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ANÁLISE DAS ESTRATÉGIAS estratégias de Sherlock Holmes:

B) Consideremos um aumento permanente da despesa,

3.2.4. O debate na economia agregada

3.2.4.1. A economia keynesiana

A teoria económica estava dividida em duas partes, existindo a

teoria do valor, que tratava do comportamento dos produtores,

consumidores e mercados (o mercado dos bens) e a teoria

monetária, que tratava dos problemas relativos à moeda

(velocidade, taxa nominal de juro, etc.).

Keynes vem dizer que para analisar os problemas globais da Economia a curto prazo (conjuntura económica) era preciso uma teoria totalmente nova. A essa abordagem nova chamou-se

macroeconomia. Esta nova análise era muito diferente da

aplicação das teorias do valor e monetária aos problemas globais. Ao resto da teoria, que continuou na linha anterior e que incluía o equilíbrio geral, chamava-se, por oposição, microeconomia.

Esta posição, herética nos quadros dessa época, tomou uma influência tal que, poucos anos após a sua apresentação, era já ortodoxia. A divisão entre micro e macroeconomia passou a ser usada livremente e ela é corrente, ainda hoje, em muitas universidades, livros e apresentações da teoria.

Aqui, a Economia é vista como uma só, integrada, usando os mesmos princípios para os fenómenos individuais ou globais. Por isso, no quadro da nossa visão, a alternativa de Keynes é vista não como uma parte da teoria mas como uma visão diferente de um problema; uma explicação alternativa para os fenómenos que acabámos de explicar dentro do nosso modelo.

O centro da ideia de Keynes é que os mercados não equilibram, pelo menos no curto prazo. Aliás, mesmo que venham a equilibrar no futuro, tal facto é irrelevante porque, na célebre expressão deste autor, «a longo prazo estamos todos mortos». Aliás, basta um mercado não equilibrar para que os outros tenham dificuldades em fazê-lo, pois, pela lei de Walras, sabemos que se há um mercado desequilibrado, há pelo menos outro que também o está para compensar. E essa lentidão de ajustamento é particularmente grave porque a economia está sempre a ser perturbada pois ela é intrinsecamente instável.

Quanto aos agentes, eles estão dominados por estados de espírito alteráveis, euforias, medos, ânsias, etc., a que Keynes chamava

animal spirits, que causam contínuos choques, os quais se

mantêm devido ao mau ajustamento. Assim, também se pode dizer que, para Keynes, os agentes não são racionais.

Repare-se que, deste modo, se violaram as duas hipóteses-base da Economia: os mercados (pelo menos em parte) não equilibram, e os agentes (pelo menos em certas situações) são irracionais. Se os agentes são irracionais e os mercados não equilibram, então toda a análise feita até agora não é válida, porque foi esse o nosso ponto de partida.

A principal conclusão prática de Keynes é que, neste meio em que os agentes são nervosos e o processo negocial demora tempo a ajustar, já não são válidos os resultados de eficiência que atrás deduzimos: o mercado já não é óptimo, nem sequer no sentido de Pareto. Por isso, existe um ganho potencial se alguém manipular o sistema, para o melhorar. Esse alguém é claramente o Estado, que

pode calcular, através de modelos, qual o choque que a economia sofreu e qual a política correcta para o corrigir.

É importante descrever agora o ambiente em que estas ideias foram apresentadas. A chamada Grande Depressão de 1929-1933, de grande desemprego e deflação (queda dos preços) deu a alguns a ideia de que, dado que a teoria económica existente não podia explicar a situação, a teoria teria de ser mudada. Esta convicção extremamente forte explica a popularidade instantânea e duradoura das ideias de Keynes, que foram apresentadas na altura certa.

Hoje, a nossa visão desse problema é algo diferente. A teoria da época não conseguia explicar a Grande Depressão porque tal não era possível. Uma queda geral da confiança na moeda repercutiu- se no mercado dos bens, pois os bancos e o sector financeiro faliram e as empresas foram forçadas a pagar as suas dívidas ou falir.

Todos sabemos que no meio de um tremor de terra não funciona a maior parte das regras sociais. Mas isso não é razão para as abandonar na vida corrente. Como o afirmou Schumpeter, o grande erro de Keynes foi ter chamado «geral» à sua teoria.

Repare-se que, sendo um modelo que se baseia na situação de desequilíbrio, a dificuldade da tarefa é, logo, muito maior. A situação de equilíbrio tem a grande vantagem de ser uma situação bem definida: um ponto claro e concreto. Tudo o resto é desequilíbrio.

O génio de Keynes está exactamente em ter criado ordem no meio do caos, criando uma abordagem simples e clara de uma realidade complexa e intrincada.

A análise keynesiana do sistema monetário, embora diferente, mantém o essencial do estudo que fizemos atrás. É pois no mercado dos bens que ele faz as principais alterações.

3.2.4.1.1. Lado da procura

O modelo está dividido, no mercado dos bens, em duas partes: a procura e a oferta. No lado da procura, o consumo das famílias é a parte mais importante da despesa da sociedade, representando cerca de 70% a 80% do seu valor. Para estudar o consumo, Keynes inventou o conceito de

função consumo, que define as principais determinantes do

nível de consumo em certo momento.

Na visão keynesiana dessa função existem dois conceitos importantes: a propensão marginal ao consumo (PmC), definida como o acréscimo de consumo feito por mais uma unidade de rendimento; e propensão média ao consumo (PMC), o peso médio do consumo no produto. No caso simples da função consumo ser uma recta, esses parâmetros são fáceis de calcular:

C = a + b x Y

Neste caso, a propensão marginal ao consumo é dada por PmC = dC/dY = b,

PMC = C/Y = b + a/Y

Outra componente da procura, também em consumo, é o consumo público do Estado: a despesa pública, que é uma componente da despesa total. Assim, os gastos públicos são uma componente autónoma:

___

G = G

3.2.4.1.2. Lado da oferta

O lado da oferta , para Keynes, era muito simples. A economia encontrava-se abaixo da curva de possibilidade de produção, num uso deficiente dos recursos disponíveis: havia desemprego. Esta é claramente a situação de falha geral do sistema, tal como na Grande Depressão. Dado este facto, é possível aumentar a produção sem quaisquer custos adicionais, ou seja, com custos marginais nulos. O salário não sobe se aumentar a procura, porque os desempregados são muitos e estão todos dispostos a trabalhar. Repare-se que isso quer dizer: como estamos abaixo da função de produção, no modelo keynesiano há almoços grátis.

Essa função oferta pode ser representada muito simplesmente dizendo que a produção realizada é inferior ao máximo que seria produzível com certos recursos, o produto potencial (Yp).

Assim, com um certo número de trabalhadores (L*) na economia, seria possível obter um montante de produção (Yp). O que sabemos é que, na situação de desequilíbrio do modelo keynesiano, a produção efectivamente realizada nessa economia (Y) é inferior a esse máximo possível, existindo desemprego. É esta, pois, a oferta do modelo:

Y < Yp

E, embora tenhamos ainda apenas uma pequena parte, podemos já começar a analisar o problema que nos preocupa: será que é possível que uma economia esteja,

de forma permanente, numa situação de desemprego?

Será que é possível uma situação de equilíbrio de subemprego?

3.2.4.1.3. Equilíbrio keynesiano

Vamos supor que a propensão marginal a consumir, b<1, ou seja, por cada euro recebido, o consumo é menor que esse euro. Este aspecto é importante, pois, nesse caso, só há um ponto de igualdade entre a procura e a oferta. Keynes, nesta

Y

Yp

estrutura geral de desequilíbrio, chama a esse ponto o ponto

de equilíbrio.

É claro que este «equilíbrio keynesiano», que nasce numa estrutura que é de desequilíbrio e de irracionalidade, tem um significado muito diferente de qualquer equilíbrio que tenhamos estudado até agora. «Equilíbrio», neste caso, apenas significa que, nesse ponto, a procura total (causada por esse nível de rendimento) é igual à oferta total, ou seja:

Y = D = a + bxY + G

Graficamente, esse ponto obtem-se pela intercepção entre a curva da procura e uma linha com inclinação de 45º, ou seja, a linha na qual as ordenadas (D) são iguais às abcissas (Y). É claro que este equilíbrio não tem nada a ver com o que analisámos atrás. Ele apenas significa que a procura e a oferta, definidas deste modo porque estamos numa situação de desequilíbrio, são iguais. O ambiente é todo de desequilíbrio mas, o facto de, nesse ambiente, D = Y, gera uma situação parecida com a de equilíbrio.

Determinado o ponto de «equilíbrio», resta saber se haverá algum mecanismo de ajustamento que leve a economia a esse ponto. Sim, na verdade, se a oferta for maior que Y*, as empresas não conseguem vender e vão acumulando stock de bens invendáveis. O que elas vão ser obrigadas a fazer é a reduzir a produção. Se a produção for pouca, haverá excesso de pressão sobre os stocks, e as empresas são levadas a produzir mais. Assim se tende para o ponto de

equilíbrio.

Algebricamente, a resolução do modelo, determinando o ponto de equilíbrio keynesiano, é muito simples:

Y = C + G <=> Y = a + b Y + G <=> Yx(1-b) = a + G <=> Y* = (a+G) / (1-b)

O aspecto fundamental é que, embora o ponto Y* seja o ponto de equilíbrio, nada obriga a que este ponto seja o

ponto de pleno emprego (Yp) . E assim, respondendo à

nossa pergunta inicial, a economia pode manter-se durante muito tempo, de forma estável e sustentada, numa situação de desemprego.

Por que razão a economia está aqui? Repare-se que as empresas não produzem mais porque não têm procura, e não há procura porque o rendimento é baixo, e este é baixo porque a produção é baixa. As empresas não contratam trabalhadores porque ninguém procura os seus bens, e os trabalhadores não procuram os bens porque estão

D __ a+G Y Yp D = a + bxY + G

desempregados. Há um círculo vicioso que prende a economia nesta situação.

Se os trabalhadores fossem pagos em bens, isso criaria a própria procura dos bens da empresa. A lei de Walras diz exactamente que os bens só são produzidos porque alguém os procura, e a procura é igual à oferta. Mas como o salário é pago em dinheiro, e a empresa não sabe como esse dinheiro será gasto, se vai fazer procura dos seus bens, a empresa não arrisca, não contrata trabalhadores, e por isso não lhes dá dinheiro, o que confirma os seus temores. É este mal- entendido, que não era possível no nosso modelo anterior de equilíbrio geral, que causa todo o processo.

Mas será que o Estado pode alterar a situação? É claro que o círculo vicioso descrito é, naturalmente, muito instável e, se for perturbado, pode mudar radicalmente de posição. Vejamos o que sucede se houver um aumento dos gastos, qual o resultado? Será que o rendimento aumenta?

3.2.4.1.4. Multiplicador

O aumento dos gastos causa imediatamente um aumento de rendimento igual a si próprio, mas desencadeia enormes quantidades de aumentos futuros, devidos ao consumo. Este é o chamado efeito multiplicador.

Será que o rendimento continuará a aumentar para sempre? Nâo, como se pode ver pelo modelo:

Y = a + bxY + G

O aumento do consumo é menor que o do rendimento [devido à propensão marginal ao consumo (b) ser menor que 1].

No fim do processo, a variação total do produto é a soma de todos os dY

dYT = dY1+dY2+... = (1+b+b2+ ... + bn+ ...)xdG

Como b<1, cada parcela é menor que a anterior. A soma desta série infinita de termos (soma de uma progressão geométrica) é:

dY = dG/(1-b)

Outra forma de ver o mesmo resultado pode ser olhando para o ponto de equilíbrio que determinámos atrás:

Y* = (a+G) / (1-b)

Graficamente, a variação é fácil de observar. O aumento de G é representado por uma subida paralela da curva da procura. É fácil de ver que, devido à inclinação relativa das curvas, o aumento do produto (variação em Y*) é maior que o aumento inicial da procura (aumento de G).

D

Este é o modo como Keynes pretende acabar com o desemprego: a razão do desemprego é a falta de procura. Os exemplos que Keynes tornou famosos são os de o Estado gastar dinheiro, mesmo em actividades directamente produtivas, como construir pirâmides ou catedrais como no passado ou, até, pagar aos trabalhadores para simplesmente abrir e tapar buracos na terra.

O que interessa é gastar dinheiro, sabendo-se que esse aumento inicial da procura cria muito mais procura pelo mecanismo multuiplicador e supre a necessidade em que a economia se encontra: a falta de procura.

Curiosamente, antes mesmo da teoria de Keynes ter sido proposta, foi este o modo utilizado pelos países para saírem da Grande Depressão nos anos 30. O caso mais espectacular foi o da Alemanha. O Governo alemão nos anos 30 encontrou uma coisa em que gastar dinheiro que, embora não fosse nada produtiva, ocupava as pessoas: fabrico de armas. Hitler tinha chegado ao Poder em 1933 e estava muito atarefado em reconstruir as forças armadas alemãs, para objectivos muito seus.

O que nos interessa aqui é que esta despesa do Governo, mesmo sem efeitos produtivos de aumento da capacidade, serviu para dar emprego a muita gente. Essas pessoas, como agora estavam a ganhar dinheiro, começaram a gastá- lo e isso aumentou a procura às empresas. Este efeito multiplicador explica o grande sucesso que, sem o saber, Hitler estava a ter na economia alemã, tirando-a da depressão, aumentando-lhe o potencial (que depois lhe permitiu suportar os custos de se lançar na II Guerra Mundial) e dando grande popularidade ao líder.

Na mesma altura, os Americanos, com a política de gastos públicos do presidente Roosevelt (o New Deal), os Franceses e os Ingleses também estavam a sair da crise, através de políticas semelhantes, embora em menor grau.

Repare-se que o mecanismo multiplicador, que funciona na subida, também funciona na descida. Foi assim que, em 1936, Keynes explicou a Grande Depressão após o crash da bolsa de 1929. Quando, numa situação destas, o Estado tem o cuidado de se acautelar, para compensar a descida e não deixar funcionar o multiplicador na descida, não há problemas. Foi por isso que, após recentes crashes das bolsas internacionais de 1987 e 1989, não houve depressão. Mas quando se atinge o rendimento potencial, o multiplicador deixa de funcionar. Mais procura não pode ser satisfeita, porque não há recursos para produzir mais, e o único efeito dessa pressão da procura é sobre os preços, subindo-os. Procurar resolver o problema do desemprego patente e estável é uma coisa, procurar estar sempre sobre o nível de pleno emprego é outra muito diferente. Normalmente, o resultado desta última tentativa é a inflação . O multiplicador

só funciona bem quando a economia está num estado de

depressão.

Existem muitos exemplos disto, nos casos de inflação verificados nos países que se lançam em despesas públicas quando o país não está em depressão.