinada não apenas por hipóteses aprioristicamente previstas a partir da subsunção entre uma típica situação fática e a hipótese legal, mas também pela descoberta ou revelação de outras hipóteses ou situações geradas em decorrência das eventuais vicissitudes sofridas pela relação obrigacional, no curso de sua existência e desenvolvimento.

Revela-se, assim, que muitas vezes será por via dos efeitos das referidas vicissitudes que será possível identificarmos a “unidade do todo articulado que contém em si a diferença e, por isso, seja unitário do ponto de vista estrutural e funcional, bem como total em relação ao seu conteúdo”.

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Para COUTO E SILVA, a obrigação concebida como processo “compõe-se, em sentido largo, do conjunto de atividades necessárias à satisfação do interesse do credor”, e em sentido estrito podemos afirmar que representa uma sucessão de atos que se relacionam entre si para atingir uma finalidade consubstanciada no adimplemento.

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A compreensão da “obrigação como processo” pode e deve evoluir a partir de uma perspectiva dinâmica e funcional das obrigações no Direito atual, na medida em que ela “não se indentifica com o direito ou com os direitos do credor; ela se configura cada vez mais como uma relação de cooperação”, o que implica uma

“mudança radical da perspectiva a partir da qual se deve enfocar a disciplina das obrigações: esta não deve ser considerada o estatuto do credor; a cooperação

478 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 394.

479 LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones. Trad. Jaime Santos Briz. Tomo I. Madrid:

Editorial Revista de Derecho Privado, 1958, p. 37-38.

480 MARTINS-COSTA. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 394.

481 COUTO E SILVA, Clóvis V. do. A obrigação como processo. São Paulo: Bushatsky, 1976, p. 10.

substitui a subordinação e o credor se torna titular de deveres genéricos ou específicos de cooperação para o adimplemento do devedor”.

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Assim compreendida, a relação obrigacional como um processo e como uma

totalidade concreta é capaz de inaugurar um novo paradigma dentro do Direito

obrigacional, pautado não apenas na vontade humana formadora da obrigação, mas

também na cooperação e na boa-fé em sua acepção objetiva, que impõe aos

sujeitos da relação um agir pautado na solidariedade e na lealdade, que acabam por

impor uma necessária limitação ao exercício dos direitos subjetivos.

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No documento CURITIBA 2012 (páginas 183-186)