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1 O SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO BRASILEIRO

2.3 A aplicação do princípio da igualdade na tributação

O Estado Democrático de Direito defende os direitos dos indivíduos diante do Poder Público por meio da separação dos poderes em Legislativo, Executivo e Judiciário. Nesse sentido, a igualdade está diretamente relacionada à democracia e, por sua vez, sem a igualdade não há que se falar em República. Por meio da igualdade é que se distingue um regime democrático de um regime autoritário.

Na estrutura de um Estado Democrático de Direito, o Poder Legislativo, Executivo e Judiciário, de forma independente e harmônica, garantem os direitos dos indivíduos frente ao Estado.

Vale dizer, à lei cumpre desigualar situações atendendo suas peculiaridades, pressupondo uma relação direta entre o elemento diferencial e o regime jurídico atribuído às situações diferençadas. Afronta-se o primado da igualdade quando dispensado o mesmo tratamento a fatos com caracteres distintos.

No âmbito do Direito Tributário, o princípio da igualdade encontra-se disposto no artigo 150, inciso II, da CF/88 que assim dispõe:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

Daí verificamos que o princípio da igualdade deixa de ser observado quando uma norma tributária impõe, sem motivação, tratamento idêntico a situações que são diferentes.

O legislador, diante de suportes fácticos idênticos, deve submetê-los ao mesmo regime jurídico. Igualmente o regime jurídico será distinto, de forma a atender as particularidades próprias aos fatos.

Cumpre destacar que deve atender aos preceitos constitucionais no que tange à igualdade não apenas o Legislativo, que não pode estabelecer desigualdades ilegítimas na norma jurídica, mas também o Executivo e o Judiciário, como aplicadores do Direito.

A igualdade consubstancia um valor destinado ao legislador, compreendido este na sua acepção mais ampla possível, ou seja, significando todos os órgãos que expedem normas

jurídicas (Legislativo, Judiciário e Executivo). O Poder Executivo, ao realizar a vontade do povo e o Poder Judiciário, por meio da decisão judicial, não devem negar vigência ao princípio da igualdade.

Sobre a necessidade de atendimento do princípio da igualdade pelos aplicadores do direito, José Artur Lima Gonçalves esclarece:

Aspecto importante a ser desde já fixado com relação ao princípio da isonomia é o consistente em ser ele dirigido precipuamente ao próprio legislador, que, desempenhando sua função, deve implementar a isonomia na própria lei [...], não se perca de vista que o legislador é o primeiro intérprete da Constituição. Todavia, devem igual obediência ao preceito isonômico o Judiciário, o Executivo e o próprio particular.62

A atividade do Estado está limitada ao disposto na Constituição, devendo os entes federativos agir nos estritos termos de sua competência estabelecida pela Carta Magna.

Dadas estas considerações, resta patente que a isonomia e a legalidade caminham conjuntamente num Estado Democrático de Direito. E isso em razão do princípio da legalidade também tratar de um princípio basilar do Estado Democrático de Direito, na medida em que o Estado de Direito está ao império da lei, lei esta que realiza o princípio da igualdade e da justiça como forma de buscar a adequação às condições sociais dos indivíduos.

A respeito do tema, Julcira Maria de Mello Vianna esclarece que o princípio da legalidade “é corolário do princípio da igualdade, pois criar a lei é estabelecer a conduta de forma igualitária, ou seja, igual para todos”.63

No mesmo sentido, Humberto Ávila destaca: “a conexão da igualdade com a legalidade está no fato de a lei, por ser geral e abstrata, desconsiderar particularidades individuais em favor de uma classe de contribuintes”. O referido autor faz uma crítica no sentido de que “o problema não é a generalidade da lei, mas, precisamente, a sua individualização: a suposta violação ao princípio da igualdade decorreria do fato de a lei, ao pretender tratar cada um diferentemente, gerar uma dificuldade soberba para ser aplicada por todos”. 64

62 GONÇALVES, José Artur Lima. Isonomia na norma tributária. São Paulo: Malheiros Editores, 1993, p. 21-

22.

63 VIANNA, Julcira Maria de Mello. Aspectos Constitucionais do IPVA. Dissertação de Mestrado apresentada no

Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC/SP, 2002, p. 27.

E isso porque mediante lei é possível realizar intervenções que impliquem a alteração da vida em sociedade. Noutros dizeres, a lei não deve ser tida apenas numa esfera normativa, havendo que influir na realidade social, impondo mudanças sociais democráticas.

É nesse sentido que destacamos que, pelo princípio da estrita legalidade, tem-se a garantia de que nenhum tributo será instituído ou aumentado a não ser em virtude de lei (artigo 150, inciso I65, da CF/88), sendo um dos mais importantes limites aos governantes na atividade da tributação. Significa dizer que o veículo introdutor da regra tributária no ordenamento jurídico será sempre a lei, “estalecendo a necessidade de que a lei adventícia traga no seu bojo os elementos descritores do fato jurídico e os dados prescritivos da relação obrigacional”.66

Assim, conjuntamento ao princípio da legalidade deve caminhar o princípio da igualdade em matéria tributária. E isso porque, no âmbito do Direito Tributário, se verifica que os contribuintes devem ser tributados de forma a respeitar o princípio da igualdade e nos termos do disposto em lei, sendo esta também isonômica.

O princípio da igualdade tributária relaciona-se com a justiça distributiva em matéria fiscal, de maneira que haja uma repatição do ônus financeiro da forma mais justa possível.

Permite o princípio da igualdade a distinção, para que indivíduos sejam tratados na medida de sua desigualdade. O objetivo é a proteção dos mais fracos, estando o Direito Tributário na linha de frente neste sentido, tendo em vista que uma tributação justa enseja a aplicação adequada da igualdade.

Entendemos, portanto, que todo o sistema tributário deve ser analisado sob a ótica do princípio da igualdade, o qual exige que a lei, ao ser aplicada e editada, não discrimine os contribuintes que se encontrem em situação equivalente, mas sim aqueles que não se encontrem em situação equivalente, na medida de suas desigualdades. O princípio da igualdade é a projeção na área tributária de que todos são iguais perante a lei, apresentando-se como garantia de tratamento igualitário pela entidade tributante àqueles que se encontrem na mesma situação.

65 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao

Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

E entendemos que referido mandamento constitucional, no âmbito do direito tributário, disposto no artigo 150, inciso II67, foi ainda mais destacado pelo legislador constituinte ao tratar da capacidade contributiva dos indivíduos, nos termos do artigo 145, parágrafo 1º68, da CF/88.

José Afonso da Silva, ao tratar da igualdade na tributação, destaca o princípio da capacidade contributiva como aquele adequado e necessário para se atingir a igualdade tributária. Nesse sentido, esclarece:

O princípio da capacidade contributiva, expressamente adotada pela Constituição (art. 145, §1º), segundo o qual a carga tributária deve ser distribuída na medida da capacidade econômica dos constribuintes, critério que implica: (a) uma base impositiva que seja capaz de medir a capacidade; (b) alíquotas que igualem verdadeiramente essas cargas.69

E conclui o ilustre jurista constitucional:

Não basta, pois, a regra da isonomia estabelecida no caput do art. 5º, pra concluir que a igualdade perante a tributação está garantida. O constituinte teve consciência de sua insuficiência, tanto que estabeleceu que é vedado instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos (art. 150, II). Mas também consagrou a regra pela qual, sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte (art. 145, §1º). É o principio que busca a justiça fiscal na distribuição do ônus fiscal na capacidade contributiva do contribuinte.70 (grifo do autor)

Podemos, então, concluir que as regras dos artigos 5º, 150, II, e 145, §1º, todos da CF/88, conjugados, buscam concretizar a justiça tributária, possibilitando um tratamento diferenciado entre os contribuintes, levando em consideração, sempre que possível, as

67 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao

Distrito Federal e aos Municípios: (...)

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

68 Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: (...)

§ 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

69 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

2004, p. 220.

condições pessoais e a graduação segundo a capacidade econômica do contribuinte, em atendimento ao princípio da igualdade.

E nas palavras de Paulo de Barros Carvalho, ao tratar da igualdade na tributação: Isto não significa, contudo, que todos os contribuintes devam receber tratamento tributário igual, mas, sim, que as pessoas, físicas ou jurídicas, encontrando-se em situações econômicas idênticas, ficarão submetidas ao mesmo regime jurídico, com as particularidades que lhe forem próprias.71 Entendemos que o princípio da igualdade garante um sistema tributário justo, impedindo privilégios e arbitrariedades, de maneira a assegurar que situações equivalentes venham a ser tratadas da mesma forma e, ao mesmo tempo, situações diferentes tenham tratamento diverso. Sobremais, o princípio da igualdade exige que o legislador e o aplicador da lei tributária adotem critérios de comparação de maneira a distinguir os contribuintes que não se encontrem em situação equivalente.

Tal aplicação do princípio da igualdade se verifica na tributação, levando em consideração a capacidade contributiva dos indivíduos. Conforme expresso no artigo 145, §1º, da CF/88, o princípio da capacidade contributiva, que será tratado especificamente em capítulo do presente estudo, é forma pela qual o princípio da igualdade é aplicado no sistema constitucional tributário.

71 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 2ª edição. São Paulo: Noeses, 2008,

3 O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

3.1 Análise histórica do dispositivo Constitucional sobre a capacidade contributiva no